terça-feira, 31 de julho de 2018

Origem da LPI


O governo Fernando Collor em 26 de junho de 1990 lançou as “Diretrizes Gerais para a Política Industrial e de Comércio Exterior”, pelo Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento. Nestas Diretrizes foi anunciada a decisão de revisão da lei de patentes.[1] Na mesma data a Portaria[2] Interministerial nº 370 instituiu uma Comissão Interministerial com data prevista de conclusão de seus trabalhos em 20 de março de 1991. O presidente do INPI na ocasião era Paulo Afonso Pereira. Esta Comissão Interministerial era presidida pela Diretora de Patentes Margarida Mittelbach do INPI, então vinculado ao Ministério da Justiça e de dois representantes do Ministério de Economia, Fazenda e Planejamento (sendo um do Departamento do Comércio Exterior e um segundo do Departamento da Indústria e Comércio), um representante do Ministério de Relações Exteriores e um representante da Secretaria de Ciência e Tecnologia da Presidência da República. Havia quatro subcomissões: Patentes (dirigida por Margarida Mittelbach); Marcas (dirigida por  Sonia Maia); Transferência de Tecnologia (dirigida por Luiz Contursi, servidor do INPI, ora cedido à ANP); Fármacos (dirigida por Ana Cavalcante). Uma quinta comissão, que seria de Sistematização, não foi constituída, pelo adiantado do prazo para conclusão dos trabalhos. A proposta do governo foi elaborada com auxílio de técnicos do INPI que formaram um Grupo de Trabalho no INPI, entre os quais Eliane Pineschi da área de modelos e desenhos industriais, Nélida Jensen da Procuradoria do INPI, Cátia Gentil de metalurgia, Leila Falcone de química inorgânica e Sonia Silva da área química sob coordenação da Diretora de Patentes Maria Margarida Rodrigues Mittelbach. Denis Barbosa analisa a ação desta Comissão Interministerial: “O propósito do trabalho, assim como seu resultado, estava aliás prefigurado no texto da Portaria Interministerial e nas Diretrizes de Política Industrial e de Comércio Exterior expedidas na mesma ocasião. A revisão tinha por finalidade dar patente às invenções químicas, farmacêuticas e alimentares; e conformar o regime de propriedade industrial aos parâmetros de um mercado globalizado, reduzindo ou eliminando a exigência de uso efetivo da patente no país. Tal, obviamente, é o que resultou do Projeto”.[3] Segundo a Revista Atenção de 1996 o embaixador do Brasil em Washington, Marcílio Marques de Oliveira e ministro da fazenda no governo Collor teria encomendado em 1989 a OMPI um texto que servisse de base para redação da nova lei de patentes. Na verdade a OMPI presta suporte jurídico a diferentes governos na redação de textos que possa balizar a elaborações das legislações nacionais dos países. 


[1] FROTA, Maria Stela Pompeu Brasil. Proteção de patentes de produtos farmacêuticos: o caso brasileiro, Brasília: FUNAG/IPRI, 1993. http://www.funag.gov.br/biblioteca/dmdocuments/0068.pdf
[2] Publicada no Diário Oficial de 7 de junho de 1990, Seção 1, p.12348 http://www.jusbrasil.com.br/diarios/1111072/pg-14-secao-1-diario-oficial-da-uniao-dou-de-27-06-1990/pdfView
[3] BARBOSA, Denis. Tratamento do Capital Estrangeiro desde a Lei de 1962 até a Carta de 1988, http:// grotius.net/arquivos/200/economia/29.doc‎

sábado, 28 de julho de 2018

Primeiros examinadores de patente do INPI

Havia alguns examinadores no DNPI (muito poucos), que eram servidores públicos, vinculados à Lei anterior à atual --- Lei nº 1.711/1952 ---, e, a partir da criação do Instituto, foram contratados alguns, mas com vínculo empregatício pela CLT, como uma turma que entrou em 1977 (cerca de 35), outra em 1978 (cerca de 60) e a última em 1980 (com cerca de 40); todos esses servidores fizeram o curso da OMPI/PNUD/COPPE.

