O termo “função social da propriedade” foi utilizado por Auguste Comte, em
1851, fundador da teoria positivista, onde condenou os excessos capitalistas e
as utopias socialistas, defendendo uma função social da propriedade[1]:
“O positivismo está duplamente empenhado
em sistematizar o princípio da função social, que trata da natureza social da
propriedade e sobre a necessidade de regulá-la”[2].
Para Auguste Comte o saber filosófico tem como alicerce as ciências positivas,
baseada na aversão de quaisquer formas de conhecimento a prior, isto é, não
resultantes da experiência. A filosofia coloca-se à serviço da ciência, cujos
resultados deve unificar e completar. Para Comte “a noção de direito deve desaparecer do domínio político, com a noção de
causa do domínio filosófico [...] O positivismo não admite nunca senão deveres
de todos para com todos; pois que seu ponto de vista sempre social não pode
comportar nenhuma noção de direito, constantemente fundada na individualidade”.
[3]
Coube ao francês Leon Duguit,
desenvolver a tese de que o direito do proprietário é limitado pela missão
social que possui. [4]
Leon Duguit destaca o papel da sociologia jurídica, seguindo Émile Durkheim
para o qual no plano metodológico, os fatos sociais devam ser estudados segundo
os mesmos processos seguidos pelas ciências físico naturais, o que se integra a
uma perspectiva positivista inspirada por Auguste Comte. Para León Duguit a
solidariedade deve ser entendida como fundamento do Direito, ou seja, a
interdependência entre os diferentes seres humanos. Suas conclusões não se
fundamentam em qualquer metafísica, mas na base experimental que nos leva a
concluir que a norma jurídica como toda normal social é o produto do fato
social.[5]
Na doutrina francesa Renouard e Nicolas Binctin destacam que uma criação
tecnológica tem uma função muito importante quanto ao progresso social e ao bem
estar, tal progresso deve beneficiar uma grande parte da população.[6]
Segundo Leon Duguit: “A propriedade repousa exclusivamente na
utilidade social e não deve existir senão na medida desta utilidade social. O
legislador pode, portanto, aportar à propriedade individual todas as restrições
para que cumpra as demandas sociais correspondentes. A propriedade não é um
direito intangível sagrado, mas inspirada nas necessidades sociais as quais
deve responder. Se chega um momento em que a propriedade já não corresponde a
uma necessidade social, o legislador deve intervir para organizar uma outra
forma de apropriação da riqueza”. [7]
No Brasil os juristas Tobias
Barreto, Sílvio Romero constituem o núcleo do pensamento da chamada Escola do
Recife do século XIX, ambos positivistas pioneiros no Brasil que destacam o
papel da sociologia enquanto ciência no universo jurídico. Com a década de 1870
“um bando de ideias novas” nas palavras de Silvio Romero entre as quais o
positivismo, influenciavam atividade a intelectualidade brasileira. [8] Imbuídos deste papel perante a sociedade o direito sob influencia de teses como
o positivismo e sua perspectiva evolutiva da sociedade tinha como meta ajudar a
descobrir as leis que presidem a evolução da humanidade e da civilização.[9]
Na Alemanha uma decisão da Corte Superior de Justiça em 1996 decidiu que a
patente não pode ser um empecilho para o
desenvolvimento da pesquisa. [10]
Para Sean O’Connor[11]
a cláusula constitucional que garante a proteção aos autores e inventores de
seus textos e descobertas respectivamente (To promote the Progress of Science
and useful Arts, by securing for limited Times to Authors and Inventors the
exclusive Right to their respective Writings and Discoveries) para promover o
progresso das ciências e artes úteis, tem origem do porjeto de Encyclopédie
francês do século XVIII que da mesma forma tinha como proposta a promoção das
ciências e artes úteis. Segundo Sean O’Connor a Constituição ao criar uma nova
forma de governo tinha como objetivo o de não replicar o sistema britânico e
portanto não há razões para supor que tenha sido inspirado no modelo inglês. A
Encyclopédie de Diderot e d’Alembert descrevia a ciência e artes práticas como
campos do conhecimento humano que podiam ser submetidos às formas objetivas de
medição e passível do conceito de progresso, ao contrário de outros campos
sujeito a uma avaliação subjetiva. Esta perspectiva de progresso do
conhecimento, resultado da Revolução Científica do século XVII, traz a
perspectiva de um conhecimento que se acumula e que pode ser quantificado e
catalogo de forma objetiva em uma grande enciclopédia. Neste sentido a obra
francesa se referia a “descobertas” como a “mais importante das invenções” que
não abrangia fatos já existentes tais como leis da natureza.
