Um método que
constitua a solução de um problema técnico, que seja implementado por programa
de computador é passível de proteção por patentes, porque entende-se não se
tratar do programa de computador em si (artigo 10 inciso V da LPI), ou seja, a
organização do conjunto de instruções, a sucessão de rotinas e subrotinas, a
sucessão temporal dos comandos, que imprimem ao código fonte a originalidade do programador. Diversas criações
implementadas por programas de computador podem ser implementadas seja por um
programa de computador ou por circuitos de hardware,
sendo a escolha determinada por aspectos econômicos ou práticos, de modo que o
conceito inventivo envolvido se mantém o mesmo nas duas implementações.
Esta analogia forte
entre programa de computador e hardware
foi o principal argumento para que tais criações passassem a ser incluídas como
invenções e, pudessem receber, assim, a proteção por patentes. Considere por
exemplo o caso de um filtro digital implementado por um programa de computador.
Tal filtro possui características de resposta de freqüência capaz de filtrar
sinais digitalizados, com desempenho similar a de um filtro implementado por
resistores, capacitores e bobinas capaz de realizar a filtragem de um sinal
analógico. Se a patenteabilidade de filtros analógicos é aceita no sistema de
patentes[1]
não haveria lógica para a rejeição de sua patenteabilidade de seu equivalente
lógico implementado por programa de computador. Na EPO T208/84 discutiu a
patenteabilidade de filtros digitais de processamento de imagens e conclui que
embora reivindicações do tipo “método
para filtragem digital de dados” seja considerada uma noção abstrata, não
técnica[2], a
forma “método para filtragem digital de
dados processados por computador” já não é visto como abstrato e atende aos
requisitos de patenteabilidade. No INPI as duas formas seriam passíveis de
proteção por patentes.
A analogia entre
hardware e software torna difícil estabelecer um critério objetivo de
enquadramento de um pedido de patente como patente implementada por software.[3] Mark Lemley destaca que uma linha divisória entre o que constitui patente de sofware é sujeita a avaliações subjetivas, por exemplo, o Toyota Prius é um motor híbrido gasolina-elétrico que possui sofisticado controle eletrônico que decide quando alimentar o veículo com motor a gasolina ou bateria, e que inclui software. John Allison e Startling Hunter argumentam que a tentativa de estabelecer uma linha divisória nestes casos seria fútil e contraprodutiva porque hábeis advogados saberiam como reescrever seus pedidos numa forma que contornasse a definição, ou seja, o efeito prático seria apenas o de aumentar o custo de redação de um pedido de patente. [3.1] Uma
invenção pode envolver para sua implementação um programa de computador, mas
este, em si, (artigo V do Artigo 10 da LPI) não é objeto da proteção patentária
da mesma forma que uma invenção pode envolver aspectos estéticos (incido IV do
artigo da LPI) que igualmente são desconsiderados na análise da
patenteabilidade de uma invenção. Pode-se resumir que a diretriz proposta pelo
INPI está centrada fundamentalmente na identificação da solução de um problema
técnico que o pedido de patente se propõe resolver, que não deve se enquadrar
em nenhuma das exceções do Artigo 10 da LPI.
A concessão de
patentes de processos (não químicos) e de produto definido por
meios/dispositivos para realizar funções tem sido admitido pelo INPI a décadas,
como por exemplo, a patente nº 28969 de 26 de abril de 1941 concedida pelo então
DNPI e que tem como reivindicações “1.
Processo para esmerilhar ou polir uma superfície de metal que compreende fazer
girar um feltro ou almofada flexível com a superfície coberta com um tecido com
abrasivo a grande velocidade em trajeto circular sobre a dita superfície [...]
8. Aparelho para esmerilhar ou polir as
superfícies de lâminas de metal compreendendo um dispositivo de funcionamento
contínuo para dar movimento retilíneo de vai-vem a uma lâmina num trajeto
determinado [...] dispositivo de montagem do dito veio portador para permitir
movê-lo em sentido vertical enquanto gira [..] dispositivo para acionar o dito
eixo de transmissão [...]”.
Na área de
telecomunicações esta formulação é bastante comum. Considere a patente nº 28769
de 20 de fevereiro de 1941 cuja reivindicação descreve: “Aparelho telefônico tendo um transmissor de impulsos para preparar uma
ligação telefônica automática o qual é adaptado depois de transmitir um número
pré-determinado de séries de impulsos a operar para tornar o transmissor de
impulsos ineficaz para transmitir uma outra série de impulsos a não ser que uma
moeda seja depositada [...]”. De acordo com a tecnologia da época esta
implementação foi realizada em hardware,
porém, esta mesma reivindicação, hoje possivelmente seria implementada em software.
