terça-feira, 28 de outubro de 2014

Patentes de software na França

Chavanne e Burst mostram que a razão de excluir de patenteabilidade os programas de computador não está na ausência de resultado industrial , mas pelo fato de terem como objeto algo que não é considerado industrial. Sob a legislação de 1968 a invenção deve ter um caráter industrial, em seu objeto, aplicação e seu resultado. A Corte de Cassação[1] em decisão de 1973 se mostrou bastante severa recusando a patenteabilidade de programas de computador. Poderia-se pensar então que uma invenção que descreva um processo implementado por programa de computador poderia ser patenteado, no entanto, não foi este o entendimento da Suprema Corte. A patente em análise tratava de um processo para escolha de pigmentos, que permite ao usuário personalizar suas cores ao determinar a concentração relativa de cada cor a ser misturada de modo a obter o resultado final desejado pelo usuário. Esta combinação de cores segue uma equação resolvida pro programa de computador. A Corte de Cassação entendeu que estava sendo reivindicado apenas o programa de computador e, portanto, negou a patente.
Em 1978 a legislação deixou de aplicar o conceito de caráter industrial adotado o conceito de aplicação industrial, considerado menos rígido. A Corte de Apelações de Paris no caso Schlumberger de 1981 entendeu que a avaliação sísmica de um terreno para avaliação de depósitos de petróleo cujos procedimentos incluem etapas realizadas por programas de computador possui caráter industrial sejam quanto a seu objeto (indústria petrolífera), sua aplicação (sucessão de etapas concretas, materialmente executadas) ou resultado (representação física do terreno): “um processo não pode ser privado de patenteabilidade, pelo único fato de que uma ou mais de suas etapas sejam realizadas por um computador que comanda um programa. Tal solução conduziria, de fato, a excluir do domínio das patentes a maior parte das invenções importantes recentes que necessitam da intervenção de um programa de computador à tal solução para conduzir aos resultados práticos alcançados”.[2] Em 15 de julho de 1986 a Corte de Recursos da EPO decidiu o caso Vicom T208/86 favoravelmente a patenteabilidade para um método de processamento digital de imagens de satélite. Um nota de serviço do Diretor Geral do INPI de 7 de agosto de 1987, em harmonização com a jurisprudência, considera que um pedido de patente pode descrever uma invenção com um programa de computador para sua implementação.
Chavanne e Burst concluem que “um processo colocado em execução através de um programa de computador é patenteável na condição que, naturalmente, o pedido de patente reivindique o processo e não o programa de computador [...] Outras decisões da Câmara de Recursos da EPO (T22/86 de 21 de maio de 1987, T115/89 de 5 de setembro de 1988) tem admitido a possibilidade de se proteger por patentes o programa de computador sob a condição que os sistemas e processos que os comandam tenham um caráter técnico (caractere technique)”. [3]



[1] Paris 22 maio 1973, PIBD, 1973.III.197, Ann. 1973.275 cf. CHAVANNE, Albert; BURST, Jean-Jacques; Droit de la Propriété Industrielle, Précis Dalloz:Paris,1998, p.59, 382
[2] CA Paris 15 junho 1981 PIBD 1981.III.175 cf. POLLAUD-DULIAN, Frédéric , Propriété intellectuelle. La propriété industrielle, Economica:Paris, 2011, p.125; BERTRAND, André. La propriété intellectuelle, Livre II, Marques et Breves  Dessins et Modèles, Delmas:Paris, 1995, p.100; CHAVANNE, Albert; BURST, Jean-Jacques; Droit de la Propriété Industrielle, Précis Dalloz:Paris,1998, p.383
[3] CHAVANNE, Albert; BURST, Jean-Jacques; Droit de la Propriété Industrielle, Précis Dalloz:Paris,1998, p.384

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Os moto contínuos: a saga continua