Alguns nomes de examinadores (lista incompleta):

1971-11-01 SONIA MARIA DA SILVA
(?) MARGARIDA MITTELBACH
(?) MARGARIDA CONDE
(?) SUZANA BORBA
(?) SERGIO LANKJER
(?) HENIA DULCE
(?) IVO TOZZONI
(?) IVANI ESCHENAZZI
1974-01-02 CARLOS PAZOS RODRIGUEZ
1974-01-02 LEILA FREIRE FALCONE
1974-03-01 NELSON RODRIGUES CARDOSO
1974-07-08 ANA REGINA DE HOLANDA CAVALCANTI
1975-10-01 MARIA CELI SALDANHA MOREIRA DE PAULA
1975-10-01 CLEUZA MARTINS
1977-06-01 NILSON DE AZEVEDO VIANNA
1978-05-02 JOELSON AQUINO MAIA
1978-09-01 JOAQUIM ADERITO CORREIA DE MOURA
1978-09-01 LUIZ ANTONIO XAVIER DOS SANTOS
1978-09-01 EDSON DOS SANTOS FIUZA
1978-10-02 FRANCISCO EDUARDO PEREIRA
1978-10-02 DENISE MEDEIROS CONTE NOVAIS
1978-10-02 CATIA REGINA PINHO GENTIL DA SILVA
1978-10-02 ELIZABETH OMAR RIBEIRO DA ROSA
1978-10-02 ISABEL CRISTINA LOPES SENGER
1978-10-02 HELMAR ALVARES
1978-10-02 FREDERICO CARLOS DA CUNHA
1978 CARLOS AUGUSTO BITTENCOURT

terça-feira, 17 de julho de 2018

Patentes promovendo o mercado de tecnologia


Deepak Hegde e Hong Luo mostram que a publicação do pedido após um período de 18 meses contados da data de depósito, introduzido pela American Inventor’s Act de 1999  (AIPA) fez com que, em média, os tempos de licenciamentos fossem reduzidos em 10 meses. Após o AIPA os pedidos de patente aumentaram as chances de ser licenciados logo após os 18 meses e antes da concessão da patente o que sugere que a medida de divulgação do conteúdo do pedido de patente antes da concessão (em média as patentes depositadas em 2000 foram concedidas em 32.5 meses) ofereceu a oportunidade de formação de um repositório padronizado e  centralizado de informação patentária que minimizou os custos de informação tanto para compradores como para vendedores estimulando licenciamentos e facilitando as transações em um mercado de ideias otimizando gastos em P&D. O estudo mostra um efeito benéfico da publicação dos pedidos de patentes no mercado de tecnologia e na promoção da inovação, pois a antecipação de acordos de licenciamento tendem a beneficiar tanto compradores como vendedores da tecnologia.
 
 
 
HEDGE, Deepak; LUO, Hong. Patent Publication and the Market for ideas, Management Science v.64, n.2, feb 2018, p.652-672

Trolls no Brasil

Na mitologia nórdica os trolls são monstros que habitam em cavernas[1]. Com o advento da internet o termo passou a ser empregado aos participantes de listas de discussão que buscam disfarçar sua real identidade com intuito semear a discórdia.[2] O termo patent troll tem sido também usado desde os anos 90 para empresas ou indivíduos que iniciam ações judiciais por contrafação de patentes de uma maneira considerada agressiva ou oportunista de forma meramente litigiosa sem a intenção de produzir ou fabricar a invenção.[3] Peter Detkin da Intel pela primeira vez se referiu como trolls as empresas que extraem dinheiro de patentes as quais não tem interesse de fabricar.
No Brasil a Vringo Infrastructure[4] acionou judicialmente a ZTE Corp. e ZTE do Brasil (TJRJ n° 0126070-69.2014.8.19.0001) por contrafação da patente PI0013975 depositada pela Nokia e concedida pelo INPI em 2013 para a Vringo Infrastructure. A patente trata de uma tecnologia utilizada no controle de rede em telefonia celular 3G e 4G. Uma injunção preliminar foi concedida pelo juiz impedindo a comercialização dos equipamentos da ZTE acusados de infração da patente. A Vringo acionou judicialmente a chinesa ZTE em outros países como Inglaterra, Alemanha, França, Austrália, Espanha, Índia e Holanda.[5] Donald Stout, presidente da NTP Holdings que recebeu de indenização $ 612 milhões da RIM, fabricante do BlackBerry, faz parte do Conselho Diretor da Vringo desde 2012, ano em que foram compradas 124 patentes da Nokia relativas a infraestrutura em telecomunicações [6], compradas por cerca de US $ 22 milhões. Para Mark Summerfield a Vringo pode ser vista como um fundo de aquisição de patentes e não como um troll, uma vez que as patentes adquiridas da Nokia são resultado do desenvolvimento tecnológico de uma empresa inovadora e a intenção da Vringo é a de estabelecer uma estratégia global de licenciamento ao invés de agressivamente eliminar concorrentes do mercado.[7] [13]
A definição de quais empresas poderiam ser configuradas como trolls não está portanto bem definida na literatura. Considere por exemplo a Intellectual Ventures, empresa que inicialmente se especializou na aquisição de um grande portfolio de patente e que nos últimos anos tem se dedicado à atividades de P&D. Estima-se que a Intellectual Ventures[8], com um portfólio de 35 mil patentes, tenha alcançado uma receita de 2 bilhões de dólares desde sua fundação em 2000. O grande portfólio de patentes da empresa tem impulsionado investimentos na área de P&D com a criação[9] da Intellectual Ventures Lab em 2009. Desde sua fundação em 2000 a Intellectual Ventures deu origem a duas empresas spin off de alta tecnologia: a Kymeta na área de antenas para satélites e a TerraPower na tecnologia de reatores nucleares.[10] Embora apontada como NPE seu primeiro litígio veio ocorrer apenas em 2010, relativo a patentes em segurança de dados (US5987610, US6073142, US6460050, US7506155).[11] Os réus destas ações são grandes empresas na área de software como Check Point Software Technologies, McAfee, Symantec e Trend Micro. Nenhuma destas patentes consta no site do USPTO como sendo da Intellectual Ventures, por se tratar de patentes adquiridas pela empresa.
Na infração de patente 025037-30.2018.4.02.5101 da TCT Mobile telefones v. Ericsson e INPI o juiz Caio Watkins da 13° Vara federal do Rio de Janeiro menciona o termo "troll" em uma fase do processo faz referência à acusação feita pela autora: "Como causa de pedir, sustenta, em suma, que as patentes em apreço não são dotadas dos requisitos legais de novidade e de atividade inventiva, e que a empresa ré Ericcson titular das patentes anulantes, vem causando danos irreversíveis á empresa autora, por meio de abuso de Direitos de Propriedade Intelectual, agindo como uma patente troll, por meio de ações judiciais e outras medidas contestáveis para obrigar as empresas de tecnologia a pagar royalties abusivos". Para Dan Guerchon os recursos previstos na LPI no artigo 68 de licença compulsória, devido à sua morosidade de implementação, não parecem ser suficiente para dissuadir a ação dos trolls embora reconheça que a atuação de trolls no Brasil ainda seja escassa. Para Dan Guerchon: "sem um estudo mais aprofundado sobre o tema, não se pode, nem mesmo, afirmar categoricamente que o princípio da função social da propriedade é violado pela atuação dos patente trolls, a despeito do frequente não uso das patentes por parte dessas sociedades empresárias". [14]