Na área de mecânica,
sistemas e métodos de controle de um sistema de transmissão de marchas não
automatizados, descritos pelas suas funcionalidades, têm sido concedidos pelo
INPI, e parece não haver muita objeção a tais concessões (PI9202937
sistema/método de controle de reengate para o sistema semi-automático de
transmissão mecânica, PI9300097 método de controle de mudança de seção auxiliar
de transmissão, PI9702497 método para eliminar escapamento de marcha, PI0303671
método para monitorar o comportamento de um pneumático durante a marcha,
PI9700670 método para prover um conjunto de alavanca de mudança e para reduzir
saídas de marcha, etc). Nesse sentido, vetar a patenteabilidade de tais métodos
e sistemas quando automatizados pareceria contraditório. Pelo fato de serem
automatizados tais métodos deixariam de ser vistos como métodos técnicos para
solução de um problema técnico ? Aceitar esta interpretação seria ir na
contramão do progresso tecnológico, ou seja, exatamente no vetor que aponta o
progresso tecnológico o sistema de patentes deixaria de ser usado. Tomando-se
por princípio que o sistema de patentes é um elo importante na cadeia de
inovação dos países desenvolvidos tecnologicamente, e que cada vez mais o software permeia muitas invenções
tecnológicas, esta interpretação restritiva tenderia a tornar o sistema de
patentes à margem das inovações do mundo moderno.
Se métodos
implementados em um hardware são
objeto de patentes então vetar a patenteabilidade aos seus equivalentes lógicos
em software, não seria lógico, pois
ambos, como métodos industriais se prestam a solução do mesmo problema técnico
sendo sua implementação em software
ou hardware uma questão de projeto. A
analogia entre hardware e software está presente nos trabalhos de
pioneiros da ciência da computação como Dijkstra que em “Structured
Programming” de 1972, escreve: “como
programador por profissão, programas são aquilo do que eu trato nesta seção
cujo verdadeiro tema é a confiabilidade dos programas. Que, apesar disso eu
tenha mencionado a expressão “mecanismos” no título é porque eu considero
programas como exemplos específicos de mecanismos, e desejo expressar, ao menos
por uma vez, meu forte desejo de que muitas de minhas considerações relativas a
software são mutatis mutandis, da mesma forma relevantes para o projeto de
hardware”[4]. Greg
Ahronian ao comentar um artigo de Larry Graham que trata do mito das patentes
de software argumenta: “Concordo com ele que isto constitui um mito
e que o software de fato deva ser patenteado ... a luz das teorias de Turing,
Church e Post, das ferramentas de projeto de software e hardware e da doutrina
de equivalentes, se o hardware é patenteado, então o software também deve ser”.[5] Vannevar
Bush pioneiro na construção de um computador no MIT projeto o “Analisador
diferencial” era composto de rodas dentadas e discos de modo a estabelecer uma
analogia física das equações diferenciais.
Um outro exemplo
mostra a analogia software / hardware como questão de projeto. Na
década de 1990 a principal preocupação dos arquitetos de computadores era a
redução dos custos de software. Essa
preocupação foi atenuada principalmente pela substituição de software por hardware simplificando desta forma a tarefa dos projetistas de software ao se criar arquiteturas de hardware mais eficientes e sofisticadas.
Exemplos desta época são as arquiteturas VAX com vários modos de endereçamento,
suporte a vários tipos de dados e uma arquitetura altamente ortogonal. Na
década de 1980 houve um retorno a arquiteturas de hardware mais simples, com o uso de uma tecnologia de compiladores
(software) mais sofisticada e o
desenvolvimento de processadores com conjuntos de instruções reduzidas RISC Reduced instruction set computers. Os
primeiros processadores RISC foram desenvolvidos pela Universidade de Berkeley
(RISC-I) e Stanford (MIPS). [6]
Com o desenvolvimento
da computação o software das
mercadorias finais está cada vez mais incorporado no hardware dos circuitos, o que é particularmente válido nos
microprocessadores e em geral em muitos circuitos VLSI[7],
ou seja, cada vez mais o software
está permeando as inovações tecnológicas de diversas áreas, de modo que deixar
tais áreas fora da proteção patentária seria deixar de aplicar um instrumento
útil de estímulo à inovação e relegar a propriedade industrial a um papel
marginal na atual era do conhecimento. Ademais há uma tendência consolidada de
pelo menos trinta anos nos escritórios de patentes dos Estados Unidos (após o
caso Diamond x Diehr, em 1981) e na
Europa (após o caso VICOM T208/84 em
1986) a se conceder patentes de invenção implementadas por software. Uma das primeiras patentes de invenções implementadas por
programa de computador nos Estados Unidos foi concedida a Erna Hoover e 1971
para um sistema de controle computadorizado que monitorava a frequência das
ligações em uma central telefônica e redistribuía a taxa de completude dos
telefonemas nos horários de pico para evitar sobrecargas. [8]
Segundo Denis Barbosa: “enquanto
um programa de computador em si não é nunca objeto de proteção por patente (por
ser expressão ... ), ele pode incorporar ou expressar ideias e, mais, pode dar
a certas soluções teóricas o caráter de ação prática sobre o universo
circundante, vale dizer, o requisito de utilidade industrial que exigem as Leis
de patentes. São estas as chamadas patentes de software”[9]. A
EPO contudo em T204/93 destaca que a exclusão dos programas de computador em si
do Artigo 52(2) e (3) não se dá por serem considerados sem aplicação industrial
do Artigo 52(1) mas pelo falto de não serem considerados como invenção.
