Carlos
Alberto Primo Braga[1] do Banco Mundial apresenta
um estudo de Sonia Dahab de 1986 que mostra que na indústria de máquinas e
implementos agrícolas no Brasil a proteção de modelos de utilidade estimulou o
desenvolvimento de invenções adaptativas e habilitou as empresas a aumentarem
sua competitividade com firmas multinacionais. [2] O
exemplo analisa o segmento de máquinas agrícolas que segundo estudo do INPI de
1982 era considerado o setor tecnológico com o maior número de depósitos de
modelos de utilidade com 18% dos depósitos totais.[3]
Keith
Maskus citando o mesmo exemplo de Sonia Dahab mostra que “Direitos de propriedade intelectual podem desempenhar um papel
significativo em encorajar a inovação, desenvolvimento de produtos e mudanças
tecnológicas. Países em desenvolvimento tendem a ter sistemas de propriedade
intelectual que favorecem a difusão de informações através de canais de
imitação de baixo custo de produtos e tecnologias estrangeiras [...] Contudo, a
proteção insuficiente de propriedade intelectual pode inibir a mudança
tecnológica mesmo em níveis baixos de desenvolvimento econômico. Isto porque
muita invenção e inovação de produto são alcançadas em mercados locais e
poderiam se beneficiar da proteção doméstica de patentes, modelos de utilidade
e segredos de negócio. Na grande maioria dos casos tais invenções envolvem adaptações
menores de tecnologias e produtos existentes. O impacto cumulativo destas
pequenas invenções pode se tornar crítico para o crescimento do conhecimento e
a produtividade de tais atividades [...] Países que preservam padrões fracos de
proteção por outro lado podem de tornar dependentes de uma ineficiência
dinâmica por parte das firmas que se limitam a se basear suas ações na
pirataria e imitação”.[4]
Sonia
Dahab mostra que o setor de exportação de produtos agrícolas impulsionou o
desenvolvimento do setor e já em 1927 duas empresas brasileiras Baldan e no ano
seguinte a Marchesan iniciaram suas atividades na produção de implementos
agrícolas. Nos anos 1950 e 1960 o setor marca uma fase de substituição de
importações e novas empresas se instalam no país em especial no Estado de São
Paulo e Rio Grande do Sul como Massey Fergunson (EUA), Valmet (Finlândia),
Kubotta (Japão), Yanmar (Japão) e Ford (EUA) esta última para fabricação de
tratores. Políticas de crédito rural governamentais adotadas após 1968 intensificaram
a mecanização da agricultura brasileira.
Em
1962 a Agrale é fundada, em Porto Alegre com a denominação de Agrisa,
produzindo motocultivadores e motores diesel. Em 1965 o Grupo Francisco Stedile
adquire o controle acionário da Agrisa transferindo-a para Caxias do Sul
alterando sua denominação para Agrale S.A Tratores e Máquinas. [5] O
modelo original de sua linha de tratores de pequeno porte foi baseado em modelo
da uma empresa alemã Hartz, o que permitiu o desenvolvimento de um novo motor
adaptado às condições de terreno locais, contribuindo para a empresa encontrar
um nicho de mercado no segmento de tratores de pequeno porte. A Agrale firmou joint venture com a Renault para
produção de nova linha de tratores e com a empresa italiana Erpus para tecnologia
de sistemas hidráulicos em tratores.
Em
1965 foi fundada a Mecânica Agrícola Rossato Ltda em Passo Fundo, Rio Grande do
Sul. Nos anos 1970 a política de governo de juros zero para aquisição de
maquinário agrícola estimulou a produção. Dentre as tecnologias que foram
aplicadas nessa época pela Mecânica Agrícola Rossato Ltda estavam os discos
ondulados e estriados para plantio direto, compactador para plantio direto e
plantio de algodão, kit para aplicação de inseticida e abridor de sulco para
plantio de milho. Foi nesta época que surgiram os kits para diversificação das
culturas como amendoim e algodão, dentre outras. As máquinas saíam de fábrica
montadas para grãos miúdos e com esses kits poderiam ser usadas para outras
culturas. Com a expansão da produção a empresa mudaria de nome para Semeato em
1974.[6] Em
1975 o Programa Nacional do Álcool teria um impacto muito grande na demanda por
tratores e implementos agrícolas, assim como a diversificação da pauta de
exportação com a soja. Enquanto em 1970 cerca de 48% das colheitadeiras eram
importadas, este índice cairia para 4% em 1976.
