Em Image Technical Services Inc. v. Eastman Kodak a Suprema Corte[1] jugou caso referente a
peças de reposição de fotocopiadoras da Kodak. A empresa vendia peças de
reposição numa época em que este mercado era de pequena dimensão. Na medida em
que mais empresas começaram a atuar no mercado de manutenção destes
equipamentos a Kodak passou a não comercializar estas peças alegando estar
exercendo um direito que lhe era conferido por deter as patentes de tais peças.
A Suprema Corte entendeu que há prática monopolística quando a empresa (i) muda
sua conduta após período de livre licenciamento de sua propriedade intelectual
em um mercado competitivo, (ii) quando o titular adquire suas patentes de forma
indevida, por não atender as exigências legais (iii) quando a propriedade
intelectual é meramente um pretexto quando na verdade sua real intenção é
excluir concorrentes.[2] A Suprema Corte entendeu
que o exercício dos direitos de propriedade intelectual foi mero pretexto para
mascarar uma política que violava as leis antitruste. A Kodak foi condenada
recusar-se a vender as próprias peças proprietárias e de tecnologia
proprietária para as empresas de manutenção, muitas das quais fundadas por ex
técnicos da empresa, que queriam competir com ela no mercado de manutenção. Na
perspectiva de Carl Shapiro: “as receitas
da Kodak com a atividade de manutenção constituíram apenas retornos econômicos
sobre os grandes descontos sobre vendas iniciais no mercado altamente
competitivo de copiadoras. Assim como os participantes do setor devem observar
todo o ciclo de aprisionamento, o mesmo devem fazer as autoridades antitruste e
os tribunais”.[3]
Herbert Hovencamp considera esta decisão como “a mais inútil e prejudicial decisão
antitruste” ao condenar uma empresa que não exercia posição dominante no
mercado[4] : “a Corte confundiu complementos com substitutos Um mercado relevante
consiste de coisas que são seus substitutos, tal como dois postos de gasolina
em lados opostos de uma mesma rua ou duas marcas de pastas de dente. Os dois
produtores são forçados a competir um com o outro precisamente porque o
comprador não necessita dos dois produtos. Ele precisa apenas de um e irá
escolher o que considerar melhor. Quanto a produtos complementares, eles não
apenas não competem entre si, eles são frequentemente com tecnologias
totalmente diferentes e sob condições competitivas diversas. Por exemplo, pão e
torradeiras são produtos complementares para se fazer uma torrada, o consumidores
irá precisar dos dois. Mas o mercado de torradeiras pode ser monopolizado,(talvez devido a uma patente importante) enquanto que o setor de pães seja composto por
milhares de padarias. Entender que o conjunto pão e torradeiras fazem um único
mercado, seria sem sentido”.[5]
O entendimento de Hovencamp se alinha com o de Richard Posner em
voto dissidente no caso Sterling[6]. A pequena empresa
Sterling condicionava a venda de peças de reposição mais baratas à venda de uma
determinada quota mínima de seus motores. Como pequena empresa a Sterling não
ocupava posição dominante no mercado de motores, que era marcado por um
ambiente de concorrência. Desta forma, a Sterling poderia elevar o preço das
peças de reposição de seus motores somente até o limite e que o consumidor
considera-se economicamente mais vantajoso adquirir um motor da concorrência. A
Sterling estaria assim impossibilitada de exercer poder de mercado no mercado
secundário de reposição de peças de seus motores, dado o ambiente de
concorrência no mercado primário de motores.
A Corte de segunda instância no caso Kodak entendeu que a
existência de posição dominante no mercado primário não constitui pré condição
para a caracterização de posição dominante no mercado secundário.[7] Divergindo a doutrina da
Escola de Chicago a Suprema Corte, ao confirmar o entendimento da segunda
instância, entendeu que a existência e concorrência no mercado primário não
necessariamente implica a exclusão de posição dominante no mercado secundário. A
Suprema Corte entendeu que a existência de concorrentes no mercado secundário
de manutenção das máquinas Kodak, segundo a lógica apresentada pela própria
Kodak de se considerar os efeitos econômicos do sistema como um todo, deveria
ser aceita de forma positiva pela empresa pois faria o preço do sistema
(máquinas + peças de reposição + manutenção) ainda mais atraentes contribuindo
para o aumento do número de máquinas da Kodak vendidas no mercado primário. Ademais
a tese da Kodak baseada no argumento de Posner no caso Sterling, falha em assumir
o comportamento dos consumidores baseado unicamente em critérios econômicos,
quando na prática ele não tem uma noção exata de qual o custo total do sistema
como um tempo (máquinas + peças de reposição + manutenção), ou seja, a
abordagem de Posner ignora os custos de informação e os custos de troca dos
consumidores aprisionados (lock in)
na tecnologia da Kodak. A Kodak foi condenada a fornecer por dez anos para as
empresas independentes de manutenção, as peças de reposição necessárias para o
conserto de suas máquinas, além de indenização por perdas e danos.
[1] Eastman Kodak Company v. Image Technical Services, Inc., 504 U.S. 451
(1992).
[2] Image Technical Serv. V. Eastman Kodak Co., 125 F.3d 1195, 1218 (9th
Cir, 1997) PARK, Jae Hun. Patents and industry standards. US:Edward Elgar 2010,
p. 31, ANDRADE, Gustavo Piva. A interface entre a propriedade Intelectual e o direito
antitruste. Revista da ABPI, nov/dez 2007, n.91, p.45
[3] SHAPIRO,Carl; VARIAN,
Hal R. A economia da informação. Rio de Janeiro:Campus, 1999, p.175
[4] HOVENKAMP, Herbert. Antitrust enterprise: principle and execution,
Cambridge:Harvard University Press, 2005, p.131/4769
[5] HOVENKAMP.op.cit.p.1988/4769
[6] Parts and Electric Motors Inc. v. Sterling Electric, Courts Of Appeals,
866 F.2d 228 (7th Circuit, 1988) cf. KUNTZ, Karin Grau. Parecer: O desenho
industrial como instrumento de controle econômico do mercado secundário de
peças de reposição de automóveis – uma análise crítica à recente decisão da
Secretaria de Direito Econômico (SDE). cf. SILVEIRA, Newton. Direito de autor
no design. São Paulo:Saraiva, 2012, p.260
[7] KUNTZ,op.cit.p.185
[8] In re Independent Servs. Orgs. Antitrust Lit, 203 F.3d 1322 (Fed. Cir. 2000)
cf. ANDRADE, Gustavo Piva. A interface entre a propriedade Intelectual e o
direito antitruste. Revista da ABPI, nov/dez 2007, n.91, p.46
[9] FARELL, Joseph;
SHAPIRO, Carl. Intellectual Property, Competition, and Information
Technology. UC Berkeley Competition Policy Center Working Paper No. CPC04-45,
2004, p.29 http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=527782
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