 
[1] http://en.wikipedia.org/wiki/Troll
[2] http://en.wikipedia.org/wiki/Troll_%28Internet%29
[3] http://en.wikipedia.org/wiki/Patent_troll
[4] http://www.vringoip.com/cgi-bin/news.pl
[5] http://www.natlawreview.com/article/patent-troll-update-brazil
[6] http://en.wikipedia.org/wiki/Vringo
[7] http://blog.patentology.com.au/2013/06/a-patent-troll-down-under-why-vringo.html
[8] http://www.npr.org/blogs/money/2011/07/26/138576167/when-patents-attack
[9] http://en.wikipedia.org/wiki/Intellectual_Ventures
[10] http://www.intellectualventures.com/index.php/news/press-releases/kymeta-spins-out-from-intellectual-ventures-after-closing-12-million-fundin
[13] CONTRERAS, Jorge; EIXENBERGER, Michael. The Anti-Suit Injunction - A Transnational Remedy for Multi-Jurisdictional SEP Litigation, Cambridge Handbook of Technical Standardization Law - Patent, Antitrust and Competition Law (Jorge L. Contreras, ed., 2017, Forthcoming) https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2966309
[14] GUERCHON, Dan. Os polêmicos patente trolls, conceito, críticas e atuação no Brasil. Revista da ABPI, n° 152 jan/fev 2018, p.42-51
 

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Sugestões de teses em PI


1)      Avaliar a produtividade dos examinadores por número de primeiros exame por examinador e identificar de forma segmentada quem responde pelos aumentos de produtividade observados nos últimos anos ou se trata de um aumento linear entre os examinadores, e como este valor pode ser comparado com os de outros escritórios como IP5. https://www.fiveipoffices.org/statistics/statisticsreports.html

 

2)      Avaliar o comportamento das taxas de concessão por examinador e fazer uma correlação com tempo de casa. A hipótese é que examinadores mais experientes tenham taxas de concessão maiores. COCKBURN, Iain; KORTUM, Samuel; STERN, Scott. Are All Patent Examiners Equal? The Impact of Examiner Characteristics. NBER Working Paper No. 8980 jun.2002. http: //www.nber.org/papers/w8980

 

3)      Observar se a mudança de fluxo para pedidos da ANVISA modificou a taxa de concessão destes pedidos. Observar qual o impacto de uma revalidação por setor tecnológico considerando que a grande maioria das patentes com EPB1 acabam concedidas no INPI.

