segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Uma repartição central para o exame de patentes


Tendo em vista a reforma da legislação de patentes de 1882 o Ministro da Agricultura Rodolfo Miranda incumbiu o então diretor geral da Indústria e Comércio a realizar um estudo sobre o tema. Tendo visitado as repartições de Portugal, França, Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Suíça e Itália apresentou em 1912 relatório em que recomendava o estabelecimento de uma repartição da propriedade industrial. A CUP, por sua vez, não obrigava aos países membros a criação de uma repartição especial para esse serviço, nem a unificá-lo, podendo permanecer tal tarefa a cargo de uma seção de algum Ministério [1]. Gama Cerqueira observa que era uma questão de ordem interna para cada país Membro a forma de organizar este serviço especial e o depósito central de patentes e marcas. Segundo o Artigo 12 da CUP em sua versão de 1883 “Cada uma das partes contratantes se obriga a estabelecer um serviço especial da propriedade industrial e um deposito central para a comunicação ao publico dos privilégios de invenção dos desenhos ou modelos industriais e das marcas de fabrica e de comércio”. Bodenhausen parece mais enfático na questão da unificação dos serviços administrativos relativos a marcas e patentes: “o Convênio obriga a cada Estado membro a estabelecer essa administração em uma oficina central” [2].
Um parecer da Sociedade de Auxílio a Industria Nacional SAIN nas discussões para reforma da lei de patentes de 1830 questionava a necessidade de um exame técnico: "Será possível fazer um tal exame de maneira a assegurar que não há outro proprietário da invenção ? O governo ou seus prepostos, por mais ilustrados que sejam, poderão, quando muito assegurar que a invenção ou descoberta não se acha impressa nem descrita tal como se apresenta atualmente; que nunca ouviram falar do objeto de que se tratam nem o viram; não sendo impossível que mesmo os mais esclarecidos e zelosos escape um ou outro livro ou jornal, um ou outro fato industrial, por não entrarem na ordem de seus conhecimentos especiais. Porém, por mais completo e seguro que fosse o juízo formado sobre tais elementos, nem assim teríamos a prova de que não há outro inventor, principalmente na época em que vivemos, quando as invenções ou aperfeiçoamentos se sucedem, por assim dizer, diariamente, podendo o uso de algumas ser circunscrito em círculo ainda bastante limitado; podendo outras não terem aplicação bastante ampla para serem pronta e geralmente vulgarizadas". Para Frederico Burlamaqui o procedimento de exame era desnecessário e arbitrário, “uma intervenção indevida do Estado sobre uma matéria de foro privado, além de tecnicamente imperfeito, posto que de difícil execução”.[3] Com a nova lei aprovada em 1882, o exame de patente continuou e a SAIN que antes era encarregada do exame foi excluída desta tarefa sendo entregue a outros órgãos do governo, como a Junta Central de Higiene Pública, a Escola Politécnica e academias militares. [4]
O sistema brasileiro de livre concessão não satisfazia a realidade nacional conforme exposição de motivos do Decreto n.16264 de 19 de dezembro de 1923 que criou a Diretoria Geral da Propriedade Industrial, reorganizando os serviços de marcas e patentes: “a experiência tem mostrado que não convém, de modo algum, o regime de livre concessão da patente. Em um país como o nosso, em que, dia a dia, se multiplicam as aplicações dos seus mais variados produtos, semelhante regime constitui uma ameaça permanente à liberdade de comércio e indústria. Quando Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, já me havia externado em prol do exame prévio, único meio de evitar que sejam concedidas patentes de invenção que, em vez de estimularem, tolhem o desenvolvimento industrial do país” [5]. Dúvidas foram levantadas quanto a constitucionalidade deste Decreto o que levou o governo a encaminhar no ano seguinte nova proposta, através da Lei nº 4932 de 10 de junho de 1925. Entre as dúvidas levantadas estavam as dificuldades da centralização dos serviços em um país de dimensões continentais como o Brasil [6]. Foram encarregados da concessão de patentes, no período de 1830 a 1910, os ministérios do Império (até 1860), da Agricultura, Comércio e Obras Públicas (até 1891), da Indústria, Viação e Obras Públicas (até 1906) e, por fim, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
Até dezembro de 1923, o Brasil adotava o sistema de livre concessão, à maneira do regime francês, até que o Decreto nº 16.264 de 19 de dezembro de 1924 criou a Diretoria Geral da Propriedade Industrial, vinculada ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, implantando-se, assim, o sistema de exame prévio. O jornal “O Paiz” de 17 de julho de 1918 denunciava os abusos do sistema de livre concessão “o abuso de patentes chega a tal ponto que se pode requerer e obter na Praia Vermelha patentes de invenção para um novo método de beber água no copo levando a boca com a mão direita” [7]. Descartes Drummond de Magalhães escrevendo em 1923 comenta as consequências do sistema de livre concessão: “Constitui meio de vida de indivíduos desonestos, sem exame prévio que assegura a novidade do invento, tornam-se muito freqüentes as questões de anulações de patentes de invenção, tendo sido adotado o exame prévio para as marcas de indústria e comércio, não há motivo, para com muito mais importância estabelecê-lo para as patentes de invenção e finalmente o exame prévio traz grandes vantagens, sem oferecer o menor inconveniente, pois que o grande público recebe o produto devidamente examinado, pelos técnicos da repartição competente com muito mais confiança e os produtos tornar-se-iam mais acreditados”.[8]
Machado de Assis, que foi funcionário da Secretaria de Estado da Indústria, Viação e Obras Públicas, instituição que concedia patentes, escreveu no romance Esaú e Jacó, em 1904, uma crítica ao período de grande especulação financeira que marcou o final do século XIX, numa política conhecida como encilhamento, uma tentativa de expandir o crédito para criação de novas empresas marcada por uma avalanche de negócios fictícios: “Quem não viu aquilo não viu nada. Cascatas de ideias, de invenções, de concessões, rolavam todos os dias, sonoras e vistosas para se fazerem contos de réis, centenas de contos, milhares, milhares de milhares, milhares de milhares de milhares de contos de réis”. No mesmo ano Luiz Gama em seu livro Primeiras trovas burlescas publica o Soneto a um fabricante de pílulas: “Diz Dom Sancho careca, o carraspanas / Antigo charlatão pelotiqueiro / Por força da natura cozinheiro / Atual compositor de trabuzanas [...] E sendo o suplicante sabichão / Inventor do sistema de rapina / Reclama uma patente de invenção”.[9]


