segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Fundamentação do exame do INPI

 

Continuam oportunas as recomendações da Portaria n° 11 de 22 de julho de 1949 do antigo DNPI aos examinadores de patentes: “os pareceres deverão ser devidamente fundamentados, e quando contrários à concessão da patente, deverão mencionar especificamente as anterioridades apuradas, com indicação precisa da sua natureza e origem, de modo que os inventores possam plenamente conhecê-los e identificá-las”. [1] Alexandre Gnocchi complementa: “o examinador, devendo pronunciar-se sobre a privilegiabilidade de uma invenção, não poderá limitar-se a um lacônico parecer, ou a um ‘nada consta’, ou simplesmente opinar pelo deferimento ou indeferimento do pedido. Ditos pareceres – que custam ao inventor uma taxa de Cr$4153,00 – deverão ser devidamente fundamentados e, quando contrários ao privilégio, especificar com clareza as anterioridades, anexando cópias das patentes apontadas, para facilitar ao interessado identificá-las e eventualmente discuti-las. O inventor tem todo o direito de saber a respeito da sua invenção; um direito que a Constituição Federal lhe assegura”.[2] Segundo o artigo 37 da Constituição Federal a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A lei n° 9784/99 no artigo 2° estabelece que a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

O STF[3] em decisão de 1966 sobre a nulidade da patente n° 45718 referente a um processo de preparação de um produto empregado em composições para acabamento de artefato ou outros artigos de metais ferrosos e não ferrosos, suas ligas e as composições assim obtidas, o juiz Evandro Lins e Silva reproduz o lacônico parecer de deferimento do DNPI: “O pedido está, a meu ver, bem definido e delimitado em suas reivindicações. Como não tenha encontrado qualquer anterioridade que possa afetar a sua novidade, opino pelo deferimento do presente pedido”[4]. O juiz concorda com o parecer do Ministro Oscar Saraiva de que o parecer é “um mero nada consta, não tendo afirmado positivamente que havia novidade no processo para o qual era pedida a patente. Na verdade, o perito afirmou, apenas, que nada conhecia em matéria de anterioridade. Assim, a patente, ao ser expedida, apoiou-se apenas numa ficção legal de um ato formal, e não na seriedade de um exame técnico fundado [...] No caso, não houve exame técnico feito pelo próprio DNPI, que se limitou a um sucinto e inconveniente parecer, que não se fundou em quaisquer elementos, por ocasião da patente”.[5]

Nos casos em que há falta de fundamentação de pareceres do INPI os juízes tem acolhido a argumentação da perícia. Por exemplo, o TRF2 em Jorge Haidamus v. Rubens Cunha ao analisar a nulidade da patente PI0212855 comenta sobre o primeiro parecer do INPI como “absolutamente vago, restringindo-se em descrever as anterioridades apontadas, sem se preocupar em tecer nenhuma consideração, para concluir dizendo: “Após a análise das argumentações objeto da ação de nulidade em questão, entendemos que a matéria objeto da patente PI0212855 carece de atividade inventiva face às informações trazidas pelos documentos de patente MU8002354; JP3140584 e US5076016” À míngua desses esclarecimentos, insuficientes para elidir as conclusões do Laudo, quedo-me convicto da que a prova pericial enfrenta melhor a matéria, demonstrando que a patente reúne os requisitos legais, devendo ser mantida”.[6]

Para Denis Barbosa a busca de anterioridades é um elemento fundamental para o exame de uma patente: “O ato administrativo que concede a patente tem de apoiar-se no exame técnico. Ora, a busca é um elemento inescapável dessa motivação. Se a folha de busca indicasse inexistir anterioridades, a motivação seria errônea. O ato mereceria correção. A patente em si mesma seria nula, mas simplesmente pela carência de um requisito fático. Com a vacuidade da folha de busca, falta um elemento essencial da motivação[7], no entanto, o fato de não ter encontrado anterioridades relevantes para incluí-las em seu relatório de busca não significa que o examinador não tenha feito busca. Para dirimir esta dúvida, é recomendável que o examinador preencha o relatório de busca com todas os documentos encontrados e analisados em sua busca, ainda que não tenham se mostrado relevantes como anterioridades. O artigo 35 da LPI estabelece que todo o exame técnico deve obrigatoriamente elaborar um relatório de busca, ainda que este seja o exame realizado por uma autoridade de busca internacional PCT, por exemplo.

