terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Invenções ao acaso


Um exemplo de acaso é a invenção das benzodiazepinas que inclui vários tranquilizantes. Em meados dos anos 1950 o químico Leo Sternbach dos laboratórios Hoffmann La Roche pensou ter obtido moléculas cujo ciclo heptagonal incluía dois azotos e um oxigênio, no entanto logo percebeu o erro e ao invés dos compostos heptagonais esperados havia sintetizado N-óxidos da quinazolina. Prepara assim cerca de 40 compostos de aminometil tratando o N-óxido da clorometilquinazolina  com aminas secundárias sem descobrir qualquer interesse farmacológico. Em um dos casos havia também utilizado uma amina primária, mas diante de tantos resultados negativos, este acabou desapercebido e não chegou a ser testado. Dois anos depois em 1957, por ocasião de uma arrumação no laboratório resolve testar as amostras e surpreendentemente este composto que havia sido deixado de lado revela-se ativo. O estudo demonstrou que o uso da amina primári ao invés de uma amina secundária  deu origem a um heterociclo heptagonal com dois azotos resultando na benzodiazepina comercializado como Librium e 1960. Logo depois surgiria o Valium, cinco vezes mais ativo. [1]

Em 1898 o químico alemão Hans von Pechman produziu por acaso o polipropileno ao descobrir uma substância branca cerácea no fundo de um tubo de ensaio sem dar maior atenção. Em 1930 dois químicos da Imperial Chemical Industries repetiram os mesmos experimentos e iniciaram a produção comercial do polipropileno em 1939.[2] Em 1943 Max Fisher, dos laboratórios BASF, utilizou uma reação química para produção de óleos lubrificantes sintéticos a partir do etileno. Ele percebeu que além do óleo eram produzidos grande quantidades de um pó branco, que considerava resíduo. Karl Ziegler trabalhando com Giulio Natta[3] conseguiu utilizando reação química semelhante produzir polietileno de muito maior resistência do disponível até então. Natta aplicou com sucesso o catalisador de Ziegler na polimerização do propileno e outros hidrocarbonetos semelhantes ao etileno.[4] O polipropileno logo se tornou um importante plástico novo que se prestava à fabricação em forma de fibra com grande uso na fabricação de mobiliário doméstico, fabricação de cabos e redes de pesca, entre outras aplicações. [5] Usando os novos catalisadores tornou-se possível a produção de borracha sintética idêntica à natural. Com o avanço das pesquisas observou-se que misturas de compostos orgânicos de alumínio e titânio, conhecidas como catalisadores Ziegler-Natta, podiam ser utilizadas como catalisadores na produção de diferentes tipos de plásticos [6]. Os inventores foram premiados com o Nobel de Química em 1963 pois com a técnica era possível a síntese de polímeros cujas propriedades podiam ser precisamente controladas.[7] O desenvolvimento de Ziegler foi impulsionado em grande parte como forma de contornar a patente da ICI em polietileno de alta densidade (PEhd) licenciada para a empresa alemã IG Farben. Embora o plástico porduzido por Ziegler não fosse propriamente concorrente do plástico produzido pela ICI, as rivalidades em torno dos desenvolvimentos tecnológicos patenteados das diferentes empresas contribuíram para uma diversificação dos produtos.[8] Um Tribunal de Paris de 1969 entendeu que a função de catalizador era nova ao passo que a ação de coordenação sobre um monômero etileno sendo nova poderia ser patenteada. Mesmo que a mesma função pudesse ser empregada a polimerização de outros tipos de monômeros, este meio geral poderia ser objeto da patente e não apenas a aplicação específica na polimerização de etileno. [9]

Em 1839, na tentativa de tornar a borracha sintética algo mais prático Charles Goodyear acreditava que solução seria acrescentar certas substâncias à goma pura de borracha e encontrar a melhor maneira de secar a mistura. Numa de suas experiências, uma bolha de uma de suas misturas saltou da panela em que era cozida e caiu na superfície quente do fogão. Depois de resfriada a mistura Goodyear observou que ela havia secado totalmente emborrachada, consistente e nada grudenta. Ao unir as moléculas de polímero da borracha com pontes de átomos de enxofre, ela se torna muito mais dura, menos pegajosa, mais resistente e durável. [10] Após cinco anos de aperfeiçoamentos, ele finalmente conseguiu um processo que produzia resultados uniformes com uma borracha  rija, elástica e estável seja no inverno ou verão.[11] Estava inventado o princípio da vulcanização da borracha, patenteado em 1844 [12].Seus ganhos com os royalties desta patente foram pequenos. Na Inglaterra Thomas Hancock solicitou uma patente para processo de vulcanização idêntico ao de Charles Goodyear antes que este viesse solicitar a patente na Inglaterra.
 
Karl Ziegler [13]
 



[1] LAFONT, Olivier. A química. In: COTARDIÈRE,  Philippe. História das ciências: da antiguidade aos nossos dias, Rio de Janeiro:Saraiva, 2011, p.239
[2] CHALINE, Eric. As piores invenções da história e os culpados por elas.Rio de Janeiro:sextante, 2015, p.142
[3] CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed. Sextante, 2010, p. 728
[4] ROBERTS, Royston. Descobertas acidentais em ciências, Campinas:Papirus, 1993, p.229
[5] TREVOR, Williams. História das invenções: do machado de pedra às tecnologias da informação. Belo Horizonte: Gutenberg, 2009, p.300
[6] LEE.op. cit. p. 195.
[7] COUTEUR, Penny le; BURRESON, Jay. Os botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história. Rio de Janeiro:Zahar, 2006, p.14
[8] BELTRAN, Alain; CHAUVEAU, Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 274
[9] CHAVANNE, Albert; BURST, Jean-Jacques; Droit de la Propriété Industrielle, Précis Dalloz:Paris,1976, p.32
[10] CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed. Sextante, 2010, p. 316
[11] COUTEUR, Penny le; BURRESON, Jay. Os botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história. Rio de Janeiro:Zahar, 2006, p.138
[12] DUARTE.op. cit. p. 203; CAMP, Sprague. A história secreta e curiosa das grandes invenções.Rio de Janeiro:Lidador, 1964, p. 280; ROBERTS, Royston. Descobertas acidentais em ciências, Campinas:Papirus, 1993, p.76; LENTIN, Jean Pierre. Penso, logo me engano. São Paulo:Ática, 1996, p. 88
 
[13] https://pt.wikipedia.org/wiki/Karl_Ziegler

Nenhum comentário:

Postar um comentário