A reivindicação relativa a moto contínuo descreve um objeto que viola flagrantemente as leis conhecidas da física e, portanto, a matéria não possui clareza e aplicação industrial[1], não havendo como se estabelecer comparações com o estado da técnica. As Diretrizes de Exame do PCT por outro lado, recomendam que nestes casos, salvo se a reivindicação não possuir clareza suficiente, o examinador ainda assim, deve buscar anterioridades[2].
A Diretriz da EPO ao tratar da exclusão de motos contínuos observa que se a característica reivindicada é sua funcionalidade esta será rejeitada por insuficiência descritiva (Artigo 83 da EPC) e por falta de aplicação industrial (Artigo 57 da EPC), por contrariar as leis da natureza[3]. Por outro lado se o moto contínuo é reivindicado como um aparelho particular de construção especificada, neste caso a condição de aplicação industrial está atendida, contudo o pedido é rejeitado apenas por falta de clareza e suficiência descritiva (Artigo 83 da EPC).[4] Philip Grubb observa que tanto na Inglaterra (GB1372764) como Estados Unidos (US4151431) máquinas de movimento perpétuo tem sido concedidos ainda que de forma disfarçada sem uma uma referência direta ao termo moto contínuo ou ao consumo de energia ser superior à entrada.[5] Segundo o manual de exame do USPTO uma rejeição com base em falta de utilidade inclui casos de inoperabilidade tais como os moto contínuos.[6] Chistopher Wadlow observa que na EPO embora a inoperatividade de um moto contínuo possa justificar o indeferimento por falta de aplicação industrial, as razões de indeferimento tendem a se valer igualmente do argumento de insuficiência descritiva.[7] Para Christopher Wadlow as invenções de uso privado embora sejam úteis, também parecem não atender ao critério de aplicação industrial, muito embora o uso provado seja listado como uma das condições excluídas da caracterização de contrafação na maioria das legislações. 74/93
Nos Estados Unidos em Process Control Corp.v. Hydreclaim Corp.[8] a Corte entendeu que o pedido possuía suficiência descritiva, porém a reivindicação tal como descrita contrariava as leis de conservação de massa e portanto o dispositivo proposto não funcionaria como afirmado no pedido. A reivindicação foi rejeitada por falta de utilidade, uma vez que o dispositivo proposto não funcionava, era inoperante. Nenhum objeção foi levantada quanto à suficiência descritiva (lack of disclosure). Joseph Root contudo destaca que os critério de utilidade (35 USC § 101) e suficiência descritiva – enablement (35 USC §112) estão inter-relacionados e portanto em muitas decisões são utilizados os dois critérios para invalidar a mesma reivindicação, por exemplo em In re Fisher[9]. Nas decisões mais antigas as Cortes tendiam a utilizar apenas um destes critérios.
Na Inglaterra em Peter Crowley v. United Kingdom Intellectual Property Office [10] analisou um pedido de patente indeferido pelo IPO que tratava de uma máquina que segundo o depositante produzia um excesso de energia que era utilizado para operar a própria máquina. O escritório de patentes indeferiu o pedido por contrariar a primeira lei da termodinâmica e portanto incapaz de aplicação industrial conforme as seções 191) e 4(1) do Patent Act de 1977. O depositante alegou que o excesso de energia viria da atuação da força gravitacional agindo sobre o sistema de esteiras e  polias montado, razões que foram consideradas improcedentes pela Corte. Christine MacLeod aponta diversas patentes concedidas no século XVIII na Inglaterra para moto contínuos o que desencadeou um desenvolvimento da tecnologia de motores.[11] Jeremy Philips diante da evidência de reiterados pedidos de patentes que insistem em solicitar patentes para moto contínuos sugere a criação de um tipo especial de patente em que a concessão se faria sem exame, satisfazendo ao interesse de tais depositantes. Segundo Jeremy Philips não haveria qualquer ônus à sociedade diante da inoperância de tais mecanismos.[12]
Sob o Alvará de 1809 Leandro Malavota aponta um depósito de patente referente a um motor para dar movimento a qualquer máquina sem o uso de qualquer combustível. O examinador do pedido, o então Inspetor de Fábricas, José Caetano Gomes mesmo reconhecendo a inexequibilidade do invento argumentou que negar a patente seria um ato de desestímulo ao inventor: “um freio a liberdade de pensar” e recomendou sua aprovação uma vez que nenhum sua concessão não ofereceria nenhum prejuízo ao público. [13] Comentando a legislação de 1882 Carvalho de Mendonça observa que não basta a invenção ser industrial , deve ela ainda produzir um resultado industrial: “caracterizam-se também a invenção o fim que ela procura atingir, a necessidade que visa a satisfazer, o objeto dela, a sua utilidade econômica. Não se faz questão do mérito, da perfeição do invento, mas que este produza resultado, utilidade. A máquina que não puder funcionar não constituiria invenção suscetível de ser privilegiada: representaria esforço impotente do inventor, cuja ideia se manifestaria ilusória ou impraticável”. [14]
O rasco de autofluxo de Robert Boyle [15]




[1] PCT International Search and Preliminary Examination Guidelines, PCT Gazette, Special Issue, WIPO, 25 março 2004, S-02/2004, item 14.03
[2] item 9.38 PCT International Search and Preliminary Examination Guidelines, PCT Gazette, Special Issue, WIPO, 25 março 2004, S-02/2004
[3] Guidelines for Substantive Examination Part C abril 2010 item 4.11 http://www.epo.org/law-practice/legal-texts/html/guiex/e/c.htm Case Law of the Boards of Appeal of the European Patent Office Sixth Edition July 2010, p. 224 http://www.epo.org/law-practice/case-law-appeals/case-law.html
[4] Tratado da Propriedade Intelectual: Patentes. Denis Borges Barbosa. Tomo II, Rio de Janeiro:Lumen, 2010, p.1146
[5] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.67
[6] MPEP supra note 5 § 706.03 (II) cf. ERSTLING, Jay; SALMELA, Amy; WOO, Justin. Usefulness varies by country: the utility requirement of patent law in the United states, Europe and Canada. Cybaris, an Intellectual Property Law Review, 2012 http://web.wmitchell.edu/cybaris/wp-content/uploads/2012/04/Erstling-Salmela-Woo.pdf
[7] WADLOW, Christopher. Utility and industrial applicability. In: TAKENAKA, Toshiko. Patent law and theory: a handbook of contemporary research,Cheltenham:Edward Elgar, 2008, p.380
[8] 190 F.3d 1350, 52 USPQ.2d (BNA) 1029 (Fed.Cir.1999) cf. ROOT, Joseph. E. Rules of Patent Drafting from Federal Circuit Case Law. Oxford University Press, 2011, p.103, 181
[9] 421 F.3d 1365, 76 USPQ.2d (BNA) 1225 (Fed.Cir.2005) cf. ROOT.op.cit.p.182
[10] O/389/13 de 27/09/2013 Patent Court, England and Wales
[11] MacLEOD, Christine. Inventing the industrial revolution: the english patent system, 1660-1800, Cambridge:Cambridge University Press, 1988 p.175
[12] PHILIPS, Jeremy. Patentability: a perpetual problem, 22/10/2014 http://ipkitten.blogspot.co.uk/2014/10/patentability-perpetual-problem.html
[13] MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 92
[14] MENDONÇA, Carvalho. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Campinas:Ed. Russel, 2003, v.III, t.I, p.153
[15] http://en.wikipedia.org/wiki/Perpetual_motion