 

4)      Avaliar os depósitos de nacionais de patente de invenção e de modelo de utilidade. A literatura que mostra que o pais atinge um grau de maturidade tecnologica mais avançado quando essas curvas se encontram e o percentual de patentes começa a superar os de modelo de utilidade. KIM, Yee Kyoung; LEE, Keun; PARK, Walter; CHOO, Kineung. Appropriate Intellectual Property Protection and Economic Growth in Countries at Different Levels of Development, Research Policy, 2012, v.41 p.358-375

 

5)      Avaliar os códigos de decisão judicial 19.1 na RPI e ver caso a caso se a patente foi mantida ou anulada. ha literatura que mostra que o percentual que estas patentes é anulado é grande. http://ipkitten.blogspot.sg/2016/02/german-federal-patent-court-partially.html

 

6)      Avaliar o grau de litigio de desenhos industriais antes e depois da LPI. Teria de ver com a procuradoria se é possível resgatar essa informação de litigio dos DIs na epoca da entrada em vigor da LPI. O contexto é mostrar contratar com o litigio de PI e mostrar que com registro o litigio de DI aumentou bem mais.

 

7)      Avaliar a aplicação do critério da atividade inventiva pelo problem solution approach na EPO e no INPI, fazendo-se estatísticas dos pedidos com EPB1 invalidados no INPI e dos invalidados da EPO mas concedidos no Brasil e tomando-se alguns estudos de caso mostrando como o critério de atividade inventiva pelo critério brasileiro que nao se baseia na escolha do closest prior art acaba sendo diferente no resultado final. Avaliar como o critério tem sido aplicado nas diferentes áreas técnicas pela comparação com taxas históricas de concessão e índices de reversão na fase recursal.

 

8)      Avaliar o tempo efetivo de vigência das patentes pelo pagamento das anuidades. A literatura mostra que a maior parte das patentes acaba não tendo a vigência de 20 anos por não pagamento das anuidades. Observar particularmente as patentes que incidem no artigo 40 da LPI se de fato elas usam esta extensão de prazo que a LPI lhes oferece ou se acabam deixando de pagar as anuidades de qualquer forma.

 

9)      Analisar casos de patentes de sucesso com licenciamentos ou que de fato tenha sido importantes para o estabelecimento de mercado da empresa.

 

10)   Avaliar se há discriminação do INPI contra inventores mulheres observando-se de forma separada a taxa de concessão de patentes de inventores e de inventoras. https://insights.som.yale.edu/insights/why-do-women-inventors-win-fewer-patents#.WtIOrvdxD88.twitter


 

