Em Parke Davis v. H.K.Mulford (SDNY, 1911) [1] a
Corte discutiu a patente da forma química purificada de insulina obtida pelo
japonês Jokichi Takamine a partir do extrato adrenal bovino e considerada como
o primeiro hormônio isolado do século XX. A Corte entendeu que se tratava de
não simplesmente uma nova graduação de pureza de substância conhecida mas de
uma substância diferente: “o inventor
criou para efeitos práticos uma novo elemento não somente do ponto de vista
comercial mas terapêutico”, e, portanto, passível de proteção por patentes. A matéria não se
enquadrava na exclusão patentária de fenômeno natural porque tal forma
purificada não era encontrada na natureza. Os antibióticos constituem formas
purificadas de produtos encontrados na natureza. Em 1928, Alexander Fleming descobriu
que que bactérias que cresciam em uma placa de meio de cultura tiveram suas
atividades afetadas de forma negativa por um fungo que casualmente havia contaminado
o referido meio. O fungo em questão era o Penicillium notatum, atualmente
conhecido como Penicillium chrysogenum. Desse evento foi descoberto o primeiro
antibiótico denominado Penicilina. Apenas uma década após a descoberta, os Ernst
Chain e Howard Florey conseguiram isolar o componente do fungo responsável pelo
efeito antibiótico, e investigaram suas propriedades biológicas, se mostrando
altamente eficaz contra infecções bacterianas graves. O isolamento de outros
microorganismos levou a invenção de novos antibióticos tais como estreptomicina,
gramicidina e tyrocidin, produzidas por bactérias, e as cefalosporinas
produzidas por fungos.
O USPTO trata as moléculas de ácido nucléico como compostos
químicos (composições da matéria). De forma a atender as especificações de
utilidade (35 USC 101) não há uma exigência de uma evidência experimental para
demonstrar a função ou utilidade da invenção. A patente EP699754 referente a um
método de diagnóstico de predisposição a cancer de ovário e de seios e a
patente EP705902, relativa ao gene BRCA1 causador da doença, ambas da empresa
de biotecnologia norte-americana Myriad Genetics, uma spin-off da Universidade
de Utah, foram confirmadas pelo Board of
Appeal da EPO em novembro de 2008 [2].
Os registros genealógicos da Igreja Mórmon ajudaram a Myriad a identificar os
genes BRCA como associados a uma maior incidência de câncer no seio. [3] As
patentes (US5747282; US5837492; US5693473; US5709999; US5710001; US5753441;
US6033857) desencadearam uma onda de protestos que levou a França e Alemanha a
aprovarem legislações que restringem o escopo da patente de genes. A França
adicionalmente incluiu dispositivo que prevê o licenciamento compulsório das
patentes com propósito de procedimentos de diagnóstico [4].
Nos Estados Unidos o Federal Circuit em decisão de 2011 considerou no caso
Myriad o DNA isolado como atendendo ao 35 USC § 101 uma vez que o
DNA isolado possui estrutura química marcadamente distinta dos DNA nativos e
portanto não pode ser entendido como produto da natureza.[5] A questão foi submetida a Suprema Corte que redistribuiu o caso para o Federal
Circuit reavaliar sua decisão tem em vista a decisão da Suprema Corte em Mayo
v. Prometheus que manteve em agosto de 2012 o entendimento de tratar-se de
matéria patenteável. O Federal Circuit por sua vez manteve sua decisão
anterior. Durante a vigência das patentes a Myriad Genetics adotou uma política
restritiva de licenciamento que na prática permitia apenas a empresa executar a
análise do seqüenciamento completo em seus laboratórios nos Estados Unidos. Por
esta razão questões de saúde pública foram levantadas pelo fato dos
consumidores disporem de apenas uma fonte para testes de diagnóstico. [6]
O caso foi julgado pela Suprema Corte [7] que em junho de 2013 chegou ao entendimento final em votação unânime de 9
contra zero de que sequências de DNA não podem ser protegidas por patentes por
serem produtos da natureza [8].
O fato de isolar tais genes de seu ambiente natural não cria nada com
características marcadamente distintas, contudo o cDNA é considerado
patenteável, porque, segundo a Suprema Corte sua composição química é diferente
daquela que ocorre naturalmente em um DNA. Polk Vagner critica esta fundamentação
embora o cDNA seja uma versão sintética do DNA criada inteiramente em
laboratório ela é funcionalmente uma cópia do DNA natural exceto por alguns
elementos considerados desnecessários, ou seja, tratam-se de sequências
reduzidas que ocorrem na natureza, ainda que não sejam típicas. Ao contrário da
bactéria artificial em Chackrabartu que de fato tinha um efeito de processar
óleo, não encontrado na natureza, neste caso a ideia é imitar a natureza. Polk
Vagner destaca que o critério em Parke Davies de distinguir entre substâncias
isoladas e purificadas não foi suficiente em Myriad pois o gene isolado não foi
considerado patenteado. A questão em Myriad foca na questão da novidade do
produto objeto da invenção, no caso do cDNA não ser encontrado na natureza
(segundo a Suprema Corte) ou seja, o teste de patenteabilidade da seção 101
parece, segundo Polk Wagner, se reduzir a questão da novidade [9].
Quanto à patente da Myriad a Corte conclui que não houve qualquer modificação
da informação genética dos genes BRCA1 e BRCA2, o que houve foi a identificação
da localização de tais genes e de uma utilização para os mesmos, que embora
constitua uma “descoberta brilhante” não atende as exigências de
patenteabilidade do parágrafo 101. A reivindicação de DNA enquadra-se como uma
lei da natureza, uma das exceções à patenteabilidade estabelecidas pela Suprema
Corte. Segundo Diamond v. Chakrabarty (447 US 303, 100) central para
patenteabilidade é a presença de características “marcadamente diferentes das encontradas na natureza”. A Suprema
Corte observa que as reivindicações das patentes da Myriad (US5747282,
US5693473, US5837492) não são expressas em termpos de composição química nem se
baseiam em qualquer mudança química que resulte do isolamento dos genes, ao
invés disso compreensivelmente tem seu foco na informação genética dos genes
BRCA1 e BRCA2.
[1] United States Circuit Court for the Southern District
of New York 189 F.95 (CCSDNY, 1911) cf. MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY,
Mark. Intellectual property in the new technological age. Aspen Publishers,
2006. p.135
[2] http://www.epo.org/topics/news/2008/20081119.html
[3] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals,
Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and
Strategy; Oxford University Press, 2004, p.270
[4] Intellectual Property Watch, 21 November 2008, IP In Biotechnology
In Need Of A New Start, Experts Say, Posted by
Catherine Saez
[5] http://www.lexology.com/r.ashx?i=2892512&l=7FXKR8M
[6] WTO, WIPO, WHO. Promoting Access to Medical
Technologies and Innovation: Intersections between public health, intellectual
property and trade, fevereiro 2013, p.129 http://www.wto.org/english/res_e/publications_e/who-wipo-wto_2013_e.htm
[7] LAMPING, Mathias. Are
Human Genes Patentable? 13/06/2013
http://ipkitten.blogspot.com.br/2013/06/are-human-genes-patentable.html
[8] http://www.supremecourt.gov/opinions/12pdf/12-398_1b7d.pdf
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