O Brasil
suspendeu o patenteamento de produtos farmacêuticos em 1945 e de processos
farmacêuticos em 1969. Em 1971 a exclusão com a Lei n° 5771/71 seria ampliada
para produtos químicos farmacêuticos bem como os respectivos processos de
obtenção ou modificação. Quase quatro décadas de liberdade de cópia e ausência
de patentes não trouxeram qualquer desenvolvimento tecnológico autônomo na área
de fármacos no Brasil, ao contrário, somente com a LPI surgem os primeiros
fármacos desenvolvidos no país. Algumas iniciativas promovidas por uma política
de compras do Ministério da Saúde nos anos 1980 e mecanismos de proteção do
mercado nacional viabilizaram alguns desenvolvimentos tecnológicos como os
observados na Companhia de Desenvolvimento Tecnológico (Codetec) na área de
síntese química e a Biobrás na produção de insulina. [1] Segundo Gabriel
Tannus: “a visão dirigista da época
freava as iniciativas dos empreendedores, com cotas de importação limitando a
expansão da frágil indústria local e um irracional controle de preços exercido
pelo extinto Conselho Interministerial de Preços (CIP). O modelo de
substituição de importações, voltado para o insignificante mercado interno, em
nada contribuiu para incentivar os empreendedores da época”.[2]
Com ausência de uma política pública para o setor e o grande incremento na
inovação observado desde o final da segunda grande guerra pelas indústrias
estrangeiras e as políticas de incentivo à entrada de capitais estrangeiros que
caracterizaram a política econômica na década de 1950, foram alguns dos
aspectos que contribuíram para enfraquecer o poder de competição das empresas
nacionais.
O resultado foi uma grande onda de desnacionalização da indústria
farmacêutica nacional nos anos 1960. Assim foram vedidos a Laboraterápica para
Bristol (1957), Moura Brasil para Merrel (1958), Endochimica para Mead Johnson
(1960), Novotherápica para Bracco (1961), Sintético para Searle (1967),
Instituto Pinheiros para Syntex (1972), Quimiofarma para Boehringer (1972),
Procampo para Schering (1974)[3] Peter
Evans cita o exemplo a indústria farmacêutica como “arquétipo da
desnacionalização”.[4]
Para Evans “as primeiras firmas
brasileiras a serem compradas era as que dispunham de uma tradição científica
mais respeitada. Para a firma compradora estrangeira, quanto maior a reputação
da firma entre a comunidade médica, maior a utilidade que ela teria para
conseguir a aceitação de sua linha de produtos. A maior parte das firmas
compradoras internacionais continuaram a vender os produtos criados pelas
empresas que compraram”. Gabriel Tannus observa que enquanto na época de
não concessão de patentes à medicamentos o setor se desnacionalizada, na época
após a LPI o que se observa é um aumento da participação da empresa nacional no
mercado. Em 2000 as empresas nacionais representava, 28% do mercado farmacêutico
ao passo que em 2005 esse percentual aumenta para 41% em grande parte em
resposta a política de medicamentos genéricos instituída a partir de 1999. Os
produtos patenteados respondem por 15% do mercado em 2005 o que significa que
as empresas nacionais podem competir nos 85% restantes. [5]
Segundo João Furtado: “Entre
1958 e 1972, quarenta e três empresas nacionais foram incorporadas por empresas
de capital estrangeiro, sobretudo estadunidense (Bermudez, 1992). Empresas que
haviam obtido relativo sucesso, como o Instituto Pinheiros e a Laborterápica,
foram incorporadas por grupos estrangeiros que deixaram de produzir a linha de
medicamentos até então existente, tão logo concretizaram a compra dos