domingo, 26 de outubro de 2014

As origens da Invenção na Idade da Pedra

Estudos sobre evolução humana mostram que flutuações climáticas drásticas agiram em conjunto com a cultura material para acelerar o ritmo evolutivo de nossos antepassados. Ferramentas e outras tecnologias permitiram ao hominídio primitivo viver em novos ambientes, possibilitando a fragmentação das populações e com isso uma especiação que levou a uma evolução mais acelerada do que ocorreria se em grupos maiores.[1] A especiação se inicia quando uma subpopulação de uma espécie se isola geograficamente, altera o seu nicho ecológico ou o seu comportamento, de maneira que fique isolada reprodutivamente do restante da população daquela espécie. Esta subpopulação, ao se isolar e sofrer mutações cumulativas que alteram, com o passar do tempo, o seu genótipo e, consequentemente, sua relação com o meio, ou seja, a expressão fenotípica desta, se transformando em uma nova especie[2].

Cientistas encontraram ferramentas primitivas de pedra na África que remonta 2,6 milhões de anos e eram pouco mais que seixos lascados como aqueles recuperados em Olduvai Gorge. Elas pertenciam a uma cultura hoje conhecida como Olduvaiense, na Garganta de Olduvai, na Tanzânia; entretanto, sítios na Etiópia mais tarde provaram que as peças eram mais antigas. As ferramentas eram formadas batendo peças de pedregulhos do rio, ou pedras parecidas, com um martelo de pedra para obter pedaços grandes e pequenos com uma ou mais pontas afiadas.[3] A pedra original é chamada de núcleo; as peças resultantes, de lascas. Mesmo atualmente e treinamento intensivo, primatas modernos são incapazes de entender como bater um bloco de pedra contra outro para soltar lascas como fizeram estes hominídios primitivos do nosso gênero Homo. Isto levou a mudança de dieta e consequentemente garantiu uma rápida expansão do cérebro ávido por mais energia.

Desta forma o que levou o homem ao caminho da inovação, segundo esta teoria, não foi uma evolução tecnológica crescente, uma vez que os achados arqueológicos sugerem inovações surgidas esporadicamente, com intervalos de centenas de milhares de anos sem qualquer aperfeiçoamento significativo na tecnologia. Segundo Ian Tattersall o ritmo das inovações era decorrente de uma sequência de eventos externos aleatórios vinculados as mudanças climáticas inteiramente desvinculados das qualidades específicas de nossos ancestrais. Para Frans de Waal[4] a aptidão cooperativa  exclusiva dos Homo Sapiens (cerca de 200 mil a.c.)  permitiu a espécie se tornar dominante na Terra e o avanço da tecnologia. Michael Tomasello mostra que ao  contrário dos primatas modernos os humanos tem como traço característico o chamado “efeito de aperfeiçoamento de engrenagens”, ou seja, os humanos modificam suas ferramentas para melhorá-las e depois passam esse conhecimento a descendente, que fazem os próprios ajustes e as melhorias evoluem. Um chipanzé, por sua vez pode imitar outro ao usar um graveto para caçar formigas em um formigueiro mas será incapaz de usar a mesma técnica para caçar insetos, por exemplo, ou de fazer qualquer ajuste para construir um apanhador de formigas novo e melhor.[5]

Nuno Carvalho observa que a invenção não pode ser caracterizada apenas por se constituir a solução de um problema técnico. É importante se destacar o fato de ser resultado da intervenção humana na natureza: “pois a natureza também realiza seus próprios avanços técnicos – são estes que fazem a evolução das espécies. A natureza, em sentido amplo, também cria, ao gerar mutações em reação ao meio hostil e ao selecionar aquelas que são mais eficientes”. Nuno Carvalho cita como exemplo os fios de teias de aranhas que muito se aproximam dos têxteis sintéticos produzidos pelo homem. [6] Uma disposição de fios em um tecido sintético que fosse encontrada em teias de aranha teria condições de patenteabilidade, da mesma forma que muitas invenções do homem utilizam princípios encontrados na natureza. Outro exemplo são engrenagens encontradas nas pernas de insetos do gênero Issus e utilizadas para se conseguir grandes saltos. O mecanismo foi descoberto por cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, que analisaram em microscópio o pequeno inseto, muito comum em jardins da Europa.[7]