11)   Analisar diferentes modelos de projeções de backlog

Medicamentos, patentes & inovação

O Brasil suspendeu o patenteamento de produtos farmacêuticos em 1945 e de processos farmacêuticos em 1969. Em 1971 a exclusão com a Lei n° 5771/71 seria ampliada para produtos químicos farmacêuticos bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação. Quase quatro décadas de liberdade de cópia e ausência de patentes não trouxeram qualquer desenvolvimento tecnológico autônomo na área de fármacos no Brasil, ao contrário, somente com a LPI surgem os primeiros fármacos desenvolvidos no país. Algumas iniciativas promovidas por uma política de compras do Ministério da Saúde nos anos 1980 e mecanismos de proteção do mercado nacional viabilizaram alguns desenvolvimentos tecnológicos como os observados na Companhia de Desenvolvimento Tecnológico (Codetec) na área de síntese química e a Biobrás na produção de insulina. [1] Segundo Gabriel Tannus: “a visão dirigista da época freava as iniciativas dos empreendedores, com cotas de importação limitando a expansão da frágil indústria local e um irracional controle de preços exercido pelo extinto Conselho Interministerial de Preços (CIP). O modelo de substituição de importações, voltado para o insignificante mercado interno, em nada contribuiu para incentivar os empreendedores da época”.[2] Com ausência de uma política pública para o setor e o grande incremento na inovação observado desde o final da segunda grande guerra pelas indústrias estrangeiras e as políticas de incentivo à entrada de capitais estrangeiros que caracterizaram a política econômica na década de 1950, foram alguns dos aspectos que contribuíram para enfraquecer o poder de competição das empresas nacionais.
O resultado foi uma grande onda de desnacionalização da indústria farmacêutica nacional nos anos 1960. Assim foram vedidos a Laboraterápica para Bristol (1957), Moura Brasil para Merrel (1958), Endochimica para Mead Johnson (1960), Novotherápica para Bracco (1961), Sintético para Searle (1967), Instituto Pinheiros para Syntex (1972), Quimiofarma para Boehringer (1972), Procampo para Schering (1974)[3] Peter Evans cita o exemplo a indústria farmacêutica como “arquétipo da desnacionalização”.[4] Para Evans “as primeiras firmas brasileiras a serem compradas era as que dispunham de uma tradição científica mais respeitada. Para a firma compradora estrangeira, quanto maior a reputação da firma entre a comunidade médica, maior a utilidade que ela teria para conseguir a aceitação de sua linha de produtos. A maior parte das firmas compradoras internacionais continuaram a vender os produtos criados pelas empresas que compraram”. Gabriel Tannus observa que enquanto na época de não concessão de patentes à medicamentos o setor se desnacionalizada, na época após a LPI o que se observa é um aumento da participação da empresa nacional no mercado. Em 2000 as empresas nacionais representava, 28% do mercado farmacêutico ao passo que em 2005 esse percentual aumenta para 41% em grande parte em resposta a política de medicamentos genéricos instituída a partir de 1999. Os produtos patenteados respondem por 15% do mercado em 2005 o que significa que as empresas nacionais podem competir nos 85% restantes. [5]
Segundo João Furtado: “Entre 1958 e 1972, quarenta e três empresas nacionais foram incorporadas por empresas de capital estrangeiro, sobretudo estadunidense (Bermudez, 1992). Empresas que haviam obtido relativo sucesso, como o Instituto Pinheiros e a Laborterápica, foram incorporadas por grupos estrangeiros que deixaram de produzir a linha de medicamentos até então existente, tão logo concretizaram a compra dos laboratórios nacionais. Além disso, os antigos donos – em muitos casos cientistas qualificados – foram afastados, reduzindo significativamente a competência científica e tecnológica da indústria local (Ribeiro, 2001). Este padrão, muitas vezes repetido neste e em outros setores, indica de maneira clara os objetivos da aquisição – acesso rápido ao mercado brasileiro. Em 1945, as empresas de capital nacional representavam 70% do mercado local, participação que caiu para aproximadamente 25% no final da década de 1970. Em 1957, constavam cinco laboratórios nacionais entre as vinte maiores empresas do mercado brasileiro. Em 1960, esse número caiu para quatro e, em 1975, se reduziu para uma única empresa (Bermudez, 1992). Em 1985, entre os 50 maiores laboratórios, que representavam 84% do mercado brasileiro, apenas cinco eram de capital nacional e os 15 maiores laboratórios nacionais respondiam por apenas por cerca de 11% do faturamento total da indústria (Gerez e Pedrosa, 1987)”.[6]
Um estudo da Codetec estima em que as multinacionais acumularam perdas de 0.6% de seu faturamento (vendas em farmácias) com as cópias de seus medicamentos pirateados no Brasil, enquanto que dados elaborados pelo IMS/Glaxo elevam estas perdas para algo em torno de 13%. A Glaxom, por exemplo, faturou entre março de 1991 e março de 1992 US$ 17,6 milhões com a venda de seu medicamento Antak, ao passo que cinco cópias do mesmo porduto faturaram no mesmo período US$ 16,7 milhões. [7]
Segundo Jose Goldemberg em artigo escrito logo após a aprovação da LPI: “o melhor exemplo disso foi o que aconteceu com a decisão do governo, em 1971, de não permitir o patenteamento de produtos farmacêuticos, para que este setor da indústria nacional se fortalecesse. Isso permitiu aos laboratórios nacionais entrarem com o método de cópia de similar estrangeiro. A ideia era de que grandes investimentos fossem feitos em desenvolvimento científico, de modo que, quando uma nova lei de patentes fosse introduzida, o país já tivesse atingido capacitação própria. Esse esforço não teve sucesso, o que justificou a adoção da nova lei de patentes, que não permite a pirataria. Claramente nesse caso, o setor empresarial não teve a capacidade de se beneficiar das vantagens concedidas pelo governo durante vinte e cinco anos”. [8]
Com a proteção por patentes, a partir de 1996, começaram a surgir os primeiros remédios feitos por laboratórios brasileiros como
·  a vacina contra hepatite B do Instituto Butantã, um analgésico equivalente a morfina baseado no veneno da cobra Crotalus terrificus cujos direitos de propriedade industrial estão sendo explorados pelo consórccio CAT-COINFAR que reúne o Instituto Butantã, Biolab, Biosintétic e União Química,
·  o anti-inflamatório fitoterápico Acheflan desenvolvido pela equipe do prof. Calixto da USP e a Aché [9] . todo o desenvolvim,entodo Acheflan foi realizado com recursos próprios da empresa e apoio de agências de fomento fapesp e Finep.Em 2006 o produto conquistou o prêmio Lupa de Ouro na categoria de Prescrição e o segundo lugar no prêmio Finep de Inovação Tecnológica categoria Produto Região Sudeste.[10]
· a vacina contra câncer da FK Biotecnologia [11],
· molécula, patenteada com o nome Lapdesf1, desenvolvido por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) para aliviar os sintomas da anemia falciforme une os benefícios da talidomida e do quimioterápico hidroxiureia – já usado no tratamento crônico da doença – sem apresentar os efeitos tóxicos das drogas originais. A talidomida foi usada como sedativo e antiemético (contra náuseas), foi retirada do mercado em todo o mundo nos anos 1960 depois de provocar uma epidemia de recém-nascidos com malformações. Foi posteriormente reintroduzida nos anos 1990 para tratamento de câncer, hanseníase, lúpus e Aids.[12]
· Denominado HIVBr18, foi desenvolvido e patenteado uma vacina contra a AIDS pelos pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Edecio Cunha Neto, Jorge Kalil e Simone Fonseca. Em agosto de 2013 a vacina começou a ser testada em macacos. [13]
· A Cristália é detentora de dezenas de patentes de medicamentos, muitos dos quais com patente obtida no exterior. O Sevocris é um anestésico inalatório que tem como princípio ativo o sevoflurano. O Cristália foi o segundo laboratório do mundo a desenvolver o medicamento. A maior oferta proporcionou a queda no preço do produto, com maior acesso da população a um anestésico de ponta. Após a entrada de Sevocris no mercado, o preço de sevoflurano, hoje, é 1/3 do preço original. O Cristália já havia patenteado o produto na Europa, México, Japão e China. O Ketamin é um anestésico venoso criado na década de 50 que não vinha mais sendo usado. Sua fórmula é composta por duas partes. Uma delas causa muitos efeitos colaterais. O Cristália desenvolveu o Ketamin S+, composto apenas pela parte mais eficaz, possibilitando a redução da dose da medicação e dos efeitos adversos observados com a formulação original.[14]
· Na área dermatológica a PeleNova desenvolveu novos produtos com patentes negociadas junto a empresa francesa Valeant Pharmaceuticals International, vacinas contra câncer e HIV/AIDS desenvolvidas pela Genoa e licenciadas para a Lysosomal Membrane Associated Protein dos Estados Unidos, medicamentos para tratamento de câncer de seio e de ovário desenvolvidos no âmbito do projeto Recepta que reúne universidades brasileiras e dos Estados Unidos[15]
· Depois de cerca de 20 anos estudando a Streptococcus pyogenes, capaz de provocar condições como febre reumática e doença reumática cardíaca, pesquisadores brasileiros do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo coordenados pel pesquisadora Luiza Guilherme obtiveram em 2014 o deferimento da patente nos Estados Unidos de um composto eficaz contra a bactéria, que poderá se transformar em vacina.[16]
· Em 2005 a FIOCRUZ firmou quinze contratos novos de transferência de tecnologia incluindo projeto RMB-05 (Rede de Medicamentos e Bioinseticidas) de um fitoterápico á base de Vernonia condensata Baker com parceria da Fiocruz com a empresa Ybios.[17]
Dentro da nova política de inovação Gabriel Tannus observa que para programas como o Profarma/BNDES instituído em 2003 no âmbito da Política Industrial Tecnológica e de Compercio Exterior PITCE com investimentos em inovação de R$ 155 milhões em 2006: “se não houvesse garantias de retorno dos investimentos, provavelmente o BNDES não teria conseguido levar este programa à frente”. [18] Ao completar dois anos o Profarma já transferiu cerca de 1 bilhão de dólares para as empresas farmacêuticas. [19]
Na Turquia, Kirim mostra que, da mesma forma, a não patenteabilidade de fármacos não levou ao aumento da produção local ou induziu à capacitação tecnológica das firmas locais, que permaneceram como meras fabricantes de medicamentos copiados do exterior e importadoras de insumos obtidos de mercado alternativos, que não reconheciam patentes.[20] Na Itália, estudos mostram que nos anos 1970 quando o país não concedida patentes para fármacos, o mercado era dominado por grupos estrangeiros (72%), ao passo que na mesma época em setores onde eram concedidas patentes a predominância de mercado era dos grupos nacionais (fertilizantes 90%, fibras sintéticas 65%).[21]



