terça-feira, 26 de julho de 2022

Invenção e descoberta na doutrina francesa

 

A lei de patentes francesa de 7 de janeiro de 1791 em seu artigo 1º estabelece que “toda descoberta ou invenção nova sobre todos os gêneros da indústria serão de propriedade de seu autorToute découverte ou nouvelle invention, dans tous les genres d’ industrie, esta la proprieté de son auteur”.[1] Nouguier observa que a invenção produz “alguma coisa nova que não existia antes; a descoberta põe luz em algo que já existia, mas que até então havia escapado a observação [...] A invenção difere da descoberta. A invenção produz qualquer coisa de novo que não existia antes, a descoberta põe à luz qualquer coisa que já existia, mas que até então, havia escapado à observação”[2]. No entanto, Pouillet observa de que do ponto de vista jurídico as duas palavras são utilizadas de forma indiferente uma da outra.[3] Da mesma forma não se observa nesta época distinção entre “autores” (les auteurs) e “inventores” (les inventeurs).[4] No Recueil Général de la legislation et des Traités concernant la Proprieté Industrielle de 1896 se anota: “a lei (francesa) toma as palavras invenção e descoberta como sinônimas do que sob o ponto de vista prático, não tem interesse a distinção. Mas em linguagem mais rigorosa, estas duas palavras não tem o mesmo significado. A descoberta é o fatio de conhecer uma coisa já existente, mas cuja existência ainda não tinha sido verificada – descoberta das manchas de sol por Galileu, descoberta da América por Colombo. A invenção consiste no fato de uma pessoa conceber ou realizar uma coisa que não existe, ou que ela julga não existir – invenção da máquina pneumática por Otto Guericke, invenção da imprensa de Guttenberg. Na verdade a descoberta, não pode, em regra ser objeto de patente, por não possuir caráter industrial”.[5] Vander Haeghen ao escrever em 1928 sobre a lei belga de forte influência francesa já aponta a diferença entre descoberta e invenção: “a descoberta é o resultado de um trabalho de observação e não de criação” e remete a conceito do alemão Josef Kohler: “a descoberta é o reflexo do mundo exterior ao espírito do homem” e ao trabalho de Dugald Stewart.[6] Segundo Tillière: “Se James Watt se contentasse em desenvolver em seus escritos sobre as diferentes propriedades do vapor, ele teria feito um trabalho científico que teria valor dentro do direito de propriedade literária. Mas a partir do momento que ele projetou a ação do valor sobre um agente mecânico, onde o vapor atua como força motriz sobre tal meio de transmissão de movimento, ele faz uma invenção industrial patenteável”.

Picard observa que a lei belga de 1854 não distingue descoberta (découverte) de invenção (invention), o que o autor sugere ter ocorrido por uma imprecisão terminológica da lei.[7] Para Picard a descoberta ocorre quando alguém percebe uma coisa já existente, mas que ainda não havia sido constatada sua existência, assim Cristóvão Colombo descobriu a América, Harvey descobriu a circulação sanguínea, Galileu descobriu as manchas solares, ao passo que a invenção ocorre quando alguém concebe ou realiza uma coisa a qual acredita não existir, ou não ter existido até então, assim Gutemberg inventou a imprensa, Otto de Guericke inventou a bomba pneumática[8], como fruto de suas pesquisas, ainda que possa se caracterizar uma invenção ainda que fruto do acaso. A invenção distingue-se da descoberta por dois aspectos. Em primeiro lugar por trata-se da concepção de algo até então inexistente. Em segundo lugar por a invenção exigir que sempre haja a participação do homem para sua realização.[9] Para Pouillet a tais descobertas como a circulação do sangue, o mecanismo de funcionamento da voz humana ou a eletricidade, falta a aplicação industrial (une aplication dans l’ industrie) exigida por uma patente. [10] Por outro para as aplicações industriais de tais princípios poderá haver patente. Para Paul Mathély: “em uma acepção mais elaborada, inventar é criar aquilo que não existe ainda, Assim, a invenção é uma operação do pensamento que culminou a qualquer coisa que aparece pela primeira vez, é uma obra do espírito, que traz algo de novo” [11]



[1] RENOUARD, Augustin. Traité des brevets d’invention, de perfectionnement et d’ importation, Paris, 1825, p.424

[2] NOUGUIER, Louis. Des brevets d'invention et de la contrefaçon. Paris:Librairie de la Cour de Cassation, 1856, p.141

[3] POUILLET, Eugène. Traité Theorique et Pratique des Brevets d'Invention et de la Contrefaçon. Marchal et Bilard:Paris, 1899, p.9

[4] BERTRAND, André. La propriété intellectuelle, Livre II, Marques et Breves Dessins et Modèles, Delmas:Paris, 1995, p.79

[5] Propriedade Industrial, Assembleia Nacional, Parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei sobre propriedade industrial, Lisboa, 1937, p. 97

[6] HAEGHEN, Vander. Brevets d'invention marques et modèles, Bruxelas:Ed. Ferdinand Larcier, 1928, p.55

[7] PICARD, Edmond; OLIN, Xavier, Traité des brevets d'invention et de la contrefaçon industrielle, précédé d'une théorie sur les inventions industrielles, 1869, p. 133

[8] SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.IV, Oxford, 1958, p.169

[9] PICARD, Edmond; OLIN, Xavier, Traité des brevets d'invention et de la contrefaçon industrielle, précédé d'une théorie sur les inventions industrielles, 1869, p. 134; cf. POUILLET, Eugène. Traité Theorique et Pratique des Brevets d'Invention et de la Contrefaçon. Marchal et Bilard:Paris, 1899, p.9

[10] POUILLET, Eugène. Traité Theorique et Pratique des Brevets d'Invention et de la Contrefaçon. Marchal et Bilard:Paris, 1899, p.10

[11] MATHÉLY, Paul. Le droit européen des brevets d'invention, Journal des notaires et des avocats:Paris, 1978 p.98

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