Karl Marx delimita um critério de diferenciação entre o trabalho realizado por um homem e um animal: “Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e uma abelha envergonha muitos arquitetos com a estrutura de sua colmeia. Porém, o que desde o início distingue o pior arquiteto da melhor abelha é o fato de que o primeiro tem a colméia em sua mente antes de construí-la com a cera. No final do processo de trabalho, chega-se a um resultado que já estava presente na representação do trabalhador o início do processo, portanto, um resultado que já existia idealmente [...] Além dos esforço dos órgãos que trabalham, a atividade laboral exige a vontade orientada a um fim, que se manifesta como atenção do trabalhador durante a realização de sua tarefa[8] Vinícius Santos destaca que o que distingue o trabalho humano do animal é uma orientação teleológico do primeiro: “o homem esboça em sua consciência o produto do ato de trabalhar antes de executá-lo efetivamente, delineando e adequando o processo a uma finalidade que resulta naquilo que já existia na sua concepção”.[9] Nicolas Binctin, fundamentado na doutrina francesa de Paul Roubier e Pollaud Dulian entende que a fonte comum de todas as criações intelectuais é o homem: “somente o homem dispõe da liberdade de espírito e de julgamento necessários para a criação de um bem intelectual”.[10]

ferramenta primitiva encontrada em Olduvai George [11]





[1] TATTERSALL, Ian. Se eu tivesse um martelo. Scientific American Brasil, ano 13, n.149, Portugal, outubro 2014, p.45-49
[2] http://pt.wikipedia.org/wiki/Especia%C3%A7%C3%A3o
[3] http://pt.wikipedia.org/wiki/Idade_da_Pedra
[4] WALL, Frans de. Um por todos: nosa aptidão para cooperar em grandes soceidades tem profundas razíes no reino animal. Scientific American Brasil, ano 13, n.149, Portugal, outubro 2014, p.59-61
[5] STIX, Gary. O fator X. Scientific American Brasil, ano 13, n.149, Portugal, outubro 2014, p.62-69
[6] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado. presente e futuro. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2009, p.80
[7] http://g1.globo.com/natureza/noticia/2013/09/inseto-utiliza-engrenagens-nas-pernas-para-realizar-saltos-veja-video.html
[8] MARX, Karl. O capital, livro I: o processo de produção do capital,São Paulo:Boitempo, 2013, p.255
[9] SANTOS, Vinícius Oliveira. Trabalho imaterial e teoria de valor em Marx, São Paulo:Ed. Expressão Popular, 2013, p.75
[10] BINCTIN, Nicolas. Droit de la propriété intellectuelle, LGDJ:Paris, 2012, p.34
[11] http://pt.wikipedia.org/wiki/Idade_da_Pedra

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Parágrafo único do artigo 40 da LPI