[1] GADELHA, Carlos.O papel da inovação na indústria farmacêutica. In: BUSS, Paulo; CARVALHEIRO, José da Rocha; CASAS, Carmem. Medicamentos no Brasil, inovação & acesso, Rio de Janeiro:Fiocruz, 2008, p. 51
[2] TANNUS, Gabriel. Desenvolvimento tecnológico em medicamentos na indústria farmacêutica brasileira. In: BUSS, Paulo; CARVALHEIRO, José da Rocha; CASAS, Carmem. Medicamentos no Brasil, inovação & acesso, Rio de Janeiro:Fiocruz, 2008, p. 108
[3] VARELLA, Marcelo Dias. Propriedade Intelectual de setores emergentes. Sâo Paulo:Atlas, 1996 p.157
[4] EVANS, Peter. A tríplice Aliança. Rio de Janeio:Zahar, 1980, p. 114
[5] TANNUS, Gabriel. Desenvolvimento tecnológico em medicamentos na indústria farmacêutica brasileira. In: BUSS, Paulo; CARVALHEIRO, José da Rocha; CASAS, Carmem. Medicamentos no Brasil, inovação & acesso, Rio de Janeiro:Fiocruz, 2008, p. 112
[6] FURTADO, João. Estúdio sextorial sector farmacêutico de Brasil, Ciencia, Desarrollo y Educación Superior (Redes) - Centro de Formación para la Integración Regional (CEFIR), 2010, http://idl-bnc.idrc.ca/dspace/bitstream/10625/45331/1/131797.pdf
[7] TACHINARDI, Maria Helena. A guerra das patentes, Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1993, p. 180
[8] CHINEN, Akira. Know how e propriedade industrial, São Paulo:Ed. Oliveira Mendes, 1997, p.27
[9] http: //www.redetec.org.br/inventabrasil/acheflan.htm.
 
