segunda-feira, 29 de abril de 2019

Doutrina da preempção nos Estados Unidos


Katherine Strandburg[1] mostra que a doutrina de preempção quando aplicada para definir os limites da matéria considerada patenteável, na grande maioria dos casos leva a confusão e incoerência. A Suprema Corte no início do século XIX definiu tais limites pela exclusão de ideias abstratas e fenômenos naturais. Alguns analistas tem sugerido o completo abandono desta doutrina de modo a restringir a análise aos critérios de novidade (novelty), obviedade (nonobviousness), clareza (claim defineteness), suficiência descritiva (enablement e written description). Para Rebecca Eisenberg “a doutrina da matéria patenteável (patentable subject matter doctrine) sofre de falta de clareza não somente quanto quais regras devem ser aplicadas mas quanto o que estas regras devem realizar”. O conceito de preempção foi empregado pela primeira vez pela Suprema Corte em Gottschalk v. Benson de 1972 e tem sido usado recorrentemente em decisões posteriores. Em Le Roy v. Tatham no século XIX a Suprema Corte define que “um princípio, em abstrato, é uma verdade fundamental, uma causa original, um motivo, não podem ser patenteados, ninguém pode reivindicar em nenhum deles um direito exclusivo. Tampouco um direito exclusivo deve existir para uma nova forma de energia descoberta em adição ás já existentes. Ainda que máquinas a vapor baseadas nesta nova forma de energia possam ser criadas. Ninguém pode se apropriar da  forma de energia pelas leis de patentes. O mesmo pode ser dito sobre a eletricidade ou qualquer outra forma de energia da natureza, as quais são igualmente abertas a todos, e que podem ser aplicada para novos usos pelas uso de máquinas [...] Uma patente não pode ser concedida para um efeito ou o resultado de um dado processo, pois isto proibiria todas as demais pessoas de alcançar o mesmo resultado por outro meio qualquer. Agindo dessa forma isso significaria desencorajar as artes e manufaturas, o que seria contrário a política anunciada de patentes ”. Kevin Collins identifica como razões para o enquadramento como ideia abstrata: 1) seu escopo engloba um número muito amplo de implementações, como a reivindicação de Morse em o’Reilly v. Morse que pleiteava o uso de corrente elétrica para transmissão de sinais 2) o uso de suas implementações é necessário para um amplo conjunto de inovações, em Gottschalk v. Benson a Suprema Corte considerou que um método para conversão de BCD em decimal era um método fundamental para a então indústria nascente de computadores (enquanto em Morse havia um potencial significativo de implementações, em Benson havia um significativo potencial usos), 3) a reivindicação pode estar direcionada a um processo mental, 4) a implementação reivindicada pode se insuficientemente tangível, tal como fenômenos naturais, por exemplo.

A Suprema Corte tem reiterado que fenômenos naturais e ideias abstratas não são patenteados independente de seu impacto em inovações subsequentes (downstream impact) de desta forma Diamond v. Chakrabarty e Diehr tem citado que a celebrada equação de Einstein E=mc2 ou a lei de gravitação de Newton não são patenteáveis. É contudo difícil concordar que uma combinação de bactérias para inoculação em sementes considerada não patenteável como em Funk Bros. v. Kalo tenha implicações subsequentes (downstream implications) mais amplas do que uma bactéria geneticamente modificada consumidora de óleo  determinada patenteável em Diamond v. Chakrabarty. Katherine Strandburg sugere que há uma contradição entre estas duas decisões, pois nos dois casos as aplicações subsequentes parecem similares. Mayo v. Prometheus reafirmou a abordagem de rejeição de ideias abstrata per se e explicitamente rejeitou o argumento de que somente um fenômeno natural com amplo impacto em inovações posteriores (downstream impact) devesse ser rejeitado. A patente em Mayo trata de uso de limiares de nível de metabólito correlacionados com a toxicidade e eficácia de um medicamento e reconhece que tal lei da natureza que estabelece tal correlação possui aplicações restritas, porém, ainda assim foi considerada não patenteável por ser uma lei da natureza negando-se a estabelecer uma diferenciação entre leis da natureza baseada na sua significação na inovação em outros campos no futuro. A Suprema Corte tem portanto seguido duas abordagens, a primeira que leva em conta a preempção da matéria reivindicada e o impacto subsequente da tecnologia patenteada (Gottschalk v. Benson) e uma segunda abordagem que rejeita ideias abstratas per se explicitamente rejeitando a regra de preempção (Mayo): “a titular incorretamente assume que se uma aplicação de processo implementa um dado princípio de forma específica então, automaticamente, ela se torna matéria patenteável” (Parker v. Flook) ou seja, não basta aplicar uma ideia abstrata em uma modo prático específico: “a noção de quem que atividade pós solução qualquer, não importa o quanto convencional ou óbvia seja, poderia transformar uma ideias abstrata em matéria patenteável seria privilegiar a forma sobre a substância. Um redator competente poderia então acrescentar uma atividade pós solução a qualquer fórmula matemática, o teorema de Pitágoras não seria patenteável, ou parcialmente patenteável, porque um pedido de patente inclua uma etapa final indicando a fórmula numa aplicação específica”. Flook e Diehr concordam essencialmente que a novidade de qualquer dos elementos de um produto ou etapa de um processo não tem qualquer relevância para se saber se uma reivindicação se enquadra como matéria patenteável dentro das categorias listadas na seção 101. Em Diehr a Suprema Corte conclui: “o processo reconhecidamente emprega uma equação matemática conhecida em um processo de cura de borracha sintética, porém não procura preencher a proteção para todo e qualquer (pre-empt) uso desta equação. Ao invés disso, ela procurar apenas excluir terceiros do uso da equação em conjunto com todas as demais etapas do método reivindicado o que inclui colocar uma borracha no forno, fechar o molde, constantemente determinar a temperatura do molde, recalcular o tempo de cura através do uso da equação e um computador e automaticamente abrir a porta do forno no momento correto”.  A Suprema Corte parece mais preocupada em como enquadrar uma matéria como fenômeno natura ou ideia abstrata per se do que propriamente utilizar a rubrica de preempção.



[1] Strandburg, Katherine J., Much Ado About Preemption (2012). Houston Law Review, Vol. 50, 563, 2012; NYU Law and Economics Research Paper No. 12-46 ; NYU School of Law, Public Law Research Paper No. 13-66. Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=2196844

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