CADE Processo Administrativo Nº 08012.002673/2007-51
Representante: Associação Nacional dos Fabricantes de Autopeças – Anfape
Representadas: Volkswagen, Fiat e Ford
Representante: Associação Nacional dos Fabricantes de Autopeças – Anfape
Representadas: Volkswagen, Fiat e Ford
Diário Oficial da União 16 de junho de 2016
327. Com efeito, o art. 5°, inciso XXIX da Constituição Federal estabelece: “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”. (grifo nosso)
328. Portanto, segundo a Constituição brasileira, um título de propriedade intelectual apenas pode assegurar privilégio temporário se sua imposição não for contrária aos objetivos claramente estabelecidos pela mesma.
331. Portanto, não há como pensar um título de propriedade intelectual apenas sob o aspecto formal, descontextualizando qual será o impacto econômico de sua imposição no âmbito social. No presente caso, o impacto social da imposição do título faz parte do próprio título. Se os desenhos industriais forem aplicados de forma irrestrita aos FIAPs, da forma e na extensão pretendida pelas Representadas, como se verá adiante, ter-se-á um resultado social extremamente negativo por diversos motivos.
341. A propriedade intelectual, sob a perspectiva econômica, tem como objetivo aumentar o progresso técnico para beneficiar a sociedade e beneficiar consumidores que ganham com o lançamento de novos produtos, processos de produção mais eficientes e maior diferenciação de produtos. Desse modo, aos inventores é dada a oportunidade de gozar de exclusividade de venda do seu invento por determinado período. Isso não significa que o inventor será necessariamente um monopolista.
342. Portanto, o domínio público é, a princípio, o pagamento que a sociedade recebe em troca da exclusividade outorgada ao invento em seu título de propriedade intelectual.
357. Ou seja, não se está sendo contra a possibilidade de uma empresa registrar, como título de propriedade, inovações marginais. Pelo contrário, em situações e mercados normais, tal fato, por si só, é inofensivo e até mesmo benéfico. Ocorre que, no âmbito dos desenhos industriais aplicados aos FIAPs, em um mercado que possui inovações marginais conjugadas com um pagamento de domínio público inútil, tais modificações marginais assumem a característica de defesa de monopólios perpétuos sob o desenho industrial no aftermarket.
358. Assim, tem-se que inovações marginais contínuas conjugadas com domínio público inútil acabam por criar uma barreira intransponível de poder de mercado. Tem-se, assim, uma verdadeira estratégia de evergreening, ou seja, modificações marginais contínuas dos registros de desenho industrial com o objetivo e com o escopo específico para proteção indevida de poder de mercado, sem possibilidade de que os donos de automóveis possam se beneficiar, na prática, das benesses do domínio público, em virtude da elevada taxa de depreciação deste tipo de bem e da existência de gaps intergeracionais entre automóveis.
362. Por outro lado, pela lei brasileira, um registro de DI sequer precisa ter seu mérito analisado pelo INPI para ter validade e ser utilizado no Judiciário.
367. O quadro acima demonstra que há grande probabilidade dos registros de desenho industrial depositados no Brasil possuírem baixa qualidade. Mesmo assim, a quantidade de registros que passam pela análise do INPI é mínima – dos quase 200 ou 300 registros da VW.
373. A análise precária do registro pode repercutir sobre direitos legítimos de terceiros. Isso ocorre quando as montadoras ingressam com cautelares contra fabricantes independentes de peças requerendo a busca e apreensão de todas as peças que tenham registro de desenho industrial. Dessa forma, pode ocorrer do juiz conceder a cautelar, inaudita altera parte, e posteriormente, com a devida analise de mérito do INPI, ser descoberto que determinada peça não cumpre os requisitos de originalidade e novidade. A consequência disso é o possível tolhimento de direito legítimo de terceiro para a produção e comercialização de peças que não atendam aos requisitos de novidade e originalidade e, portanto, não sejam passíveis de proteção por meio de desenho industrial.
446. A mera obtenção do registro de desenho industrial pelas Representadas, ainda que obtido sem fraude e dentro do procedimento estabelecido pela Lei de Propriedade Industrial, mesmo com o aval do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), não afasta a possibilidade de que esse direito seja exercido de modo abusivo e, portanto, ilícito.
566. Acentua-se que a mera vigência dos registros de desenho industrial em questão, exercidos diante de outras montadoras no mercado primário de venda de veículos, parece ser suficiente para garantir a recuperação dos custos de P&D e conferir margens de lucro às montadoras, não sendo esse, especificamente, um argumento que sirva para justificar a imposição dos registros também diante dos FIAPs, no mercado secundário de reposição -aftermarket.
600. Não é objeto do presente caso questionar a validade da obtenção do registro dos desenhos industriais junto ao INPI. Ao contrário, por ausência de evidências em contrário, a presente análise presumiu que a obtenção dos registros ocorreu conforme os procedimentos específicos previstos na Lei de Propriedade Industrial, como atestou o INPI (essa competência do INPI será abordada na próxima seção), de forma regular. Mais até do que isso, ante à ausência de evidências ou argumentos em sentido contrário, a presente análise presumiu a legítima detenção do
direito de propriedade industrial das Representadas, e o seu legítimo exercício diante de outras montadoras no mercado fim desse direito – o de venda de veículos. Em suma, não está se questionando a validade do registro, a detenção do direito, nem tampouco se aventando a sua nulidade ou expropriação.
O que o presente processo aventa, sim, é que, a partir do momento em que esse direito legítimo e validamente obtido passa a ser exercido diante dos FIAPs, sendo imposto no mercado de reposição, ele, por tudo quanto aqui exposto, passa a extrapolar os fins sócio-econômicos pré-estabelecidos pela
própria norma que o institui e, por isso, passa a ser exercido abusiva e, portanto, ilicitamente.
direito de propriedade industrial das Representadas, e o seu legítimo exercício diante de outras montadoras no mercado fim desse direito – o de venda de veículos. Em suma, não está se questionando a validade do registro, a detenção do direito, nem tampouco se aventando a sua nulidade ou expropriação.
O que o presente processo aventa, sim, é que, a partir do momento em que esse direito legítimo e validamente obtido passa a ser exercido diante dos FIAPs, sendo imposto no mercado de reposição, ele, por tudo quanto aqui exposto, passa a extrapolar os fins sócio-econômicos pré-estabelecidos pela
própria norma que o institui e, por isso, passa a ser exercido abusiva e, portanto, ilicitamente.
603. Sabe-se que o fim precípuo da Lei de Propriedade Industrial é incentivar à inovação e, consequentemente, o desenvolvimento socioeconômico do País. Entretanto, no caso concreto, diferentemente do alegado pelas Representadas, demonstrou-se nesta Nota Técnica que, de forma alguma, afastar a imposição dos desenhos industriais das montadoras face aos FIAPs prejudicaria esse incentivo, haja vista que as montadoras continuariam exercendo tal direito de forma legítima no foremarket, perdurando, portanto, o estímulo legal à inovação.
607. Observa-se que a providência necessária para eliminar os efeitos nocivos à ordem econômica é, além de aplicar eventual multa cabível, determinar às montadoras Representadas a não imposição dos desenhos industriais em questão em face dos fabricantes independentes de autopeças (FIAPs), nos termos dos artigos 37 e 38, inciso VII, da Lei n° 12.529/11, eliminando, assim, os efeitos nocivos à ordem econômica derivados da conduta anticompetitiva por elas perpetrada.
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