quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

História do "caracterizado por"

O sistema de dividir a reivindicação em duas partes intercaladas por um termo de transição “caracterizado por” (dadurch gekennzeichnet) tem origem na legislação alemã de patentes nos anos 1880. Porém já na década de 1930 tinham perdido sua importância, por duas razões: 1) as Cortes tem se enquadrado na perspeciva francesa de se basear no relatório descritivo para delimitar precisamente o escopo de proteção da reivindicação de modo que o posicionamento da expressão de transição tem menos importância, 2) no caso de invenções pioneiras é difícil saber no momento da concessão se a reivindicação não se encontra excessivamente ampla, de modo que somente durante o eventual litígio é que esta questão estará mais clara e a reivindicação poderá se restringida com base no relatório descritivo.[1] A doutrina já desenvolvia nesta época de que as reivindicações fixam o objeto de proteção (der Gegenstand der Erfindung) porém caberia as Cortes definir o escopo de proteção (der Schutzumfang) seguem uma influência das Cortes norte americanas baseadas no common law.[2]
A utilização da expressão delimitadora “caracterizado por” e seu correto posicionamento na reivindicação tem sido por décadas uma exigência bastante comum no exame técnico do INPI. A prática administrativa de o INPI exigir a presença da expressão “caracterizado por” é bastante antiga. Na década de 1920 alguns poucos pedidos depositados no DNPI utilizavam da expressão, por exemplo na patente n°14397 de 2 de junho de 1924 que trata de “Suporte para cardápios em hotéis, restauurantes e outros caracterizado pelo fato de consistir de uma haste provida de um pé, ou base fixa ou giratória, tendo na extremidade superior um pegador com mola para sustentar o cardápio”. Em 1927 a ocorrência da expressão torna-se mais comum no entanto a maioria ddos pedidos ainda não se utilizam da expressão. A patente n°15811 de 9 de fevereiro de 1927 reivindica: “bomba para chopps caractreizada pelo fato de consistir de uma alavanca segura ao anel do garfo [...]”.
Benjamin do Carmo refere-se a um Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio que em separata número 2, de novembro de 1934 afirma que nas reivindicações: “é usual empregar a expressão “caracterizado” para distinguir a matéria já conhecida da matéria nova inventada. O que fica antes dessa expressão constitui matéria conhecida, não reivindicada, nem reivindicável. O que se segue à citada expressão é o que constitui a invenção, a matéria reivindicada que determina os direitos do inventor”.[3]
Segundo a Portaria nº 118 do Ministério do Trabalho publicada no Diário Oficial de 25 de julho de 1939 e modificada em 6 de setembro de 1939 temos que no Artigo 11 é especificada como devam ser redigidas as reivindicações, na época denominadas de “pontos característicos”:
na especificação dos pontos característicos a que se refere à alínea c da condição 8 (especificação dos pontos característicos da invenção enumerados um a um, com absoluta exatidão e concisão, com destaque vital para cada qual representar relativamente ao conjunto da descrição), observar mais o seguinte: a) exprimirem os pontos característicos a definição lógica daquilo que o inventor considera ter inventado, para o efeito de determinar, tornando exclusivos, os respectivos títulos, b) empregar-se a expressão "caracterizado por" em cada ponto, após a menção do nome genérico da coisa inventada, para distinguir, da matéria já conhecida, aquela que constituir a novidade da invenção. A designação anterior a essa expressão fixa a coisa conhecida e o que se seguir constituirá a particularidade genuína da invenção, a matéria sobre a qual se estabelece o direito do inventor[4]
Pela lei n°5772/71 artigo 14 § 2º As reivindicações, sempre fundamentadas no relatório descritivo, caracterizarão as particularidades do invento, estabelecendo e delimitando os direitos do inventor. O artigo 15 estabelece que “qualquer particularidade do invento, para ter assegurada proteção isoladamente, deverá ser requerida em separado, desde que possa ser destacada do conjunto e não tenha sido, antes, descrita pormenorizadamente”.
A Portaria nº 081 de 13 de março de 1972 previa no item 2.4
As reivindicações devem conter, cada uma, a expressão “caracterizado por” seguindo-se a descrição objetiva, clara e concisa do detalhe a proteger sempre fundamentado no relatório descritivo. 2.4.1 a mataria anterior á expressão “caracterizado por” fixa a coisa conhecida. 2.4.2 a descrição que se seguir á expressão “caracterizado por” constitui a particularidade genuína do invento, estabelecendo e delimitando os direitos do inventor