Assim a
Enciclopédia francesa se refere ao “gênio inventivo” de Descartes na matemática
e a Newton como tendo “inventado o cálculo”, reservando o termos “descobertas”
para as mais importantes invenções que podem ser graduadas: “em geral, este nome (descoberta) pode ser
dado a qualquer coisa nova encontrada nas artes e ciências: contudo, o termo é
raramente aplicado e não deve ser aplicado, exceto para aquilo que seja não
apenas novo, mas também curioso, útil e difícil de se encontrar e que
consequentemente tem um certo grau de importância. As descobertas menos
importantes são simplesmente chamadas de invenções”. Tanto d’Alembert como
Diderot ao codificar o conhecimento de mestres artesãos e suas técnicas
buscavam elevar o conhecimento das artes úteis, trazendo este conhecimento para
o domínio da ciência, o que segundo Sean Connor está nas origens do conceito de
tecnologia. Joel Mokyr observa que a publicação associada com o Iluminismo, a
Enciclopédia francesa de D’Alambert possuía numerosos artigos de matérias
técnicas escritos e ilustrados por artesãos altamente especializados e
experientes em suas áreas tecnológicas.[12]
Os patriarcas fundadores dos
Estados Unidos como Thomas Jefferson e Benjamin Franklin eram defensores
incontestáveis da Encyclopédie e de seu espírito iluminista. James Madison um dos redatores da IP Clause não faz referência ao modelo
inglês como inspiração para a cláusula. Autores como Mario Biagioli apontam o
papel do documento de patente como informação tecnológica no sistema francês e
norte americano na construção da cidadania sem contudo fazer uma conotação
direta com o movimento enciclopedista. [13]
John Adams contudo observa que a difusão do conteúdo do relatório descritivo
das patentes na França será bastante restrita e não será senão na reforma da
lei de 7 de abril de 1902 que estas estarão disponíveis na forma manuscrita no
escritório de patentes onde foi originalmente depositada. Cópias de tais
documentos poderiam ser entregues apenas após a patente ter sido expirada.[14]
Para Sean Connor uma das razões
para o distanciamento ideológico dos legisladores e comentaristas da IP Clause
à influência francesa foi o regime de terror que se instaurou na França alguns
anos após a Revolução. Outra razão, é que superada a fase de independência
norte americana já em 1790 se observam cada vez mais uma aproximação dos Estados
Unidos com a Inglaterra, especialmente quando a França de Napoleão tornou-se a
anátema do ideal de democracia liberal compartilhado por ingleses e norte
americanos.
Auguste Comte [15]
[1] GRAU, Eros Roberto.
Função Social da Propriedade (Direito econômico). Enciclopédia do Direito. vol.
39, p. 17-27, São Paulo: Saraiva, 1979
[2] COMTE, Auguste. Teoria
Positivista: Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1989.
[3]
Catecismo positivista. COMTE. Curso de filosofia positiva, São Paulo: Abril
Cultural, 1983, p. 279
[4] DUGUIT, Leon.
Fundamentos do Direito. São Paulo: Ícone, 1996
[5] REALE, Miguel Filosofia
do direito, São Paulo:Saraiva, 1993, p.440
[6] BINCTIN, Nicolas. Droit de la propriété intellectuelle, LGDJ:Paris,
2012, p.41; RENOUARD, Augustin. Du droit industriel dans sés reports avec les
principes du droit civil sur les personnes et sur les choses. Guillaumin, Paris, 1860,
p.406
[7]
DUGUIT, Léon. Traité de droit constitucionnel: v.3, Paris: Ancienne Librairie
Fontemoing & Cia., 1923, p. 618 cf. SCUDELER, Marcelo. Patentes e sua
função social. Piracicaba, 2006 Dissertação de mestrado do Programa de pós
graduação em Direito, Universidade Metodista de Piracicaba.
[8] SCHWARCZ, Lilia Moritz.
O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil
1870-1930, São Paulo: Cia das Letras, 1993, p.194
[9] SCHWARCZ, Lilia Moritz.
O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil
1870-1930, São Paulo: Cia das Letras, 1993, p.231
[10] SICHEL, Ricardo Luiz.
Propriedade intelectual: uma política de Estado, Rio de Janeiro:GZ Editora,
2014, p.42
[11] CONNOR, Sean. The Overlooked French Influence on the Intellectual Property Clause,
University of Washington School of Law Research Paper No. 2014-05,
http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2409796
[12] MOKYR, Joel. The European enlightment and the origin of modern economic
growth. In: HORN, Jeff; ROSENBAND, Leonard; SMITH, Merritt Roe. Reconceptualizing
the Industrial Revolution, London:MT Press, 2010, p.70
[13] Mario Biagioli, Patent Republic: Representing Inventions, Constructing
Rights and Authors, 73 SOC. RES. 1129 (2006).
[14] ADAMS, John. History of the patent system. In: TAKENAKA, Toshiko. Patent
law and theory: a handbook of contemporary research,Cheltenham:Edward Elgar,
2008, p.128
[15] https://pt.wikipedia.org/wiki/Auguste_Comte
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