[10] NEVES, José Roberto. A produção nacional do setor privado: uma experiência de sucesso. In: BUSS, Paulo; CARVALHEIRO, José da Rocha; CASAS, Carmem. Medicamentos no Brasil, inovação & acesso, Rio de Janeiro:Fiocruz, 2008, p. 281-292
[11] http: // www.redetec.org.br/inventabrasil/fkbiotec.htm.
 
[12] TOLEDO, Karina. Fármaco brasileiro mostra bons resultados contra anemia falciforme, 19/08/2013 http://agencia.fapesp.br/17725
[13] TOLEDO, Karina. Vacina brasileira contra a Aids será testada em macacos, 05/08/2013 http://agencia.fapesp.br/17655
[14] http://www.2cristalia.com.br/profissionais/projetos.php
[15] RYAN, Michael. Patent incentives, technology markets and public-private bio-medical innovation networks in Brazil. World Development, 2010, v.38, n.8. p. 1082-1093
[16] http://agencia.fapesp.br/18621
[17] SANTOS, Tereza. Desenvolvimento tecnológico em fármacos e medicamentos na fiocruz. TANNUS, Gabriel. Desenvolvimento tecnológico em medicamentos na indústria farmacêutica brasileira. In: BUSS, Paulo; CARVALHEIRO, José da Rocha; CASAS, Carmem. Medicamentos no Brasil, inovação & acesso, Rio de Janeiro:Fiocruz, 2008, p. 126
[18] TANNUS, Gabriel. Desenvolvimento tecnológico em medicamentos na indústria farmacêutica brasileira. In: BUSS, Paulo; CARVALHEIRO, José da Rocha; CASAS, Carmem. Medicamentos no Brasil, inovação & acesso, Rio de Janeiro:Fiocruz, 2008, p. 111, 340
[19] COSTA, Eduardo. Poder de compra governamental. In: BUSS, Paulo; CARVALHEIRO, José da Rocha; CASAS, Carmem. Medicamentos no Brasil, inovação & acesso, Rio de Janeiro:Fiocruz, 2008, p. 348
[20] KIRIM,A.S. Reconsidering patents and economic development: a case study of the Turkish pharmaceutical industry. World Development, 1985, v.13, n.2, p.219-236 cf. MELLO, Maria Tereza Leopardi. Propriedade Intelectual e Concorrência. Revista Brasileira de Inovação, Rio de Janeiro, v.8, n.2, p.380, julho/dezembro de 2009
[21] JUCKER, E. Patents, why ?, Basle, 1972, p.51

