Roger Bacon no século XIII filósofo e autor de diversos
trabalhos em óptica com telescópios afirmava que nenhum cientista deveria
registrar suas descobertas em texto ostensiva mas ao invés disso deveria
recorrer à escrita oculta. Robert Hooke manteve o sigilo de seus trabalhos sobre
as leis de elasticidade por meio de um anagrama; CEIIINOSSSTUU o qual decifrado
significava UT TENSIO SIC VIS (conforme a tensão, tal força)[1].
Galileu usou uma cifra para comunicar a Kepler sua descoberta dos anéis de
Saturno, que decifrada significava: “observei que o planeta mais distante tem
forma tripla” mas que foi incorretamente decifrada como “salve companheiros
gêmeos, filhos de marte” levando a concepção errônea de que Saturno possuía duas
luas.[2]
Huygens também se utilizou no século XVII de anagramas para garantir a prioridade sobre sua descoberta de luas em
Saturno.[3]
Na
Itália do século XVI Niccolò Tartaglia conseguiu resolver o problema de
encontrar as raízes das equações de terceiro grau, porém preferiu manter seu
algoritmo em segredo. Com a insistência de Cardano, Tartaglia escreveu a
solução na forma cifrada de um poema de 25 linhas, o qual o matemático Cardano
foi capaz de decifrar, com o compromisso de manter o segredo de seu autor. Cardano,
contudo, transmitiu o algoritmo a seu secretário um jovem chamado Ludovico Ferrari
que aperfeiçoou o método para obter a solução das equações de quarto grau. Cardano
ficou em situação difícil, se publicasse a descoberta de Ferrari tornaria público
o algoritmo de Tartaglia se comprometera em não revelar. Tendo decorrido seis
anos e sentindo-se liberado da promessa de segredo, ao saber que outro matemático, Scipione del Ferro,
resolvera o problema das equações cúbicas, Cardano pode publicar sua solução na
sua obra a Ars Magna, em 1545 em
Nurembergue[4],
atribuindo a solução das equações cúbicas a Scipione Del ferro, o que deixou
Tartaglia enfurecido. [5] Tartaglia
em sua Quesiti et inventioni diverse
de 1546 acusou Cardano de perjúrio escrevendo em termos ofensivos que contribuíram
para má reputação de Cardano na posteridade[6].
Thomas Merton observa que com a disseminação do artigo
científico em revistas especializadas diminuiu consideravelmente o número de
casos de disputas de autoria de descobertas científicas. Merton cita os números
de 72% no século XVIII, 59% na segunda
metade do século XIX e 33% na primeira metade do século XX.[7]
Uma grande controvérsia em torno da descoberta do cálculo infinitesimal e
integral foi estabelecida no século XVII entre Newton e Leibnitz. Newton
descobriu o cálculo em 1665 porém suas primeiras publicações sobre o assunto
viriam a ocorrer em 1704 como um apêndice do livro Óptica. Em sua grande obra
Principia publicada em 1687 utilizou de argumentos geométricos, uma forma de
manter a obra acessível à matemática da época, garantir a continuidade da
tradição geométrica clássica e dar uma referência objetiva aos procedimentos e
conceitos usados. [8]
A controvérsia levou os britânicos a negligenciar por muito tempo os avanços na
matemática no Continente em prejuízo próprio. [9]
Para membros da Royal Society com Boyle e Hooke, somente o registro de
invenções, observações e descobertas no Gresham College poderia se constituir
uma forma segura para solução de controvérsias. Adrian Johns mostra que este
mecanismo de proteção foi utilizado muito embora tenha contribuído para
internalizar as discussões entre os cientistas, mas não extinguir as
controvérsias de prioridade. [10]
A Convenção de Estocolmo de 1967 que estabeleceu a criação
da OMPI afirma em seu Artigo 1º que a propriedade intelectual deve incluir os
direitos relativos as descobertas científicas. No entanto, tanto a Convenção de
Paris que trata sobre propriedade industrial como a Convenção de Berna excluem
a proteção de descobertas científicas. O Artigo 1º da CUP[11]
embora se refira a indústria em sentido amplo, a princípio veda a proteção para
descobertas científicas sem aplicação industrial. A Convenção de Berna por sua
vez em seu Artigo 2º prevê a proteção de obras científicas apenas enquanto
obras literárias o que exclui a proteção da teoria científica per se.[12] Na
legislação brasileira as descobertas científicas não são protegidas pela
legislação de patentes (Artigo 10 inciso I da LPI) tampouco pela Lei de
Direitos Autorais nº 9610/98 que em seu Artigo 7º § 3º “No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou
artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo
dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial”.
No âmbito da Liga das Nações junto ao Institut International de Coopération Intellectuelle (IICI), foi
apresentada em 1923 pelo senador italiano Francesco Ruffini uma proposta de
legislação internacional que previa o patenteamento de descobertas científicas
como forma de promover o progresso da ciência. [13] Entre
1923 e 1927, foram estabelecidas diversas consultas com governos e
representantes da indústria que deram origem a um relatório final escrito pelo
senador francês Marcel Plaisant.[14] Uma
reunião realizada em 1927 em Paris, organizada pela Academia Real da Espanha e
presidida por Julio Casares, contando com a participação de diversos cientistas
aprovou recomendação que previa a proteção de descobertas científicas por 30
anos contados da data de depósito além de uma remuneração ao autor da
descoberta.[15]
A Conferência diplomática que ratificaria tais decisões, contudo, não foi
estabelecida[16].