O parágrafo único do artigo 40 estabelece que o prazo de vigência de uma patente não será inferior a dez anos para a patente de  invenção e a sete anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior. Desta forma uma patente depositada em 2000 que tenha sido concedida em 2014, terá sua vigência até 2024, ou seja terá uma vigência de 24 anos, superior portanto ao prazo de 20 anos estabelecido pelo artigo 33 de TRIPs. O PL 8824/91 apresentado pelo Executivo ao Congresso Nacional previa no artigo 51 um prazo de vigência de vinte anos sem este dispositivo de prazo mínimo de vigência contado da concessão. O deputado Roberto Freire (PCB/PE) apresentou em 25 de março de 1993 uma emenda aditiva ao substitutivo do relator Deputado Ney Lopes ao projeto 824-A, e que previa no artigo 40 o dito dispositivo tal como consta na lei aprovada lei nº 9279/96. Resultante da apreseciação de tais emendas foi elaborado o PL 824-D publicado no Diário do Congresso Nacional em 3 de junho de 1993 em que o relator acolhe a sugestão incorporando ao texto legal.
Este dispositivo é uma reedição de mecanismo similar previsto no artigo 25 do Código de Propriedade Industrial de 1967 de curta duração: “O privilégio de patente de invenção, de desenho ou de modêlo industrial vigorará, desde que pagas as contribuições devidas regularmente, pelo prazo de vinte anos contados da data do depósito do pedido de privilégio ou de quinze, contados da data da concessão, caso esta ocorra após cinco anos da data do depósito do pedido[1]
A garantia conferida pelo parágrafo único do artigo 40 da LPI cria por parte de alguns titulares o interesse em ter seu exame postergado para se valer de prazos maiores de vigência, comportamento que também se observava nas épocas em que a legislação estabelecia a vigência da patente contada da data de concessão do título, como estabelecia, por exemplo, o Código de 1945 em seu artigo 39[2]. Em depoimento no Congresso Nacional no mês anterior a promulgação da Lei nº 5772/71 que sucedeu ao código de 1945 Thomas Thedim Lobo observa o acerto dos parlamentares em fixar a vigência das patentes contada da data de depósito dos pedidos “Todo o depósito de patente já significa uma prioridade para a sua proteção. Esta proteção é normalmente adquirida pelo depósito, dependendo a sua confirmação do exame que será levado a efeito pelo órgão, que julgará exatamente da novidade e da sua utilização industrial. Mas, a proteção em todos os países do mundo se inicia pelo depósito. O que acontecia aqui no Brasil é que por várias vezes estivemos dando uma proteção desmesuradamente grande. O processo de exame, pelas dificuldades técnicas, por naturais interesses daquele que desejava alongar o privilégio, se estendia, às vezes, por quarenta anos. Eu próprio este ano assinei patente cuja patente vai alongar-se exatamente a quarenta anos [...] A situação referida na vigência dos códigos anteriores ao Código de 1971, que contavam o privilégio a partir da expedição da patente, e com isso, até por interesse dos próprios requerentes, os pleitos arrastavam-se pachorrentamente por décadas, atravessando gerações, o que levou Thomaz Leonardos a afirmar pitorescamente que a concessão do privilégio brasileiro constituía verdadeira gestação de elefante ou dinossauro”.[3]
O Congresso tem analisado propostas de revisão do texto legal na Lei nº 9279/96. O Senado analisou o Projeto de Lei nº 689 de 2011 do senador Vital do Rego (PMDB/PB) que propõe, entre outras emendas na LPI, a eliminação do parágrafo único do artigo 40 da LPI “pois o dispositivo amplia em demasia o prazo de proteção da patente”. A CCJ manifestou-se favorável à aprovação do projeto, porém rejeitou a proposta de alteração do artigo 40 da LPI, sem, contudo, tecer maiores comentários.[4]
Em maio de 2012 a deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ) apresentou o PL nº 3944/12 em que revoga o parágrafo único do artigo 40 da LPI, com intuito de estimular a pesquisa e facilitar o acesso aos medicamentos. O deputado Newton Lima Neto (PT-SP) apresentou no plenário da Câmara, em 18 de abril de 2013, o Projeto de Lei nº 5402/2013, de sua autoria e do Dr. Rosinha (PT-PR), que altera a LPI para revogar o parágrafo único de seu artigo 40: “O importante é dotar o INPI das condições necessárias para cumprir a sua função em prazos razoáveis, e não criar condições para aumentar o prazo de proteção em função da atual incapacidade do INPI de examinar tempestivamente todos os pedidos de patentes depositados [...] A extensão do prazo de vigência da patente em razão de atraso em sua concessão é uma medida TRIPs-plus e, como tal, deve ser excluída da lei brasileira, tendo em vista o interesse social em acessar a tecnologia patenteada tão logo os 20 anos de vigência expirem, especialmente no caso de tecnologias que possuem impacto na efetivação dos direitos humanos, como é o caso dos medicamentos”.
Antes da concessão o depositante conta apenas com uma “expectativa de direito” de uma patente. Segundo o TJSP: “Nos termos da vigente Lei 9276/96, apenas o registro da patente é que traria os direitos pretendidos pelo recorrente, não podendo ele se valer do simples pedido de registro para os fins que colima - Mera expectativa de direito”.[5]  Segundo o TJRJ[6]O simples depósito do pedido de patente não confere ao requerente os direitos a ela inerentes. Este será submetido a um determinado procedimento para verificação do preenchimento dos requisitos legais, nos termos dos artigos 19 a 37 da Lei 9.279/96 e após tal avaliação será deferida ou não a concessão da patente. Tão somente após proferida tal decisão, o requerente passará a ostentar a posição de titular do direito, podendo impedir a utilização da invenção sem seu consentimento. De fato, o depósito gera expectativa de direito ao depositante, pois havendo exploração do invento mesmo antes da concessão do privilégio, mas após o depósito, caberá direito de indenização em relação a esse período. Repise-se, entretanto, que apenas haverá direito concreto à reparação pelos danos causados se obtida a patente requerida”.
Como o direito de exclusividade só existe após a concessão da patente, os atrasos na concessão podem ter mais importância para o titular tendo em vista o maior poder dissuasório de uma patente do que de um pedido de patente. O depositante consegue manter-se com exclusividade do mercado de uma forma mais efetiva com uma patente do que com um pedido de patente. Neste cenário as indenizações previstas no artigo 44 da LPI teriam menor relevância, uma vez que, para o titular seria muito mais importante que o concorrente não entrasse no mercado. Nos casos em que o concorrente inicia fabricação do produto patenteado sem acordo com o titular, este último pode solicitar ao INPI um exame prioritário bastando que apresente provas de que o objeto do pedido de patente está sendo reproduzido por terceiros sem a sua autorização e cópia da notificação extrajudicial do agente acusado de reprodução indevida com a comprovação de seu, conforme a Resolução nº 68/2013 de 18 de março de 2013.
Segundo Ediney Chagas e José Muniz o atraso na concessão de patentes pelo INPI tem impacto negativo no licenciamento de tecnologias desenvolvidas pelas universidades.[7] Julia Paranhos ao investigar a interação entre universidades e empresas farmacêuticas conclui que o atraso no exame de patentes pelo INPI tem sido apontado pelos pesquisadores como uma barreira às pesquisas no país, face à incerteza prolongada em se saber se afinal aquela tecnologia com pedido depositado de fato terá a patente concedida ou se constitui conhecimento de domínio público.[8]  Segundo Denis Barbosa, a extensão proporcionada pelo artigo 40 da LPI “é uma exceção ao regime de vigência geral, destinada a suprir carências do sistema administrativo, e como qualquer regime excepcional, constrito às exatas condições de sua aplicação”. Denis Barbosa cita julgado do TRF2: “há evidente interesse público e social em que haja efetiva temporariedade, isto é, limitação do prazo de validade das patentes, para permitir o aperfeiçoamento das descobertas científicas[9]. No entendimento de Denis Barbosa este instituto do parágrafo único do artigo 40 da LPI não atende ao equilíbrio entre os interesses pessoais e sociais pertinentes.[10] O estudo da Câmara dos Deputados que subsidiou o Projeto de Lei nº 5402/2013 aponta que com a incerteza quando ao término da vigência da patente, proporcionado pelo parágrafo [único do artigo 40 da LPI  “Os concorrentes não sabem se podem explorar o objeto do pedido dos depositantes, sem correr risco de serem processados e condenados. E a sociedade perde”.[11]
Para Denis Barbosa o artigo 44 da LPI prevê efeitos retroativos à concessão da patente, de modo que o titular já se encontra devidamente amparado em caso de atrasos na concessão: “Ou seja, a patente efetivamente vale como um instrumento de mercado antes da sua concessão. O efeito econômico precede a plenitude do efeito jurídico”. O titular tem garantido direitos retroativos pelo artigo 44 da LPI que define que “Ao titular da patente é assegurado o direito de obter indenização pela exploração indevida de seu objeto, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente”.

