Tendo em vista a reforma da legislação de patentes de 1882 o
Ministro da Agricultura Rodolfo Miranda incumbiu o então diretor geral da
Indústria e Comércio a realizar um estudo sobre o tema. Tendo visitado as
repartições de Portugal, França, Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Suíça e Itália
apresentou em 1912 relatório em que recomendava o estabelecimento de uma
repartição da propriedade industrial. A
CUP, por sua vez, não obrigava aos países membros a criação de uma repartição
especial para esse serviço, nem a unificá-lo, podendo permanecer tal tarefa a
cargo de uma seção de algum Ministério [1]. Gama
Cerqueira observa que era uma questão de ordem interna para cada país Membro a
forma de organizar este serviço especial e o depósito central de patentes e
marcas. Segundo o Artigo 12 da CUP em sua versão de 1883 “Cada uma das
partes contratantes se obriga a estabelecer um serviço
especial da propriedade industrial e um deposito
central para a comunicação ao publico dos privilégios de invenção dos
desenhos ou modelos industriais e das marcas de fabrica e de
comércio”. Bodenhausen parece mais enfático na questão da unificação dos
serviços administrativos relativos a marcas e patentes: “o Convênio obriga a
cada Estado membro a estabelecer essa administração em uma oficina central” [2].
Um parecer da Sociedade de Auxílio a Industria Nacional SAIN nas
discussões para reforma da lei de patentes de 1830 questionava a necessidade de
um exame técnico: "Será possível
fazer um tal exame de maneira a assegurar que não há outro proprietário da
invenção ? O governo ou seus prepostos, por mais ilustrados que sejam, poderão,
quando muito assegurar que a invenção ou descoberta não se acha impressa nem
descrita tal como se apresenta atualmente; que nunca ouviram falar do objeto de
que se tratam nem o viram; não sendo impossível que mesmo os mais esclarecidos
e zelosos escape um ou outro livro ou jornal, um ou outro fato industrial, por
não entrarem na ordem de seus conhecimentos especiais. Porém, por mais completo
e seguro que fosse o juízo formado sobre tais elementos, nem assim teríamos a
prova de que não há outro inventor, principalmente na época em que vivemos,
quando as invenções ou aperfeiçoamentos se sucedem, por assim dizer,
diariamente, podendo o uso de algumas ser circunscrito em círculo ainda
bastante limitado; podendo outras não terem aplicação bastante ampla para serem
pronta e geralmente vulgarizadas". Para Frederico Burlamaqui o
procedimento de exame era desnecessário e arbitrário, “uma intervenção indevida do Estado sobre uma matéria de foro privado,
além de tecnicamente imperfeito, posto que de difícil execução”.[3]
Com a nova lei aprovada em 1882, o exame de patente continuou e a SAIN que
antes era encarregada do exame foi excluída desta tarefa sendo entregue a
outros órgãos do governo, como a Junta Central de Higiene Pública, a Escola
Politécnica e academias militares. [4]
O sistema brasileiro de livre concessão não satisfazia a realidade
nacional conforme exposição de motivos do Decreto n.16264 de 19 de dezembro de
1923 que criou a Diretoria Geral da Propriedade Industrial, reorganizando os
serviços de marcas e patentes: “a experiência tem mostrado que não convém,
de modo algum, o regime de livre concessão da patente. Em um país como o nosso,
em que, dia a dia, se multiplicam as aplicações dos seus mais variados
produtos, semelhante regime constitui uma ameaça permanente à liberdade de
comércio e indústria. Quando Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, já
me havia externado em prol do exame prévio, único meio de evitar que sejam
concedidas patentes de invenção que, em vez de estimularem, tolhem o
desenvolvimento industrial do país” [5]. Dúvidas foram levantadas
quanto a constitucionalidade deste Decreto o que levou o governo a encaminhar
no ano seguinte nova proposta, através da Lei nº 4932 de 10 de junho de 1925.