[1] CERQUEIRA, Gama. Tratado da Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. v.I, p. 18-19.
[2] BODENHAUSEN. Guia para La aplicacion Del Convenio de Paris para La proteccion de La propriedad Industrial, revisado em Estocolmo em 1967. Genebra: BIRPI, 1969. p. 168.
[3] MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 203
[4] MALAVOTA, Leandro. A construção do Sistema de patentes no Brasil, Rio de Janeiro:Lumen,2011, p. 206, 255
[5] DOMINGUES, Douglas Gabriel. Direito Industrial – patentes. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 118.
[6] CERQUEIRA. op. cit. p. 21.
[7] COUTO, João Gonçalves do. Patentes de Invenção. Rio de Janeiro, 1923, p. 75.
[8] MAGALHÃES, Descartes Drummond. Marcas de Indústria e de Comércio e Privilégios de Invenção. São Paulo:Ed. Livraria Zenith, 1923, p.154. cf. SOARES, Tinoco. Tratado da Propriedade Industrial: patentes e seus sucedâneos. São Paulo; Ed. Jurídica Brasileira, 1998, p.393
[9] COSTA, Cruz. Contribuição à história das ideias no Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1967, p. 331; Primeiras trovas burlescas de Luiz Gama, Bentley Junir São Paulo, 1904, p.40 http://www.brasiliana.usp.br/bbd/bitstream/handle/1918/00893600/008936_COMPLETO.pdf

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