laboratórios nacionais. Além disso, os antigos donos – em muitos casos
cientistas qualificados – foram afastados, reduzindo significativamente a
competência científica e tecnológica da indústria local (Ribeiro, 2001). Este
padrão, muitas vezes repetido neste e em outros setores, indica de maneira
clara os objetivos da aquisição – acesso rápido ao mercado brasileiro. Em 1945,
as empresas de capital nacional representavam 70% do mercado local,
participação que caiu para aproximadamente 25% no final da década de 1970. Em
1957, constavam cinco laboratórios nacionais entre as vinte maiores empresas do
mercado brasileiro. Em 1960, esse número caiu para quatro e, em 1975, se
reduziu para uma única empresa (Bermudez, 1992). Em 1985, entre os 50 maiores
laboratórios, que representavam 84% do mercado brasileiro, apenas cinco eram de
capital nacional e os 15 maiores laboratórios nacionais respondiam por apenas
por cerca de 11% do faturamento total da indústria (Gerez e Pedrosa, 1987)”.[6]
Um estudo da Codetec estima em que as multinacionais acumularam
perdas de 0.6% de seu faturamento (vendas em farmácias) com as cópias de seus
medicamentos pirateados no Brasil, enquanto que dados elaborados pelo IMS/Glaxo
elevam estas perdas para algo em torno de 13%. A Glaxom, por exemplo, faturou
entre março de 1991 e março de 1992 US$ 17,6 milhões com a venda de seu
medicamento Antak, ao passo que cinco cópias do mesmo porduto faturaram no
mesmo período US$ 16,7 milhões. [7]
Segundo Jose Goldemberg em artigo escrito logo após a aprovação da
LPI: “o melhor exemplo disso foi o que
aconteceu com a decisão do governo, em 1971, de não permitir o patenteamento de
produtos farmacêuticos, para que este setor da indústria nacional se
fortalecesse. Isso permitiu aos laboratórios nacionais entrarem com o método de
cópia de similar estrangeiro. A ideia era de que grandes investimentos fossem
feitos em desenvolvimento científico, de modo que, quando uma nova lei de
patentes fosse introduzida, o país já tivesse atingido capacitação própria.
Esse esforço não teve sucesso, o que justificou a adoção da nova lei de patentes,
que não permite a pirataria. Claramente nesse caso, o setor empresarial não
teve a capacidade de se beneficiar das vantagens concedidas pelo governo
durante vinte e cinco anos”. [8]
Com a
proteção por patentes, a partir de 1996, começaram a surgir os primeiros
remédios feitos por laboratórios brasileiros como
· a vacina contra hepatite B do Instituto Butantã, um analgésico
equivalente a morfina baseado no veneno da cobra Crotalus terrificus cujos direitos de propriedade industrial estão
sendo explorados pelo consórccio CAT-COINFAR que reúne o Instituto Butantã,
Biolab, Biosintétic e União Química,
· o anti-inflamatório fitoterápico Acheflan desenvolvido pela equipe
do prof. Calixto da USP e a Aché [9]
. todo o desenvolvim,entodo Acheflan foi realizado com recursos próprios da
empresa e apoio de agências de fomento fapesp e Finep.Em 2006 o produto
conquistou o prêmio Lupa de Ouro na categoria de Prescrição e o segundo lugar
no prêmio Finep de Inovação Tecnológica categoria Produto Região Sudeste.[10]
· a vacina contra câncer da FK Biotecnologia [11],
· molécula, patenteada com o nome Lapdesf1, desenvolvido por
pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) para aliviar os
sintomas da anemia falciforme une os benefícios da talidomida e do
quimioterápico hidroxiureia – já usado no tratamento crônico da doença – sem
apresentar os efeitos tóxicos das drogas originais. A talidomida foi usada como
