sábado, 28 de outubro de 2017

Patentes e o interesse público


A Constituição de 1988 refere-se a questão ao tratar dos direitos individuais no Artigo 5º inciso XXIX “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”. No Título VII que trata da Ordem Econômica e Financeira o artigo 170 estabelece que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da propriedade privada e da função social da propriedade. Segundo o TRF3 “A Constituição Federal protege a propriedade na medida em que atenda à sua função social, ou seja, a propriedade não pode obstar à realização dos objetivos públicos e do interesse social.”[1] Tais garantias constitucionais existem desde a primeira Constituição[2] de 1824 com exceção da Constituição de 1937 do Estado Novo de Getúlio Vargas, de caráter anti-individualista em função de um Estado forte. Ainda assim, Pontes de Miranda e Gama Cerqueira ressaltam que mesmo diante desta omissão a garantia constitucional não desapareceu, face ao Artigo 122 da mesma Constituição que garantia o direito à propriedade [3].
O sistema de patentes deve, portanto, encontrar um equilíbrio entre o interesse privado do titular da patente o interesse público da sociedade, sendo estes dois interesses legítimos e constitucionais. O mesmo capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos estabelece no inciso xxii que é garantido o direito de propriedade e no inciso xxiii que a propriedade atenderá a sua função social. Ao observar que o direito à propriedade intelectual é um direito constitucional Gabriel Di Blasi conclui: “isso significa dizer que o seu exercício não é um fim em si mesmo, mas antes um meio de promover os valores sociais, cujo vértice central encontra-se na própria pessoa humana” [4]. Segundo Cláudio Barbosa: “A função social é alcançada com a manutenção de um fluxo de criação e circulação de informação, criando-se um valor econômico e social. Quando a proteção é excessiva, perde-se a função de incentivo, estanca-se a criação e a circulação da informação, e, consequentemente, constata-se que a proteção gera externalidades negativas, acarretando um custo social”.[5] Para Pontes de Miranda toda a propriedade só se justifica por sua função social.[6] Segundo o Ministro Celso Bandeira de Mello: “O interesse social, quando em conflito com o indivíduo deve prevalecer, porque a sociedade é o meio, em que o homem vive; não há homem fora da sociedade [...] O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral do Direito inerente a qualquer sociedade”.[7]
Para Hely Lopes Meirelles: “enquanto o direito privado repousa sobre a igualdade das partes na relação jurídica, o Direito Público assenta em princípio inverso, qual seja, o da supremacia do Poder Público sobre os cidadãos dada a prevalência dos interesses coletivos sobre os individuais [...] Sempre que entrarem em conflito o direito do indivíduo e o interesse da comunidade, há de prevalecer este, um vez que o objetivo prpimacial da Administração é o bem comum. As leis administrativas visam, geralmente, a assegurar essa supremacia do Poder Público sobre os indivíduos, enquanto necessária á consecução dos fins d Administração. Ao aplicador da lei compete interpretá-la de modo a estabelecer o equilíbrio entre os privilégios estatais e os direitos individuais, sem perder de vista aquela supremacia [...] os fins da administração pública resumem-se num único objetivo: o bem comum da coletividade administrada. Toda atividade do administrador públici deve ser orientada para esse objetivo [...] Todo ato  que se apartar desse objetivo sujeitar-se-á a invalidação por desvio de finalidade [...] Desde que a Administração Pública só se justifica como fator de realização do interesse coletivo, seus atos hão de se dirigir sempre e sempre para um fim público, sendo nulos quando satisfizerem pretensões descoincidentes do interesse coletivo”. [8] Segundo o TJSP: “o controle jurisdicional se restringe ao exame da legalidade do ato administrativo, mas por legalidade ou legitimidade se entende não so a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo”. Segundo o TJSP “ninguém adquire direito contra o interesse público”.[9]
 
Hely Lopes Meireles
 
Segundo Lucas Rocha Furtado [10]a propriedade privada, como posta na Constituição, vincula-se a um fim – a função social – não sendo garantida em termos absolutos, mas apenas na medida em que atenda este fim”, ou seja, os direitos do inventor “não poderão sobrepor-se aos interesses sociais e nem frustrar a realização da função social do direito de propriedade industrial, sendo certo ainda que visarão sempre ao desenvolvimento tecnológico e econômico do País”. Este mesmo princípio está expresso no artigo 2º da LPI: “A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade“.
 


[1] TRF3 Processo: AMS 10245 SP 2003.61.00.010245-5 Relator(a): DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN MAIA Julgamento: 06/05/2010 Órgão Julgador: SEXTA TURMA http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/9222998/apelacao-em-mandado-de-seguranca-ams-10245-sp-20036100010245-5-trf3
[2] MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 114
[3] CERQUEIRA. op. cit., v. I, p. 107
[4] Di BLASI, Gabriel. A propriedade Industrial: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais e transferência de tecnologia.Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 46. 
[5] BARBOSA, Cláudio. Propriedade Intelectual: introdução à propriedade intelectual como informação. Rio de Janeiro:Elsevier, 2009, p.53
[6] MIRANDA, Pontes. Tratado do Direito Privado, Rio de Janeiro:Borsoi, tomo XVI, 1956, p.256
[7] MELLO, Celso Bandeira . Curso de direito administrativo, São Paulo: Malheiros, 2011, p. 96 cf. BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Direito Civil da propriedade intelectual: o caso da usucapião de patentes. Rio de Janeiro, Lumen Juris,2012, p.8
[8] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo:Malheiros editores, 1990, p.44, 84, 88, 133
[9] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo:Malheiros editores, 1990, p.117
[10] FURTADO, Lucas Rocha. Sistema de Propriedade Industrial no Direito brasileiro. Brasília: Brasília Jurídica, 1996. p. 22
 

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