O Ato Normativo nº 019 de 11 de maio de 1976, que antecedeu o Ato Normativo 127/97, no item 1.3.3 deixava claro a obrigatoriedade da expressão “caracterizado por” para todas as reivindicações , contendo, quando necessário, um preâmbulo entre o título e a dita expressão. Sob o CPI 5772/71 Paulina Ben-Ami observa que “Apesar de mencionado no item 1.3.3.d do AN 019/76 que a parte que segue a expressão “caracterizado por” estabelece e delimita os diretos do inventor, deve ficar bem claro que a proteção é concedida à matéria definida na reivindicação como um todo e o posicionamento da expressão caracterizado por serve apenas para facilitar a compreensão da novidade da invenção através da definição das características que contribuem para a novidade. Assim, a proteção à invenção da primeira cadeira com braços seria concedida à cadeira com braços e não somente aos braços definidos após a expressão caracterizado por, o que seria um absurdo”.[5]
No PL 824/91 o Artigo 52 previa que a proteção conferida pela patente será determinada pelos elementos caracterizantes contidos nas reivindicações, interpretados com base no relatório descritivo. Roberto Campos propôs emenda de forma que a extensão da proteção conferida pela patente seja determinada pelas reivindicações interpretadas à luz do relatório descritivo. O relator Ney Lopes não acolheu esta emenda em seu substitutivo: “O Projeto estabelece que a extensão da proteção será determinada pelos elementos caracterizantes contidos nas reivindicações, que são compostas, em geral, de partes novas e outras já conhecidas, sendo que somente as primeiras caracterizam a invenção. O uso da expressão ‘elementos caracterizantes’ visa a tornar claro que não é passível de proteção a matéria já pertencente ao estado da técnica, mas apenas os elementos novos, aqueles caracterizantes da invenção”. O texto final da LPI, contudo, acolheu a proposta de Roberto Campos, pois em seu Artigo 41 estabelece que “A extensão da proteção conferida pela patente será determinada pelo teor das reivindicações, interpretado com base no relatório descritivo e nos desenhos”.
A redação do artigo 25 da LPI é a que foi proposta no artigo 26 do Projeto de Lei do Executivo PL 824/91, sendo aprovada sem alterações e apenas renumerada para o artigo 25 na emenda substitutiva do relator Ney Lopes [6]. As Diretrizes de Exame da DIRPA (RPI 1669 de 31 de dezembro de 2002) no item 1.10.5.4 estabelecem que esta separação entre elementos conhecidos e elementos novos visa apenas a facilitar esta distinção, uma vez que não altera a abrangência ou escopo da reivindicação, que será sempre determinado com base no somatório das características contidas no preâmbulo e na parte caracterizante (artigo 41 da LPI). No entanto, a recomendação é a de que, sempre que apropriado, tal delimitação seja empregada, para facilitar a tarefa das cortes em identificar a invenção protegida.
Segundo as Diretrizes de Exame da DIRPA (RPI 1669 de 31.12.02) item 10.1.5.4 “Esta separação entre elementos conhecidos e elementos novos visa apenas a facilitar esta distinção, uma vez que não altera a abrangência ou escopo da reivindicação, que será sempre determinado com base no somatório das características contidas no preâmbulo e na parte caracterizante” e ainda segundo item 1.10.5.1 “Para efeito de demarcação do estado da técnica, o preâmbulo deve conter a descrição da matéria conhecida em um único documento do estado da técnica pertinente à invenção, sendo que o componente modificado pelo inventor deve ser descrito após a expressão caracterizante. A proteção é conferida para a matéria definida na reivindicação como um todo, de modo que, o posicionamento da expressão caracterizante serve apenas para a delimitação da novidade da invenção”.
A mesma Diretriz estabelece que “Para efeito de demarcação do estado da técnica, o preâmbulo deve conter a descrição da matéria conhecida em um único documento do estado da técnica pertinente à invenção, sendo que o componente modificado pelo inventor deve ser descrito após a expressão caracterizante”, ou seja, elementos da reivindicação somente poderiam ser deslocados para o preâmbulo se houvesse um único documento com todos os elementos do novo preâmbulo. No entanto, esta recomendação não se incorporou à prática de exame do INPI.



[1] VOJÁCEK, Jan. A survey of the principal national patent systems. New York:Prentice Hall, 1936, p.35, 36, 72
[2] VOJÁCEK, Jan. A survey of the principal national patent systems. New York:Prentice Hall, 1936, p.150
[3] JUNIOR, Benjamin do Carmo Braga, Pequeno Tratado prático das patentes de invenção no Brasil, Rio de Janeiro:Ed. Pocural 1936, p.63
[4] Revista de Direito Industrial, ano V, setembro 1939, n.9.p.238
[5] BEN-AMI, Paulina. Manual de Propriedade Industrial, São Paulo: Secretaria da Ind. Com. e Tecnologia, SEDAI, 1983, p.56
[6] DOMINGUES, Douglas Gabriel. Comentários á lei da propriedade industrial, São Paulo:Forense, 2009, p. 121

Um comentário:

  1. Boa tarde, seria possível através do envio de um modelo de utilidade já concedido e examinado o sr. verificar se está tudo correcto ou se não está válido o Modelo de Utilidade? Obrigado.

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