[12] Roberto Freire




[1] http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-254-28-fevereiro-1967-374675-publicacaooriginal-1-pe.html
[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del7903.htm
[3] Cf. BARBOSA, Denis. A inexplicável política pública por trás do parágrafo único do art . 40 da Lei de Propriedade Industrial, Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.19, n.1, nov.2013/abr.2014, p.127-186; DOMINGUES, Douglas Gabriel. Direito Industrial – patentes, Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 125, 237
[4] http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=103270
[5] TJSP, AC 0302721-37.2009.8.26.0000  Relator: Ribeiro da Silva, Comarca: São Paulo, Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 05/09/2012
[6] TJRJ, AC 0072732-35.2004.8.19.0001 Terceira Câmara Cível, Relator: Des. Mario Assis Gonçalves, Data de Julgamento: 10/11/2010
[7] CHAGAS, Ediney Neto; MUNIZ, José Norberto. Propriedade Intelectual e Pesquisa nas Instituições de Ensino Superior. Viçosa: UFV, 2006, p. 131.
[8] PARANHOS, Julia, Interação entre empresas e instituições de Ciência e Tecnologia: o caso do sistema farmacêutico de inovação brasileiro, Eduerj:Rio de Janeiro, 2012, p.196
[9] TRF2, MAS 2006.51.01.524783-1, Relatora: Márcia Helena Nunes, 1ª Turma Especializada, DJ 12/12/2008
[10] BARBOSA, Denis. A inexplicável política pública por trás do parágrafo único do art . 40 da Lei de Propriedade Industrial, Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.19, n.1, nov.2013/abr.2014, p.127-186
[11] NETO Newton Lima. A revisão da lei de patentes: inovação em prol da competitividade nacional, maio de 2013, Câmara dos Deputados  - Brasília-DF, Centro de Estudos e Debates Estratégicos – CEDES. http://www2.camara.leg.br/a-camara/altosestudos/temas/temas-2013-2014/inovacao-propriedade-intelectual-e-patentes/propriedade-intelectual-inovacao-e-patentes
[12] http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=103164&tipo=0

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Divisão e pedidos de patente complexos