Segundos usos: Turquia, Espanha, Equador


A Istanbul IP Court da Turquia em decisão de 2014 analisou a patenteabilidade de reivindicações de segundo uso médico, concluindo que as patentes concedidas pela EPO segundo a EPC1973 (antes portanto da entrada em vigor da EP2000) eram nulas uma vez que o fundamento legal para tais patentes foi introduzido na EPC apenas com a nova redação do artigo 54(4) na reforma da EPC2000: “Paragraphs 2 and 3 shall not exclude the patentability of any substance or composition, comprised in the state of the art, for use in a method referred to in Article 53(c), provided that its use for any such method is not comprised in the state of the art”. Este entendimento contraria a decisão do Enlarged Boards of Appeal em G5/83 em 1984 concluíra que tais reivindicações seriam admitidas pela EPC1973. A Suprema Corte da Turquia em decisão de 2015 reverteu esta decisão e reconheceu que a EPC1973 não possuía nenhuma indicação explícita de que aceitava reivindicações de segundo uso médico o que somente veio a ocorrer na EPC2000, contudo G5/83 já havia concluído pela patenteabilidade, portanto, a Suprema Corte entende que não houve qualquer modificação nesse sentido na EPC quanto a patenteabilidade dos segundos usos médicos. A lei de patentes da Turquia não sofreu qualquer modificação no artigo 6 quando delimita as matérias excluídas da proteção patentária e não há qualquer exclusão aos segundos usos. [1]

Na Espanha a Ley n° 24/2015, de 24 de julho de 2015 explicita a possibilidade de patentes para substâncias ou composições já conhecidas para uso como medicamento ou para novas aplicações terapêuticas[2].  Segundo o artigo 5.4 não se considera patenteáveis “Los métodos de tratamiento quirúrgico o terapéutico del cuerpo humano o animal, y los métodos de diagnóstico aplicados al cuerpo humano o animal. Esta disposición no será aplicable a los productos, en particular a las sustancias o composiciones, ni a las invenciones de aparatos o instrumentos para la puesta en práctica de tales métodos”. Segundo o artigo 6° incisos (apartados) 4 e 5 “(4).  Lo dispuesto en los apartados 2 y 3 no excluirá la patentabilidad de cualquier sustancia o composición comprendida en el estado de la técnica para ser usada en alguno de los métodos mencionados en el artículo 5.4 siempre que su utilización para cualquiera de esos métodos no esté comprendida en el estado de la técnica. (5). Lo dispuesto en los apartados 2 y 3 no excluirá la patentabilidad de una sustancia o composición de las señaladas en el apartado 4 para una utilización determinada en alguno de los métodos mencionados en el artículo 5.4 siempre que dicha utilización no esté comprendida en el estado de la técnica”.[3]

O Equador publicou em dezembro de 2016 o Codigo Organico de la Economia Social de los Conocimientos, creatividad e innovación, que prevê no artigo 268 que não se consideram invenções “(3) uma nova forma de uma substância, incluindo os sais, ésteres, éteres, complexos, combinações e outros derivados, (4) os polimorfos, metabólitos, formas puras, tamanho de partívulas e isômeros, (5) os usos e qualquer propriedade nova ou uso novo de uma substância conhecida ou utilização de um procedimento”.[4] A decisão 486 do Regime comum sobre Propriedade Industrial da Comunidade Andina em seu artigo 21 estabelece que “os produtos ou procedimentos já patenteados, compreendidos no estado da técnica, de conformidade com o artigo 16 da presente Decisão, não sejam objetos de nova patente, pelos simples fato de atribuir um uso distinto ao originalmente compreendido pela patente inicial”, ou seja a patente de segundo uso será rejeitada por falta de novidade. Na Índia o Patents Act de 1 de janeiro de 2005 estabelece no artigo 3(d) que não será patenteável “a mera descoberta de uma nova forma de uma substância conhecida que não resulta em um aumento da eficácia conhecida daquela substância ou a mera descoberta de qualquer nova propriedade ou novo uso para uma substância conhecida ou, ainda, o mero uso de um processo, máquina ou mecanismo a não ser que este processo conhecido resulte em um novo porduto ou empregue no mínimo um novo reagente”. Para Antonio Figueira Barbosa a questão da patenteabilidade dos novos usos não deve se limitar a uma análise técnico jurídica mas deve contemplar os interesses relativos à saúde pública.[5]



[1] ERCIYAS, Selin. International report - Supreme Court overturns IP court decision declaring second medical use patent null and void, 21/10/2015 http://www.iam-media.com/
[2] ELENA, MOLINA. New Year - New Patents Act for Spain, 05/01/2016 http://ipkitten.blogspot.com.br/2016/01/new-year-new-patents-act-for-spain.html
[3] http://www.oepm.es/export/sites/oepm/comun/documentos_relacionados/Noticias/2015/2015_07_27_Nueva_Ley_de_Patentes_BOE-A-2015-8328.pdf
[4] http://www.asambleanacional.gob.ec/es/multimedios-legislativos/38877-codigo-organico-de-la-economia-social
[5] BARBOSA, Antonio Luiz Figueira. O segundo uso do debate. In: BUSS, Paulo; CARVALHEIRO, José da Rocha; CASAS, Carmem. Medicamentos no Brasil, inovação & acesso, Rio de Janeiro:Fiocruz, 2008, p. 427-432