Atualmente há um debate jurídico nos Estados Unidos sobre como o sistema de patentes deve lidar com invenções que usam inteligência artificial (IA) — especialmente quando as patentes descrevem apenas o que se quer alcançar com IA, sem explicar como isso é feito tecnicamente. O USPTO vem adotando uma política chamada “compromisso com a elegibilidade ampla” (commitment to expansive eligibility). Isso significa que ele quer ampliar o que pode ser patenteado, tornando mais fácil registrar certas inovações, inclusive envolvendo IA. Ao mesmo tempo, o Congresso norte-americano discute um projeto de lei — o Patent Eligibility Restoration Act (PERA) — que limitaria o poder dos tribunais de invalidar patentes com base no artigo 101 da Lei de Patentes (que trata do que é elegível para patente). Essa mudança poderia abrir espaço para patentes muito amplas que dizem apenas algo como: “Realize tal tarefa com inteligência artificial”, sem realmente ensinar uma nova tecnologia para isso.
O caso Brita LP v. ITC 2025 (https://www.cafc.uscourts.gov/opinions-orders/24-1098.OPINION.10-15-2025_2587963.pdf) (julgado pelo Federal Circuit, corte que decide casos de patentes nos EUA) para mostrar como os tribunais podem controlar esse tipo de abuso usando outro artigo da lei: o § 112, que trata da descrição escrita e habilitação (written description and enablement). No caso Brita: A empresa havia pedido uma patente sobre filtros de água por gravidade com certas propriedades funcionais (ou seja, definidos pelo resultado desejado). Mas a patente só descrevia um tipo específico de tecnologia que funcionava, não todas as variações que ela queria proteger. O tribunal manteve a invalidade da patente, dizendo que o texto não demonstrava “posse” de todas as versões reivindicadas.
O Tribunal Federal de Apelações dos Estados Unidos (Federal Circuit), no caso Brita LP v. ITC (15 de outubro de 2025), confirmou a invalidade da patente norte-americana nº 8.167.141, de titularidade da Brita LP, por falta de descrição escrita adequada (§112) e falta de habilitação (enablement).
35 U.S.C. § 112(a) – Specification: O pedido de patente deve conter uma descrição escrita da invenção e do modo e processo de fazê-la e utilizá-la, em termos completos, claros, concisos e exatos, de modo a permitir que qualquer pessoa habilitada na arte a que a invenção pertence possa fazê-la e utilizá-la.
O artigo § 112(a) impõe dois requisitos distintos, embora relacionados: Written Description (descrição escrita): o inventor deve demonstrar que possuía a invenção no momento do depósito (mostrar “posse” do conteúdo reivindicado). Enablement (habilitação): o inventor deve ensinar de forma suficiente para que um técnico na área possa reproduzir e usar a invenção sem experimentação indevida (without undue experimentation).
O tribunal entendeu que a patente reivindicava filtros de água por gravidade com diferentes tipos de mídias filtrantes (carbono ativado, misturas, membranas etc.), mas só descrevia de forma suficiente os filtros de bloco de carbono. A patente afirmava cobrir qualquer filtro que alcançasse um certo desempenho (“FRAP factor ≤ 350”), mas apenas os filtros de bloco de carbono foram testados e demonstraram atingir esse resultado. Assim, o inventor não demonstrou “posse” da invenção completa no momento do depósito — apenas de uma parte dela (carbon block). O tribunal destacou que “não basta mencionar um resultado desejado”; a descrição deve mostrar detalhes técnicos suficientes que comprovem domínio sobre toda a gama de soluções reivindicadas. Segundo o Tribunal: "Citar genericamente outros tipos de filtros (mistos, membranas etc.) sem mostrar exemplos funcionais ou características estruturais comuns não satisfaz o requisito legal. Para reivindicações amplas e funcionais (“genus claims”), é necessário descrever um número representativo de espécies (exemplos) ou características estruturais comuns que permitam reconhecer o conjunto da invenção".