O
crescimento do setor de tratores impulsionou a demanda por implementos
agrícolas. Enquanto o setor de tratores em 1980 era dominado por empresas
estrangeiras, a área de implementos agrícolas, envolvendo uma ampla variedade
de produtos para preparação do solo, fertilização, cultivo, irrigação,
aplicação de pesticidas, colheita, transporte e armazenamento, era dominada por
empresas brasileiras de médio e pequeno porte como Marchesan, Baldan, Jumil,
Jacto, Madal, Santal, Penha, entre outras. O setor de implementos agrícolas é
adaptável as condições geográficas e agrícolas do país e as especificidades de
cada colheita, conhecimento prático de domínio das pequenas e médias empresas
locais. Dada a sazonalidade das colheitas há uma tendência das empresas em
ampliarem sua linha de produtos. Forma-se, portanto, um mercado atraente para
pequenas e médias empresas, pulverizadas em uma grande linha de produtos que
afastava o interesse das grandes empresas. A própria instabilidade da política
de crédito rural favorecia as pequenas e médias empresas segundo Sonia Dahab. O
fato do setor de implementos agrícolas mostrar uma grande variedade de
dispositivos adaptados a melhoria funcional para cada tipo de colheita e o fato
de ser um setor dominado por pequenas e médias empresas nacionais tornava tal
setor particularmente atraente para utilização do sistema de proteção por
modelos de utilidade.
Sonia
Dahab destaca que a tecnologia estrangeira exerceu um papel positivo em elevar
a capacitação tecnológica no esforço de P&D das empresas locais. Neste
sentido a autora destaca o grau de complementaridade das tecnologias
estrangeiras protegidas por patentes de invenção e os desenvolvimentos de empresas
nacionais protegidos por modelos de utilidade. O desenvolvimento de nova linha
de tratores da Valmet, por exemplo, exigiu intensa colaboração entre os setores
de P&D da matriz na Finlândia e da subsidiária brasileira. Por outro lado,
um modelo de pesquisa centralizado na matriz adotado pela Massey Fergusson é
apontado por Sonia Dahab como uma dos fatores que contribuíram para perda de
mercado da empresa no Brasil.
Sonia
Dahab ao analisar as patentes depositadas no Brasil no período de 1970-1981 no
setor de máquinas e implementos agrícolas observa que para produtos de baixa
tecnologia 20% das patentes depositadas são de modelo de modelo de utilidade ao
passo que para produtos considerados de alta tecnologia este índice cai para
6%. Observa-se uma simetria entre diferentes setores tecnológicos uma vez que
no nível tecnológico mais baixo observa-se que 70% das patentes é depositada
por indivíduos, ao passo que no segmento de alta tecnologia 70% das patentes é
depositada por empresas. Uma amostragem com 25 empresas de pequeno porte, 35 de
médio porte e 40 de grande porte mostra que das 21 inovações introduzidas no
mercado por pequenas empresas apenas 11 foram protegidas por patentes (52%)
sendo que destas a maioria (6), por modelo de utilidade (55%). Para as grandes
empresas de 36 inovações introduzidas no mercado, 26 foram patenteadas (72%)
sendo apenas 2 (7%) por modelo de utilidade. Sonia Dahab conclui que as
empresas brasileiras souberam aproveitar os nichos de mercado que se abriram
com a entrada de empresas estrangeiras e que os modelos de utilidade tiveram um
papel importante nesta estratégia: “Este
estudo revela que os modelos de utilidade cumpriram sua função de fornecer
direitos de propriedade aos inovadores individuais brasileiros, os quais
focaram sua ação em inovações em produtos de reposição e implementos agrícolas
e produtos de menor complexidade tecnológica”. A entrada de empresas
estrangeiras em um primeiro momento e a necessidade de competir em mercados de
exportação internacionais foram forças que contribuíram enormemente para o
dinamismo tecnológico da indústria brasileira do setor.
Em
outro estudo [7] João Pereira analisa o
processo de inovação na empresa Agrimec Implementos Agrícolas de Santa Maria,
Rio Grande do Sul. Segundo os autores: “Os
resultados evidenciam que ela inova predominantemente de forma incremental;
possui uma estrutura que dá suporte à inovação; o processo de desenvolvimento
de novos produtos é considerado importante e a empresa tem obtido resultados
satisfatórios e contribuído para a economia local e do país”. A empresa surgiu
em 1974 para industrializar um produto para capina mecânica da soja, a
“capinadeira rotativa de lâminas helicoidais”, a qual recebeu o nome de Rotacarp.