O conceito de unidade de invenção está presente no artigo 4G da CUP: “Se o exame revelar que um pedido de patente é complexo poderá o requerente dividir num certo número de pedidos divisionários, cada um dos quais conservará a data do pedido inicial e, se for o caso, o benefício do direito de prioridade”. Segundo Bodenhausen “Pode ocorrer, de acordo com a legislação do país em que se efetue o exame, que se considere que um pedido de patente é complexo por razões distintas da falta de unidade de invenção, por exemplo, porque contém uma combinação proibida de reivindicações para fabricação e utilização do mesmo objeto inventado. Em tais casos se aplica igualmente o artigo 4G, embora provavelmente este seja utilizado com mais frequência nos casos em que o pedido tenha mais de uma invenção”. [1]
Segundo o artigo 22 da LPI “o pedido de patente de invenção terá de se referir a uma única invenção ou a um grupo de invenções inter-relacionadas de maneira a compreenderem um único conceito inventivo”, o que sugere que uma vez o exame tendo identificado falta de unidade de invenção o depositante terá oportunidade para dividir seu pedido conforme artigo 35 da LPI. No entanto, esta não é a única possibilidade em que o INPI pode emitir parecer técnico relativo a divisão do pedido, uma vez que a LPI não define as situações em que o INPI pode fundamentar um pedido de divisão. O Ato Normativo nº 127/97 de 5 de março de 1997 no item 6 prevê que esta situação possa ocorrer “quando o exame técnico revelar que o pedido é complexo ou que contém um grupo de invenções que compreendem mais de um conceito inventivo, ou mais de um modelo de utilidade”. Na Instrução Normativa nº 30/2013 de 4 de dezembro de 2013, contudo, este trecho do Ato Normativo nº 127/97 foi reescrito como “quando o exame técnico revelar que o pedido contém um grupo de invenções que compreendem mais de um conceito inventivo, ou mais de um modelo de utilidade”. Já não há mais referência a possibilidade do INPI fundamentar uma solicitação de divisão de pedido com base no pedido ser complexo. Como a CUP deixa para as legislações nacionais a definição das condições em que se pode solicitar ao depositante a divisão do pedido, não há qualquer contradição com a CUP seja no Ato Normativo nº 127/97 ou na Instrução Normativa nº 30/2013 apenas que esta última aceita como única justificativa para o INPI solicitar a divisão do pedido o fato do pedido não ter unidade de invenção.
Nuno Carvalho observa que a tradução da CUP ao português presente no Decreto n.º 75572 de 8 de abril de 1975 refere-se a “que um pedido de patente é complexo” quando o texto do artigo 4g da CUP em inglês refere-se a “a patent contains more than one invention”. No entanto no texto autêntico em francês o mesmo trecho refere-se a “Si l’examen révèle qu’une demande de brevet est complexe”, ou seja, o decreto brasileiro traduziu corretamente a partir do texto autêntico em francês[2]. Bodenhausen já em 1969 observava que esta tradução para o inglês não é muito precisa porque um pedido pode ser complexo por razões outras que não a falta de unidade de invenção, por exemplo a complexidade do quadro reivindicatório. Para Nuno Carvalho o termo “complexo” pode se referir a complexidade técnica da invenção o não está de acordo com o sentido original do texto da CUP.[3] No entanto, no âmbito jurídico encontramos o significado do termo como representando algo que abranja duas tecnologias distintas e talvez tenha sido essa a razão do uso desta palavra. O Código de Processo Civil no artigo 431B[4] estabelece que “tratando-se de perícia complexa, que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito e à parte indicar mais de um assistente técnico[5]. Na França Pollaud Dulian também observa que para pedidos de patentes complexos (demande complexe) podem ensejar a divisão do mesmo.[6] A legislação francesa se refere à unidade de invenção no artigo L.612-4 a qual Schmidt Szalewski associa a pedidos complexos com base na jurisprudência, embora o julgados citados que utilizam tal expressão sejam decisões de 1901[7] e de 1879[8]. A Corte francesa se refere a patente com o “vício da complexidade (le vice de complexité)” embora esta não seja considerada uma causa para nulidade da patente.

Georg Bodenhausen [9]



[1] BODENHAUSEN, Guia para la aplicacion del Convenio de Paris para la proteccion de la propriedad industrial revisado em Estocolmo, 1967, WIPO:Genebra, 1969 http://www.wipo.int/edocs/pubdocs/en/intproperty/611/wipo_pub_611.pdf
[2] http://www.wipo.int/wipolex/en/wipo_treaties/details.jsp?treaty_id=2
[3] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado. presente e futuro. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2009, p.93
[4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm
[5] O escopo da prova pericial e critérios para a escolha do perito, Alexandre Freitas Câmara, In: Revista da ABPI,n.89, jul/ago 2007, p.17 Lei No 5.869, de 11/01/1973 que Institui o Código de Processo Civil, incluído pela Lei nº 10.358, de 2001, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869compilada.htm
[6] POLLAUD-DULIAN, Frédéric , Propriété intellectuelle. La propriété industrielle, Economica:Paris, 2011, p.261
[7] Cons. d’État, 5 agosto 1901 cf. SZALEWSKI,J.Schmidt; PIERRE,J.L. Droit de la propriete industrielle,Paris:Litec, 1996, p.59
[8] Cons. d’État, 12 agosto 1879 cf. CHAVANNE, Albert; BURST, Jean-Jacques; Droit de la Propriété Industrielle, Précis Dalloz:Paris,1976, p.47
[9] https://www.flickr.com/photos/wipo/6234699702/

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Nortox, Monsanto e o glifosato

A patente da Monsanto PI7107076 referente a Composição fitotóxica ou herbicida teve licença compulsória concedida a Nortox sob a alegação que apenas parte da patente era explorada. A Nortox S.A. (Nortox) é uma sociedade brasileira, que atua na indústria química e petroquímica por meio da fabricação e comercialização de defensivos agrícolas e sementes, tais como algodão, milho, soja e sorgo. A Nortox poderia ter requerido a caducidade da patente por não exploração, no entanto, preferiu a licença compulsória não exclusiva mesmo tendo de pagar royalties de 5% à titular, pois desta forma poderia entrar no mercado anunciando-se como licenciada da Monsanto e desta forma conquistar mercado pois estaria garantindo a seus clientes que seu produto mantinha a mesma qualidade que o produto original da Monsanto. O glifosato (US3799758) é um herbicida sistêmico não seletivo (mata qualquer tipo de planta) desenvolvido para matar ervas, principalmente perenes. É o ingrediente principal do Roundup, herbicida da Monsanto. A titular Monsanto tentou evitar a licença compulsória renunciando em 1984 as reivindicações que não explorava (no caso, ao processo de fabricação de um defensivo agrícola “Roundup”), no entanto, a tentativa foi rejeitada pelo INPI [1], pois uma vez concedida a patente não havia como modificar seu conteúdo, sob pena de cisão da unidade inventiva[2]. Segundo o parecer da então assessora da Presidência Nelida Jessen “uma patente será sempre una e indivisa, no sentido legal sem que haja necessidade de unidade do processo produtivo [...] como claramente estipulado no Código da Propriedade Industrial, uso parcial não é em hipótese nenhuma uso efetivo, nem para efeito de caducidade nem para efeito de licença” [3].