Nos Estados Unidos o Federal Circuit em decisão de 2012 em Mintz v. Dietz & Watson[8] entendeu que afirmações vagas de que uma reivindicação é óbvia em função do conhecimento geral comum são inaceitáveis ao menos que estejam suportadas em alguma evidência objetiva[9]. A obviedade deve se fundamentar em algo que foi realizado e não em algo que poderia ter sido feito. Se algo é considerado como parte do conhecimento comum geral então deve existir uma abundância de fontes para sustentar esta afirmação. O hábito de alegar obviedade sem se fundamentar em evidências objetivas é algo que tem sido criticado pelo Federal Circuit em decisões anteriores como em In Re Lee[[10] ou In re Kahn[11]. O USPTO estabeleceu que um elemento ou combinação de elementos é considerado como bem conhecido, de rotina, ou convencional somente quando o examinador puder prontamente concluir que tal elemento é largamente prevalente (widely prevalent) ou de uso comum na indústria relevante. Em 2018 com o chamado Berkheimer memorandum esta análise de obviedade passou a ser considerada uma análise factual da mesma natureza que a análise usada em 35 USC 112(a) para saber se um elemento precisa ser detalhado no relatório descritivo para configurar uma situação de suficiência descritiva, ou seja, não basta ser conhecido do estado da técnica para algo ser enquadrado como well understood, routine and conventional. O USPTO abriu consulta pública em abril de 2018 para os critérios estabelecidos no Berkheimer memorandum[12]

Jacques Azéma comenta decisão da Corte francesa que destaca que os juízes “devem explicitar os motivos técnicos que conduziram à constatação objetiva de falta de atividade inventiva. Deve-se observar que a apreciação da atividade inventiva deve ser objetiva. Enfim, os juízes não devem se limitar, sobre a atividade inventiva, a uma afirmação geral, sem comparar os elementos característicos da invenção diante do estado da técnica”.[13]


[1] Propriedade Industrial: patentes de invenção, Alexandre Gnocchi, São Paulo:Inventa, 1981, p.132

[2] Propriedade Industrial: patentes de invenção, Alexandre Gnocchi, São Paulo:Inventa, 1981, p.133

[3] Recurso Extarodinário n.58535 Primeira Turma São Paulo, Recorrentes: Abrasivos e Polidores Seracchi S/A e outros, Recorrido: Gioiffe Borelli, Data: 31/12/1966, Publicação: DJ 12-04-1967 Presidente: Cândido Motta Filho, Relator: Evandro Lins e Silva http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/670221/recurso-extraordinario-re-58535-sp-stf

[4] BARBOSA, Denis Borges; KUNTZ, Karin Grau; BARBOSA, Ana Beatriz Nunes. A propriedade intelectual na construção dos tribunais constitucionais. Rio de Janeiro: Lumen, 2009, p. 116

[5] BARBOSA, Denis. Nulidade de modelos de utilidade: peculiaridades. In: BARBOSA, Denis. A propriedade intelectual no século XXI: Estudos de Direito, Rio de Janeiro:Lumen, 2009, p.588

[6] TRF2, n. 0800191-62.2008.4.02.5101, Jorge Haidamus v. Rubens Cunha, Relator: Des. Messod Azulay Neto, data: 30/04/2013

[7] http://denisBarbosa.addr.com/falta.doc Usucapião de patentes e outros estudos de propriedade industrial, Denis Barbosa. Rio de Janeiro:Ed. Lumen Juris, 2006, p.363

[8] http://www.patentlyo.com/patent/2012/05/mintz-v-dietz-watson-hindsight-and-common-sense.html

[9] http://www.lexology.com/r.ashx?i=2892512&l=7GPAK8K

[10] In re Lee, 277 F.3d 1338 (Fed. Cir. 2002)

[11] In re Kahn, 441 F.3d 977 (Fed. Cir. 2006)

[12] https://www.gpo.gov/fdsys/pkg/FR-2018-04-20/pdf/2018-08428.pdf

[13] AZÉMA, Jacques; GALLOUX, Jean Christophe. Droit de la propriété industriele, Paris:Dalloz, 2012, p.223

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