Entre as dúvidas levantadas estavam as dificuldades da centralização dos
serviços em um país de dimensões continentais como o Brasil [6]. Foram
encarregados da concessão de patentes, no período de 1830 a 1910, os
ministérios do Império (até 1860), da Agricultura, Comércio e Obras Públicas
(até 1891), da Indústria, Viação e Obras Públicas (até 1906) e, por fim, o
Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
Até dezembro de 1923, o Brasil adotava o
sistema de livre concessão, à maneira do regime francês, até que o Decreto nº
16.264 de 19 de dezembro de 1924 criou a Diretoria Geral da Propriedade
Industrial, vinculada ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio,
implantando-se, assim, o sistema de exame prévio. O jornal “O Paiz” de
17 de julho de 1918 denunciava os abusos do sistema de livre concessão “o
abuso de patentes chega a tal ponto que se pode requerer e obter na Praia
Vermelha patentes de invenção para um novo método de beber água no copo levando
a boca com a mão direita” [7]. Descartes Drummond de Magalhães escrevendo em 1923 comenta as consequências do
sistema de livre concessão: “Constitui
meio de vida de indivíduos desonestos, sem exame prévio que assegura a novidade
do invento, tornam-se muito freqüentes as questões de anulações de patentes de
invenção, tendo sido adotado o exame prévio para as marcas de indústria e
comércio, não há motivo, para com muito mais importância estabelecê-lo para as
patentes de invenção e finalmente o exame prévio traz grandes vantagens, sem
oferecer o menor inconveniente, pois que o grande público recebe o produto
devidamente examinado, pelos técnicos da repartição competente com muito mais
confiança e os produtos tornar-se-iam mais acreditados”.[8]
Machado de Assis, que foi funcionário da
Secretaria de Estado da Indústria, Viação e Obras Públicas, instituição que
concedia patentes, escreveu no romance Esaú
e Jacó, em 1904, uma crítica ao período de grande especulação financeira
que marcou o final do século XIX, numa política conhecida como encilhamento,
uma tentativa de expandir o crédito para criação de novas empresas marcada por
uma avalanche de negócios fictícios: “Quem não viu aquilo não viu nada.
Cascatas de ideias, de invenções, de concessões, rolavam todos os dias, sonoras
e vistosas para se fazerem contos de réis, centenas de contos, milhares,
milhares de milhares, milhares de milhares de milhares de contos de réis”. No
mesmo ano Luiz Gama em seu livro Primeiras trovas burlescas publica o Soneto a
um fabricante de pílulas: “Diz Dom Sancho
careca, o carraspanas / Antigo charlatão pelotiqueiro / Por força da natura
cozinheiro / Atual compositor de trabuzanas [...] E sendo o suplicante sabichão
/ Inventor do sistema de rapina / Reclama uma patente de invenção”.[9]
[1] CERQUEIRA, Gama. Tratado da
Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. v.I, p. 18-19.
[2] BODENHAUSEN. Guia para La
aplicacion Del Convenio de Paris para La proteccion de La propriedad
Industrial, revisado em Estocolmo em 1967. Genebra: BIRPI, 1969. p. 168.
[3] MALAVOTA,Leandro
Miranda. A construção do sistema de
patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011,
p. 203
[4] MALAVOTA, Leandro. A construção do Sistema de patentes no
Brasil, Rio de Janeiro:Lumen,2011, p. 206, 255
[5] DOMINGUES, Douglas Gabriel. Direito
Industrial – patentes. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 118.
[6] CERQUEIRA. op. cit. p. 21.
[7] COUTO, João Gonçalves do. Patentes
de Invenção. Rio de Janeiro, 1923, p. 75.
[8] MAGALHÃES, Descartes
Drummond. Marcas de Indústria e de Comércio e Privilégios de Invenção. São
Paulo:Ed. Livraria Zenith, 1923, p.154. cf. SOARES, Tinoco. Tratado da
Propriedade Industrial: patentes e seus sucedâneos. São Paulo; Ed. Jurídica
Brasileira, 1998, p.393
[9] COSTA, Cruz.
Contribuição à história das ideias no Brasil, Rio de Janeiro:Civilização
Brasileira, 1967, p. 331; Primeiras trovas burlescas de Luiz Gama, Bentley
Junir São Paulo, 1904, p.40
http://www.brasiliana.usp.br/bbd/bitstream/handle/1918/00893600/008936_COMPLETO.pdf
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