sedativo e antiemético (contra náuseas), foi retirada do mercado em todo o
mundo nos anos 1960 depois de provocar uma epidemia de recém-nascidos com
malformações. Foi posteriormente reintroduzida nos anos 1990 para tratamento de
câncer, hanseníase, lúpus e Aids.[12]
· Denominado HIVBr18, foi desenvolvido e patenteado uma vacina
contra a AIDS pelos pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo (FMUSP) Edecio Cunha Neto, Jorge Kalil e Simone Fonseca. Em agosto de
2013 a vacina começou a ser testada em macacos. [13]
· A Cristália é detentora de dezenas de patentes de medicamentos,
muitos dos quais com patente obtida no exterior. O Sevocris é um anestésico
inalatório que tem como princípio ativo o sevoflurano. O Cristália foi o
segundo laboratório do mundo a desenvolver o medicamento. A maior oferta
proporcionou a queda no preço do produto, com maior acesso da população a um
anestésico de ponta. Após a entrada de Sevocris no mercado, o preço de
sevoflurano, hoje, é 1/3 do preço original. O Cristália já havia patenteado o
produto na Europa, México, Japão e China. O Ketamin é um anestésico venoso
criado na década de 50 que não vinha mais sendo usado. Sua fórmula é composta
por duas partes. Uma delas causa muitos efeitos colaterais. O Cristália
desenvolveu o Ketamin S+, composto apenas pela parte mais eficaz,
possibilitando a redução da dose da medicação e dos efeitos adversos observados
com a formulação original.[14]
· Na área dermatológica a PeleNova desenvolveu novos produtos com
patentes negociadas junto a empresa francesa Valeant Pharmaceuticals
International, vacinas contra câncer e
HIV/AIDS desenvolvidas pela Genoa e licenciadas para a Lysosomal Membrane Associated Protein dos Estados Unidos,
medicamentos para tratamento de câncer de seio e de ovário desenvolvidos no
âmbito do projeto Recepta que reúne universidades brasileiras e dos Estados
Unidos[15]
· Depois de cerca de 20 anos estudando a Streptococcus pyogenes,
capaz de provocar condições como febre reumática e doença reumática cardíaca,
pesquisadores brasileiros do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo coordenados pel
pesquisadora Luiza Guilherme obtiveram em 2014 o deferimento da patente nos
Estados Unidos de um composto eficaz contra a bactéria, que poderá se
transformar em vacina.[16]
· Em 2005 a FIOCRUZ firmou quinze contratos novos de transferência
de tecnologia incluindo projeto RMB-05 (Rede de Medicamentos e Bioinseticidas)
de um fitoterápico á base de Vernonia condensata Baker com parceria da Fiocruz
com a empresa Ybios.[17]
Dentro
da nova política de inovação Gabriel Tannus observa que para programas como o
Profarma/BNDES instituído em 2003 no âmbito da Política Industrial Tecnológica
e de Compercio Exterior PITCE com investimentos em inovação de R$ 155 milhões
em 2006: “se não houvesse garantias de
retorno dos investimentos, provavelmente o BNDES não teria conseguido levar
este programa à frente”. [18] Ao
completar dois anos o Profarma já transferiu cerca de 1 bilhão de dólares para
as empresas farmacêuticas. [19]
Na
Turquia, Kirim mostra que, da mesma forma, a não patenteabilidade de fármacos
não levou ao aumento da produção local ou induziu à capacitação tecnológica das
firmas locais, que permaneceram como meras fabricantes de medicamentos copiados
do exterior e importadoras de insumos obtidos de mercado alternativos, que não
reconheciam patentes.[20] Na
Itália, estudos mostram que nos anos 1970 quando o país não concedida patentes
para fármacos, o mercado era dominado por grupos estrangeiros (72%), ao passo