A patente também foi considerada não habilitante porque não ensinava ao técnico da área como reproduzir a invenção completa sem esforço excessivo (undue experimentation). O tribunal confirmou que somente filtros de bloco de carbono funcionavam conforme reivindicado, e que não havia orientação suficiente para que se pudesse fabricar filtros de outros tipos que atingissem o desempenho FRAP exigido. O texto da patente, inclusive, desencorajava o uso de outros meios filtrantes, dizendo que eles eram ineficientes ou apresentavam desvantagens. A criação de filtros equivalentes exigiria “nova tecnologia”, o que foge ao que a patente efetivamente ensinava. A patente deve permitir que um técnico na área “faça e use” a invenção sem experimentação indevida; não se pode transferir ao público o ônus de descobrir como fazê-la funcionar. Como a patente não cumpria os requisitos de descrição escrita e habilitação, o tribunal manteve a decisão da Comissão de Comércio Internacional (ITC) que considerou os pedidos inválidos.
O caso Brita v. ITC reforça três lições centrais: Reivindicações funcionais amplas exigem base técnica proporcional — é preciso demonstrar posse real da invenção em toda a sua extensão. A mera enunciação de um resultado (“atingir desempenho X”) não é suficiente para obter uma patente. A patente deve revelar tecnologia, não apenas aspiração. O “barganha” do sistema de patentes (exclusividade em troca de divulgação pública) exige um ensino técnico completo. Resultados funcionais não bastam. Um inventor não pode simplesmente dizer o que quer alcançar — precisa mostrar como alcançar. “Não é suficiente apenas mencionar um resultado desejado.” Patentes amplas exigem base técnica proporcional. Se a patente cobre uma categoria grande (genus), ela precisa descrever: várias formas representativas (species) que funcionam, ou características estruturais comuns que permitam a outros entender como realizar a invenção. Brita falhou nisso — descreveu só uma. A “barganha” da patente deve ser respeitada. O inventor só ganha o direito de exclusividade se ensinar algo novo à sociedade. O tribunal disse que não se pode preencher lacunas com o conhecimento do técnico da área; o texto da patente deve conter o ensino completo. “Um simples desejo ou plano não é suficiente.”
A decisão tem forte impacto para patentes que envolvem IA. O risco é que empresas passem a tentar patentear: “Método para otimizar X usando inteligência artificial” sem revelar nenhum detalhe técnico (tipo de rede neural, parâmetros, arquitetura, dados, etc.). O tribunal, seguindo o raciocínio de Brita, diria que: Apenas dizer “faça com IA” é um “mero desejo”, E não prova que o inventor possuía uma tecnologia funcional no momento do depósito. Assim, o artigo 112 serve como um freio para impedir patentes que reivindicam resultados genéricos com IA sem uma descrição técnica real. O caso Brita mostra que o requisito de descrição escrita (§ 112) não é mera formalidade. Ele: obriga os inventores a revelar verdadeiros avanços tecnológicos, impede patentes sobre ideias vagas ou aspiracionais, e protege o domínio público, garantindo que ninguém monopolize resultados genéricos sem ter ensinado como atingi-los.
Mesmo que o Congresso torne mais fácil patentear certas invenções (via PERA), os tribunais ainda podem usar o §112 para exigir substância técnica real. Isso é especialmente importante em IA, onde há risco de surgirem patentes dizendo apenas “faça isso com inteligência artificial”. O sistema de patentes deve recompensar tecnologia demonstrada, não promessas abstratas. O caso Brita v. ITC reforça que patentes em IA precisam mostrar posse concreta da inovação, e não apenas um desejo de alcançar resultados com “algum tipo de IA”.
Fonte: www.lexology.com
Can Section 112’s written description requirement police functional AI patent claims if Section 101 broadens? Blog View Points Reed Smith LLP USA October 24 2025
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