O surgimento de um herbicida para a soja, criado pela Monsanto, tornou o
produto obsoleto, o que forçou a empresa a buscar novos produtos. As
dificuldades do setor agrícola nos anos 1980 até fins dos anos 1990 foram
superadas com diversos novos produtos, totalizando hoje mais de 14 produtos,
sendo três deles com patentes requeridas (MU8302925, MU8301950, MU6402124),
entre os quais o MU8301950 relativo a plaina niveladora multilâminas para
preparo do solo, tendo recebido o Prêmio Visão da Agroindústria de 2010 com
destaque no setor sucroalcooleiro.
Segundo
Relatório do Banco Mundial os modelos de utilidade no Brasil tem sido usados
pela indústria de máquinas agrícolas na adaptação de tecnologias estrangeiras.
Entre estes depositantes destaca-se a Semeato. De 1990 a 2010 a empresa contou
com cerca de 100 depósitos de modelos de utilidade 150 de patente de invenção
no INPI, tendo o perfil de depósitos se modificado a partir de 2004 quando
atingiu um pico de 50 depósitos de patentes passando a depositar mais patentes
de invenção do que modelos de utilidade mostrando um amadurecimento tecnológico
(Figura 1).[8]
A Semeato com um portfólio de mais de 200 pedidos de
patente possui uma política voltada para a proteção de suas invenções assim
como pelo enforcement das mesmas.
Segundo Carolina Tagliari em entrevista concedida em 2006 "A adaptação de soluções para o solo
brasileiro fez da Semeato uma empresa inovadora. De cinco ou seis anos para cá,
a empresa decidiu proteger tudo o que é novo e é desenvolvido aqui. Foi quando
criamos o Departamento de Marcas e Patentes".[9]
Com cerca de 150 ações na justiça em todo o Brasil a nova postura da Semeato
fez com as empresas concorrentes também passassem a patentear suas invenções.[10]
Entre as principais inovações da empresa encontram-se o "Facão Efeito
Guilhotina", que permite uma maior profundidade e proporciona melhor
aeração, infiltração e crescimento das raízes e a SHP (semente e adubo), a
única semeadora de parcelas fabricada no Brasil e especialmente projetada para
auxiliar pesquisadores em áreas experimentais. [11]
[1] SIEBECK,
Wolfgang; EVENSON, Robert; LESSER, William; BRAGA, Carlos A. Primo. Strengthening protection of intellectual
property in developing countries: a survey of the literature. World Bank
Discussion Paper, n.112, Washington, 1990, p.42
http://www-wds.worldbank.org/servlet/WDSContentServer/WDSP/IB/2000/01/06/
000178830_98101903544215/Rendered/PDF/multi_page.pdf
[2] DAHAB,
Sonia. The agricultural machinery and
implement industry in Brazil: its historical development and inventive activity.
Yale University, september 1985
[3]
INPI. Política do INPI na área de modelos
de desenhos industriais. Rio de Janeiro, agosto de 1982
[4] MASKUS,
Keith. Intellectual property rights and
economic development, 2000, 32 Case Western Reserve Journal of
International Law, 447, p.478
[5]
http://www.agrale.com.br/pt/sobre-a-agrale/institucional
[6]
http://www.semeato.com.br/linha-do-tempo
[7]
PEREIRA, João Antonio; VASCONCELLOS, Eduardo; SBRAGIA, Roberto. Processo de desenvolvimento de novos
produtos: inovação tecnológica em indústria de implementos agrícolas do Rio
Grande do Sul. ALTEC 2013 Proceedings. Políticas e Gestão de Ciência e
Tecnologia nos espaços Latino-Iberoamericanos. 27-31 outubro 2013, Porto,
Portugal
[8]
WORLD BANK. Global Economic
Prospects and the Developing Countries, Washington, 2002, p.
134
http://siteresources.worldbank.org/INTGEP/Resources/335315-1257200370513/gep2002complete.pdf
[10] Patentes no INPI, 1999-2003, Unicamp, 17 abril 2006 http://www.inovacao.unicamp.br/report/news-semeato.shtml
[11] ESTIVALETE, Vania de Fátima e outros. Estratégias e desempenho organizacional na indústria de máquinas e implementos agrícolas: um estudo de caso da empresa Semeato S/A. XLIII CONGRESSO DA SOBER Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustria, Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural, Ribeirão Preto, 24 a 27 julho de 2007 http://www.sober.org.br/palestra/2/582.pdf
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