sábado, 5 de dezembro de 2020

Indenizações triplicadas nos Estados Unidos

 

Henrique Malvar, diretor da Microsoft observa que pela legislação norte-americana, nos casos de contrafação de patentes, a parte culpada de infringir a patente da outra parte estará sujeita à triplicação de penalidades financeiras referentes a danos (normalmente as que envolvem os maiores valores), se o autor do processo convencer o júri ou juiz de que a parte acusada tinha conhecimento da patente em questão (willful infringement) conforme o 35 USC 284 § 2 [1]. Eduardo Gaban observa que também a legislação antitruste prevê o pagamento de indenizações triplicadas “treble damages” como reparação de dano por conduta concorrencial [2], o que segundo Herbert Hovencamp tem o efeito de aumentar o número de litígios. [3] Se o titular consegue provar ao juiz que o infrator agiu de má fé, ou seja, infringiu a patente intencionalmente sem nenhuma justificativa o juiz pode aplicar os valores de indenização triplicados e fazer o infrator pagar as custas judiciais do titular da patente. [4] Uma das razões para que o titular marque seus produtos com “patente pending” é o de possibilitar que em caso de litígio possa pleitear treble damages e qe o acusado pague as custas judiciais em caso de infração deliberada willful infringement. [5] A razão desta penalização triplicada seria compensar o fato de que muitas infrações são cometidas ás escondidas, de modo que pune-se pela media dos casos que não foram a julgamento. Numa situação em que por exemplo, apenas um terço dos casos de cartéis são detectados, o risco de penalidades triplicadas desestimularia as empresas da prática ilegal. Por outro lado, se esta média de detecção de cartéis fosse de um quinto dos casos, as empresas talvez imaginassem que valeria o risco. Sean Seymore sugere que a simples leitura de um documento de patentes não é suficiente para acionar a doutrina de willful infringement. Segundo Paul Michel a recomendação de que não se leia documentos de patentes com esse objetivo de escapar a indenizações maiores parece “ridícula”.  A pesquisa feita por Lisa Ouellete demonstrou que os entrevistados não apontam tal preocupação (apenas 3%). [6] John Olin contudo relata o depoimento de empresas que apontam esta preocupação de serem enquadradas numa situação de wilfull infringement e apresenta estudo que mostra que em 32% dos casos de litígio há uma condenação em que as indenizações foram duplicatas ou triplicadas, o que revela tratar-se de uma siatuação concreta.[7] Um relatório do FTC aponta que “o receio de acusações de willfuness trabalha no sentido de minar o objetivo do sistema de patentes de promover a divulgação de tecnologias ao desencorajar terceiros de ler documentos de patentes”. Segundo Mark Lemley “da perspectiva de um potencial infrator a ignorância é uma bênção”.[8]

Para Herbert Hovencamp considerando que a maior parte das ações das empresas são de acordos públicos esta regra de penalização triplicada perde seu sentido. Por causa do risco de penalidades triplicadas, muitas empresas nos EUA optam por não permitir que seus engenheiros e pesquisadores leiam patentes na busca de informações técnicas.[9] Ainda que este desconhecimento implique no risco de se “reinventar a roda” ou no de ter suas próprias patentes negadas (por tratar-se de tecnologia já pertencente do estado da técnica), Henrique Malvar chama a atenção que ainda assim muitas empresas adotam a política de proibição de leitura de patentes. As patentes tornam-se assim, com esta política, documentos que devem ser lidos apenas por advogados.[10] Nos Estados Unidos Global-Tech Appliances, Inc. v. SEB S.A., [11] o conhecimento de um contrafator direto de que está incidindo em contrafação ou sua intenção é irrelevante para caracterização da contrafação”. Estima-se que em apenas 4% dos casos de litígio, os réus foram considerados como conscientes da infração antes da ação (willful infringement).[12] Josh Lerner e Adam Jaffe observam que o fato de muitos casos serem decididos por pessoas não treinadas na técnica objeto de discussão faz com que muitos julgados sejam um “jogo de azar, não um processo decisório ordenado, mas um processo em que o titular da patente tem o status de cassino na qual as fichas estão lançadas em seu favor”. Questões técnicas devem ser esclarecidas pelos peritos indicados pelos juízes antes que a validade da patente seja colocada diante do júri. [13] Philip Grubb também observa que na Inglaterra o chamado “infrator inocente” que alegar desconhecimento da patente poderá ter um cálculo de pagamento de indenização reduzido. Na prática uma grande empresa terá reconhecido seu enquadramento como “infrator inocente”, particularmente para aquelas empresas que possuem seu próprio departamento para gerenciar seu portfólio de patentes. [14] Em decisão do Federal Circuit In Re Seagate Technology de agosto de 2007 a Corte modificou o padrão de aferição de “willful infringement” tornando-o mais rigoroso. Agora o titular da patente deve provar, pelo menos que o acusado agiu com “objective recklessness”, ou seja, que o acusado agiu apesar de existir uma grande probabilidade de que suas ações constituiriam violação de patente.[15]


[1]BURK, Dan L.; LEMLEY, Mark, A. The patent crisis and how the Courts can solve it. The University of Chicago Press, 2009, p.17; GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.201; STENGER, Jean Pierre. La contrefaçon de brevet en droit français et en droit américain. Collection Hermes, Ed. Cujas: Paris, 1965, p.320

[2]GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito antitruste. Saraiva:Rio de Janeiro, 2012,p.280

[3]HOVENKAMP, Herbert. Antitrust enterprise: principle and execution, Cambridge:Harvard University Press, 2005, p.713, 837/4769

[4]PRESSMAN, David. Patent It Yourself, California:Nolo, 2009, p.14, 422

[5]PRESSMAN, David. Patent It Yourself, California:Nolo, 2009, p.337

[6]OUELLETE, Lisa Larrimore. Do patents disclosure useful information ? Harvard Journal of Law & Technology, v.25, n.2, 2012

[7]OLIN, John. The disclosure function of the patente system (or lack thereof), Harvard Law Review, 2005

[8]OLIN, John. The disclosure function of the patente system (or lack thereof), Harvard Law Review, 2005

[9]BURK,LEMLEY.op.cit.p.31; DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.145

[10]MALVAR, Henrique. Aspectos da gerência de propriedade intelectual na Microsoft Research apud NETO, Armintas; PANIGASSI, Rogério. Propriedade Intelectual: o caminho para o desenvolvimento, São Paulo: Microsoft Brasil, 2005, p. 65.

[11] 131 S. Ct. 2060, 2065 n.2 (2011)

[12] BESSEN, James; MEURER, Michael. Patent Failure: How Judges, Bureaucrats, and Lawyers Put Innovators at Risk. Princeton University Press, 2008, p. 1452/3766 (kindle version)

[13] JAFFE, Adam; LERNER, Josh. Innovation and its discontents: how our broken patent system is endangering innovation and progress, and what to do about it. Princeton University Press, 2007, p. 504/5128 (kindle version)

[14] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.181

[15] ANDERSON, Nate. Willful infringement gets harder to prove in patent cases. http: //arstechnica.com/tech-policy/news/2007/08/willful-infringement-gets-harder-to-prove-in-patent-cases.ars.

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