A Nortox foi fundada em 14 de abril de 1954, em Apucarana - PR. Iniciou suas atividades como indústria formuladora de inseticida em pó, destinado a combater a broca do café, numa época em que os cafezais eram uma das maiores fontes de riquezas do Brasil, cobrindo uma área contínua que ia do Norte Pioneiro às barrancas do Rio Paraná. No começo dos anos 60, a Nortox entrou no mercado de inseticidas para lavouras de algodão. Em 1966, transformou-se em sociedade anônima, constituída com capital nacional. Ainda nessa década, pela necessidade de ampliar e diversificar a produção, transferiu-se para o Município de Arapongas, no Distrito de Aricanduva, onde construiu moderna unidade industrial. A empresa começou no negócio de herbicidas em 1972, quando o mercado deste tipo de produto começava a crescer. Pouco depois, a Nortox passou a sintetizar o herbicida Trifluralina e aos poucos implantou unidades para produzir os intermediários necessários à sua fabricação. Para isso, precisou dominar a tecnologia da aminação, cloração, nitração e fluoração. Nos anos seguintes, a indústria passou a produzir o Alaclor técnico e formulado, o Dimetoato técnico e formulado e o Diuron técnico e formulado. A década de 80 foi marcada por grandes mudanças na agricultura. O plantio direto só se tornou possível quando, em 1983, a Nortox passou a produzir, de forma pioneira no Brasil, o herbicida Glifosato. Com isso, o preço do Glifosato baixou significativamente e o plantio direto pôde ser adotado em todo o Brasil.[4]

Round Up [5]




[1] FREIRRE, Augusto. The need to exploit the subject matter of all independent claims of brazilian patents to avoid cancellation, in. DANIEL, Denis Allan. Patents in Brazil, Rio de Janeiro: Daniel & Companhia 1984, p. 53 http: //denisbarbosa.addr.com/daniel.doc.
[2] BARBOSA.op. cit. p. 561.
[3] Apelação em mandado de segurança n.106155-RJ, acórdão relator Ministro Ilmar Galvão, DJ de 21.08.96 apud BARBOSA.op. cit. p. 562.
[4] http://www.nortox.com.br/historico.php
[5] http://en.wikipedia.org/wiki/Glyphosate

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Jurisprudência: patente de regra de jogo

Segundo o TRF2 em Edem Marcus v. CEF[1] analisou a possibilidade de proteção de um sistema de loteria que não foi depositado no INPI, concluindo de forma negativa: “Não se sujeita à proteção como direito autoral ou como direito da propriedade industrial projeto que compila e desenvolve regras de jogo de azar a partir das existentes (art. 10 da Lei 9.279-96 e art. 8º da Lei 9.610-98), motivo pelo qual não se deve falar em atributos de utilização e exploração exclusiva e, consequentemente, em reparação por danos decorrentes de ato ilícito”.

O apelante ficou surpreso "ao saber, pelos meios de comunicação ordinários, que suas idéias estavam sendo utilizadas pela empresa pública, que “lançou a loteria denominada trinca “para concorrer com o jogo do bicho” [...] Segundo o juiz O citado projeto, como se vê dos documentos que instruíram a inicial, desenvolve regras e modalidades novas de jogos de azar, com regras próprias e a partir de jogos já pre-existentes, o que não é e não pode ser objeto do direito autoral ou mesmo modelo de utilidade, à medida em que não caracterizado o requisito da originalidade intelectual.  De fato, uma interpretação conjunta dos dispositivos acima transcritos revela que, relativamente à concepção de regras de jogo de azar, mesmo que apresentem novidade, atividade inventiva e aplicação industrial ou ato inventivo, sobre as mesmas não há qualquer atributo legal inerente ao direito autoral ou mesmo a direito regido pela propriedade intelectual, de forma que a utilização e veiculação de tais regras sempre foi e sempre será livre para qualquer interessado, independentemente de remuneração ou exclusividade de exploração. E, se assim se apresenta a questão, afigura-se inoportuno e, mesmo, impróprio, falar-se, no caso concreto, em plágio, que relaciona-se ao direito autoral, ou mesmo em exploração indevida de direito de propriedade industrial, em especial porque nesse último viés, inarredável o requisito do depósito junto ao INPI – ato constitutivo do direito – sobre o que não se tem  notícias nos autos"



[1] TRF2, Apelação Cível nº 1998.51.02.207012-7, Edem Marcus v. CEF, Relator: André Fontes. Segunda Turma Especializada, Data Decisão: 29/03/2011