domingo, 25 de março de 2018

Patente da leflunomida (metabólito)


Em uma decisão de 24 de julho de 2012 do BGH o Supremo Tribunal de Justiça Alemão (X ZR 126/09) analisou patente EP896537 referente a um preparado farmacêutico envolvendo a combinação de dois princípios ativos (leflunomida e teriflunomida) em que a leflunomida era conhecida do estado da técnica, de tal modo que seguindo as instruções de preparação sugeridas pelo conhecimento atual, durante o período de armazenamento normal da leflunomida a mesma teria se transformado, através de uma reação química, numa combinação dos dois princípios ativos. É conhecido do estado da técnica que a leflunomida administrada através de formulações sólidas é quase que completamente metabolizada à teriflunomida no duodeno do paciente e que esta última substância é responsável pelo efeito farmacológico da leflunomida, constituindo o princípio ativo, motivo pelo qual sempre seria esperada a mesma ação biológica, independente do fato do princípio ativo ser administrado como leflunomida ou seu metabólito em formulações sólidas. O Tribunal alemão considerou como técnico no assunto neste caso um especialista químico ou farmacêutico com doutoramento e experiência industrial de muitos anos na área de imunologia. Desta forma, o BGH conclui que a patente é destituída de atividade inventiva. [1]

A leflunomida não é metabolizada em teriflunomida somente no meio básico do duodeno humano, mas a mesma transformação ocorre também durante o simples armazenamento da substância, caso não tenham sido tomadas precauções, não conhecidas na data de prioridade da patente. No decorrer deste processo de transformação a proporção de leflunomida que se transforma em teriflunomida alcança magnitudes dentro da faixa pleiteada na reivindicação da patente. O documento europeu EP797895 mesmo sendo de data posterior à data de prioridade da patente em litígio mostra que a produção de preparados medicamentosos contendo leflunomida, por exemplo em forma de comprimidos, leva à formação de 6% a 9% de teriflunomida durante seu armazenamento. Seria, contudo, incompatível com o Artigo 54 da EPC utilizar-se deste documento EP797895 contra a novidade da presente patente em litígio. Mas esta incompatibilidade não ocorre, se forem, utilizados somente os resultados informados naquele requerimento de patente em relação à transformação percentual de leflunomida para teruflunomida. Esses dados refletem tão somente a característica imanente e como descrito, baseada em sua estrutura química, de se transformar sozinho em teriflunomida. Esse processo ocorreu antes da data de prioridade da patente em litígio embora uma prova desta reação tenha sido publicada somente após a data de prioridade da patente em litígio. O Tribunal alemão não tem motivos para duvidar que os valores teriam sido idênticos numa data anterior. Ademais os testes descritos em EP797895, por causa do tempo de armazenamento de seis meses, foram sido iniciados muito tempo antes da data de prioridade da patente em litígio.

No Brasil a patente PI9708108 refere-se a composto utilizado no tratamento de doenças imunológicas e teve patente concedida e encontra-se em litígio na Justiça em ação junto ao TRF2 (2012.51.01.024644-7) movida pela Associação Brasileira das Indústria de Medicamentos Genéricos Pro Genéricos contra a titular da patente a empresa alemã Sonofi Aventis.[2] Ainda que a leflunomida isoladamente seja de domínio público, a titular da patente da combinação leflunomida e teriflunomida espera poder acionar por contrafação as empresas de genéricos que produzem a leflunomida uma vez que invariavelmente a simples conservação deste produto no estoque leva a produção de teriflunomida nos níveis reivindicados na patente e, por conseguinte caracterizando uma situação de contrafação. O metabólito deriva da degradação deste fármaco sob condições ambientes durante o armazenamento, contudo, não foi apresentado no exame da patente concedida nenhum documento público anterior que mostre uma combinação com as mesmas razões entre os componentes formada durante a degradação do medicamento quando de seu armazenamento (ou mesmo preparação). Segundo o TRF2 em decisão de 2017 com base em laudo pericial: “Analisando a literatura disponível, é possível constatar que os dois compostos em discussão neste processo (Leflunomida e Teriflunomida) já eram conhecidos há muito tempo. Além disto, era de conhecimento público que a teriflunomida é produzida quando a leflunomida é metabolizada pelo organismo. A questão que se coloca neste momento é: Com as informações disponíveis na literatura, um técnico no assunto seria capaz, de maneira obvia, de chegar as reivindicações apresentadas na PI9708108-6 ? Para responder esta pergunta, vamos lembrar que no relatório descritivo da patente PI9708108 é apresentado uma descrição de parte da patente EP0217206: “Preparados farmacêuticos contendo um composto 1 ou 2 em uma dose de 10 até 200 mg, de preferência, contendo, 50 até 100 mg, em solução de injeção em forma de ampolas (intravenosamente), especialmente à base do composto 2 ou de um sal do mesmo, 1 até 30mg, de preferência, 5 até 10mg e, no caso da administração retal, 50 até 300 mg, de preferência, 100 até 200 mg, podem ser aplicados. No entanto, a aplicação oral de 5mg/Kg ou 10 mg/Kg do composto 1 ou 2 respectivamente, isoladamente, não mostra qualquer ação significativa”. Ou seja, os testes apresentados na EP0217206 indicam que os compostos isoladamente, nas doses citadas, não teriam ação significativa. Com estas informações, talvez um técnico no assunto pensasse em misturar os compostos 1 e 2, ou seja, Leflunomida e Teriflunomida em uma dada formulação farmacêutica, uma vez que a teriflunomida é metabólito da leflunomida. A questão a ser respondida neste momento é, em qual concentração este técnico no assunto chegaria? As concentrações descritas na composição apresentada na PI9708108-6 seriam obtidas de forma obvia, sem a necessidade de investimento em pesquisa e desenvolvimento? [...] Não acredito que um técnico no assunto, a luz da  documentação do estado da técnica disponível na época do depósito do pedido de patente em questão, chegaria de maneira obvia nas reivindicações apresentadas na patente PI9708108-6, sem a necessidade de investir em pesquisa e desenvolvimento. [...] A leitura do texto da decisão do Tribunal Alemão, apresentada na tradução desta decisão dá a entender que, neste caso, seria permitido considerar como estado da técnica uma informação que foi divulgada posteriormente a data de prioridade de uma dada patente, desde que os testes tenham sido realizados em período anterior. Na Legislação Brasileira isto não pode ser levado em consideração, pois, o Art. 11 da Lei no 9.279/96 descreve: (...) Assim, testes realizados antes da data de prioridade de uma determinada patente não podem ser considerados como estado da técnica, pelo simples fato de que eles não eram acessíveis ao público por uma descrição oral ou escrita”.[3]


[1] http://www.eplawpatentblog.com/eplaw/teriflunomide/
[2] http://www.jusbrasil.com.br/diarios/41432719/trf-2-jud-jfrj-15-10-2012-pg-325
[3] TRF2 AC 2012.51.01.024644-7, Pro Genericos v. Sanofi, Relator: Antonio Ivan Athié, Data Julgamento: 13/07/2017

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