Em 1948 a lei espanhola atribuía proteção patentária para descobertas
científicas. No sistema soviético, os pesquisadores recebiam certificados após
o depósito de suas descobertas por Comissão de avaliadores, o que lhes conferia
a possibilidade de uma remuneração e benefícios sociais.[17]
Ugo Murano em texto de 1972 defende a tulela das descobertas
científicas desde que a mesma tenha fundamentado posteriormente alguma
invenção. Com isto caberia ao seu autor alguma vantagem econômica na invenção
que haja dependido diretamente da descoberta, seja através de um prêmio ou
sobretaxa na patente.[18] Segundo Douglas Gabriel Domingues, o Tratado Internacional
de Genebra para Registro de Descobertas Científicas, proposta plea delegação
soviética[19]
em 1978, no artigo 1(1)(i) definia descoberta científica como o
reconhecimento de um fenômeno, propriedades ou leis de um material ou universo
ainda desconhecido e capaz de verificação[20].
Carlos Alberto Bittar observa que este tratado embora aprovando a expedição de
certificados em nome do autor, no que diz respeito as ideias científicas estas
continuam livres[21].
De qualquer forma tal Tratado não logrou sucesso, ademais o seu registro
internacional não produzia qualquer efeito jurídico. O período de registro de
dez anos para o registro era considerado excessivamente amplo impedindo que o
sistema se tornasse fonte de informação útil.[22]
Obra de Tartaglia onde acusa Cardano de perjúrio [23]
[1]
http://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Hooke
[2] KING,
Ross. O domo de Brunelleschi: como um gênio da Renascença reinventou a
arquitetura, Rio de Janeiro:Record, 2013, p.42
[3]
http://carlkop.home.xs4all.nl/huyglens.html
[4] EVES, Howard. Introdução à história da matemática, São
Paulo:Unicamp,2004, p.303
[5] BELLOS, Alex. Alex no país dos números: uma viagem ao mundo maravilhoso
da matemática. São Paulo:Cia das Letras, 2011, p.218
[6] GILLISPIE, Charles. Dicionário de biografias científica, volume 1, Rio
de Janeiro:contraponto, 2007, p.403
[7]
HELLMAN, Hal. Grandes debates da ciência: dez das maiores contendas de todos os
tempos. São Paulo:Unesp, 1999, p.65
[8]
Scientific American Brasil, Gênios da Ciência, v.7. Newton: o pai da física
moderna, 2013, p. 45
[9]
EVES, Howard. Introdução à história da matemática, Campina:Ed. Unicamp, 2004,
p.444
[10] JOHNS,
Adrian. Piracy: the intellectual property wars from Gutenberg to Gates. The
University Chicago Press, 2009, p.70
[11]
http://www.wipo.int/treaties/en/ip/paris/trtdocs_wo020.html#P71_4054
[12]
http://www.wipo.int/treaties/en/ip/berne/trtdocs_wo001.html#P85_10661
[13] RUFFINI,
F. Report on scientific property, Geneva:Kundig, 1923. cf. JOHNS, Adrian.
Piracy: the intellectual property wars from Gutenberg to Gates. The University
Chicago Press, 2009, p.375; MILLER, David Philip. Intellectual property and
narratives of discovery/invention: The League of Nations’s draft convention on
scientific properly and its fate. Science History, xvli, 2008 p.300-341
[14] BEHAR,
Gabriel Galvez. The “French connection”: French Scientists and International
Debates on Scientific Property during the Interwar Period, ISHTIP WORKSHOP 2013
"Cultural Economy and Intellectual Property", Paris : France, 2013
http://www.academia.edu/3813279/The_French_connection_French_Scientists_and_International_Debates_on_Scientific_Property_during_the_Interwar_Period
[15] HAMSOM, C.
J. Patent Rights For Scientific Discoveries, 1930
[16]
VALDERRAMA, Fernando. A history of UNESCO. Paris:UNESCO,
1995, p. 17. Disponível em <http://unesdoc.unesco.org/images/0010/001017/101722E.pdf>
acesso em 23 mar. 2008
[17]
Tratado da Propriedade Intelectual: Patentes. Denis Borges Barbosa. Tomo II,
Rio de Janeiro:Lumen, 2010, p.1117
[18]
Comentários à Lei de Propriedade Industrial, Douglas Gabriel Domingues, Rio de
Janeiro:Ed. Forense,
2009, p.37
[19]
CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado,
presente e futuro. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2009, p.84
[20] "the recognition of phenomena, properties or laws of the material
universe not hitherto recognized and capable of verification" Propriedade
Intelectual de setores emergentes, Marcelo Dias Varella, São Paulo:Atlas, p.63
http://www.wipo.int/edocs/mdocs/tk/en/wipo_indip_rt_98/wipo_indip_rt_98_3_add-annex1.html
[21] Direito de
Autor, Carlos Alberto Bittar, Rio de Janeiro:Forense, 2001,
p. 29
[22]
Tratado da Propriedade Intelectual: Patentes. Denis Borges Barbosa. Tomo II,
Rio de Janeiro:Lumen, 2010, p.1117
[23] http://pt.wikipedia.org/wiki/Tartaglia
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