que na mesma época em setores onde eram concedidas patentes a predominância de
mercado era dos grupos nacionais (fertilizantes 90%, fibras sintéticas 65%).[21]
[1] GADELHA, Carlos.O papel da inovação
na indústria farmacêutica. In: BUSS, Paulo; CARVALHEIRO, José da Rocha; CASAS,
Carmem. Medicamentos no Brasil, inovação & acesso, Rio de Janeiro:Fiocruz,
2008, p. 51
[2] TANNUS, Gabriel. Desenvolvimento tecnológico
em medicamentos na indústria farmacêutica brasileira. In: BUSS, Paulo;
CARVALHEIRO, José da Rocha; CASAS, Carmem. Medicamentos no Brasil, inovação
& acesso, Rio de Janeiro:Fiocruz, 2008, p. 108
[3]
VARELLA, Marcelo Dias. Propriedade Intelectual de setores emergentes. Sâo
Paulo:Atlas, 1996 p.157
[4]
EVANS, Peter. A tríplice Aliança. Rio de Janeio:Zahar, 1980, p. 114
[5] TANNUS, Gabriel. Desenvolvimento tecnológico
em medicamentos na indústria farmacêutica brasileira. In: BUSS, Paulo;
CARVALHEIRO, José da Rocha; CASAS, Carmem. Medicamentos no Brasil, inovação
& acesso, Rio de Janeiro:Fiocruz, 2008, p. 112
[6]
FURTADO, João. Estúdio sextorial sector farmacêutico de Brasil, Ciencia,
Desarrollo y Educación Superior (Redes) - Centro de Formación para la
Integración Regional (CEFIR), 2010, http://idl-bnc.idrc.ca/dspace/bitstream/10625/45331/1/131797.pdf
[7]
TACHINARDI, Maria Helena. A guerra das patentes, Rio de Janeiro:Paz e Terra,
1993, p. 180
[8]
CHINEN, Akira. Know how e propriedade industrial, São Paulo:Ed. Oliveira
Mendes, 1997, p.27
[9] http:
//www.redetec.org.br/inventabrasil/acheflan.htm.
[10] NEVES, José Roberto. A produção
nacional do setor privado: uma experiência de sucesso. In: BUSS, Paulo;
CARVALHEIRO, José da Rocha; CASAS, Carmem. Medicamentos no Brasil, inovação
& acesso, Rio de Janeiro:Fiocruz, 2008, p. 281-292
[11] http:
// www.redetec.org.br/inventabrasil/fkbiotec.htm.
[12]
TOLEDO, Karina. Fármaco brasileiro mostra bons resultados contra anemia
falciforme, 19/08/2013 http://agencia.fapesp.br/17725
[13]
TOLEDO, Karina. Vacina brasileira contra a Aids será testada em macacos,
05/08/2013 http://agencia.fapesp.br/17655
[14]
http://www.2cristalia.com.br/profissionais/projetos.php
[15] RYAN, Michael. Patent incentives, technology markets
and public-private bio-medical innovation networks in Brazil. World
Development, 2010, v.38, n.8. p. 1082-1093
[16] http://agencia.fapesp.br/18621
[17] SANTOS, Tereza. Desenvolvimento tecnológico
em fármacos e medicamentos na fiocruz. TANNUS, Gabriel. Desenvolvimento tecnológico
em medicamentos na indústria farmacêutica brasileira. In: BUSS, Paulo;
CARVALHEIRO, José da Rocha; CASAS, Carmem. Medicamentos no Brasil, inovação
& acesso, Rio de Janeiro:Fiocruz, 2008, p. 126
[18] TANNUS, Gabriel. Desenvolvimento tecnológico
em medicamentos na indústria farmacêutica brasileira. In: BUSS, Paulo;
CARVALHEIRO, José da Rocha; CASAS, Carmem. Medicamentos no Brasil, inovação
& acesso, Rio de Janeiro:Fiocruz, 2008, p. 111, 340
[19]
COSTA, Eduardo. Poder de compra governamental. In: BUSS, Paulo; CARVALHEIRO, José da Rocha; CASAS,
Carmem. Medicamentos no Brasil, inovação & acesso, Rio de Janeiro:Fiocruz,
2008, p. 348
[20] KIRIM,A.S. Reconsidering patents and economic
development: a case study of the Turkish pharmaceutical industry. World
Development, 1985, v.13, n.2, p.219-236 cf. MELLO, Maria Tereza Leopardi. Propriedade
Intelectual e Concorrência. Revista Brasileira de Inovação, Rio de Janeiro,
v.8, n.2, p.380, julho/dezembro de 2009
[21] JUCKER, E. Patents, why ?, Basle, 1972, p.51
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