Portanto, na visão da EPO todos os programas dizem respeito à chamada indústria
de software e atendem ao critério de aplicação industrial, muito embora apenas
algumas das criações implementadas por programa de computador possam ser
consideradas como invenções. [10]
T953/94 deixa claro que os conceitos de “técnico”
e “industrial” não podem ser
considerados como sinônimos. Na tradução oficial do Artigo 52(1) o texto em
alemão refere-se a aplicação industrial como gewerblich anwendbar, em que o o termo gewerblich tem a conotação de incluir as atividades ditas
comerciais, ao passo que a palavra industrie
de caráter mais restritiva não foi empregada.
Analogia entre hardware e software em ação: O mesmo número de conversas telefônicas
pode ser estabelecido utilizando-se como meio de transmissão 1 tonelada de fios de cobre ou 50 quilos de fibra ótica
[1]
Margarida Mittelbach, Patentes – Formas de proteção, INPI, cf. Comentários à
Lei de Propriedade Industrial, Douglas Gabriel Domingues, Rio de Janeiro:Ed. Forense,
2009, p.38
[2] Case Law
of the Boards of Appeal of the European Patent Office Sixth Edition July 2010,
p. 13 http://www.epo.org/law-practice/case-law-appeals/case-law.html
[3]
BESSEN, James, A generation of software patents, junho 2011, Boston Univ. School of
Law, Law and Economics Research Paper No. 11-31 http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1868979;
ABRANTES, Antonio; VALDMAN, Catia; Estatísticas de
pedidos de patentes implementados por programa de computador no Brasil e na
EPO: um estudo comparativo, Revista da ABPI, v. 18, p. 29-40, 2009
[3.1] ALLISON, John; HUNTER, Startling. On the feasibility of improving patent quality one technology at a time: the case of business methods, 21, Berkeley Technology Law Journal, p.729-736, 2006; LEMLEY, Mark. Software Patents and the Return of Functional Claiming, 2012, p. 937 http://ssrn.com/abstract=2117302
[3.1] ALLISON, John; HUNTER, Startling. On the feasibility of improving patent quality one technology at a time: the case of business methods, 21, Berkeley Technology Law Journal, p.729-736, 2006; LEMLEY, Mark. Software Patents and the Return of Functional Claiming, 2012, p. 937 http://ssrn.com/abstract=2117302
[4] “Being a programmer by trade, programs are
what I am talking about and the true subject of this section really is the
reliability of programs. That, nevertheless, I have mentioned
"mechanisms" in its title is because I regard programs as specific
instances of mechanisms, and that I wanted to express, at least once, my strong
feeling that many of my considerations concerning software are, mutatis
mutandis, just as relevant for hardware design”
[5] GRAHAM,
Larry. Debunking software patent myths,
IEEE Software, julho/agosto de 2000. A resposta de Greg
Ahronian foi publicada em sua lista PATNEWS de 15 de setembro de 2000
[6]
HENESSY, John; PATTERSON, David. Arquitetura
de computadores: uma abordagem quantitativa, Rio de Janeiro:Campus, 2003,
p. 109, 112.
[7]
Mudança técnica e transformação industrial: a teoria e uma aplicação à
indústria dos semicondutores, Giovanni Dosi, São Paulo:Ed.Unicamp, 2006, p.118
[8]
CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed.
Sextante, 2010, p. 822
[9]
Usucapião de patentes e outros estudos de propriedade industrial, Denis
Barbosa. Rio
de Janeiro:Ed. Lumen Juris, 2006, p.638
[10] Case Law
of the Boards of Appeal of the European Patent Office Sixth Edition July 2010,
p. 223 http://www.epo.org/law-practice/case-law-appeals/case-law.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário