Nuccio Ordine faz
uma crítica as doutrinas utilitaristas que tendem a desprezar o que estas tendem
a considerar como “inútil”. Para Nuccio Ordine “considero útil tudo o que nos ajuda a nos tornarmos melhores”,[1] por
outro lado ao desconsiderar as coisas inúteis o homem tende a se tornar um
autômato. O interesse em se fazer algo sem uma utilidade óbvia em um primeiro
momento, faz com que seja uma atividade desinteressada e nesse sentido, segundo
o poeta Emil Cioram, é que se encontra as atitudes mais nobres.[2] Segundo
o escritor Montaigne: “nada é inútil, nem
mesmo as inutilidades”. [3] As ondas
eletromagnéticas propostas por Maxwell em 1873 permaneciam até então sem uma
comprovação científica já que a onda curta e a alta frequência da luz
tornavam suas propriedades impossíveis
de serem medidas. [4]Em
seu início havia um grande descrédito das perpectivas das ondas
eletromagnéticas como meios de comunicação. Marconi começou suas experiências
com ondas de rádio em 1890 logo após a descoberta de Henrich Hertz que preveniu
Marconi que suas experiências estavam destinadas ao fracasso e que eram perda
de tempo.[5]
O inglês Oliver Lodge desenvolveu
um aparelho para detecção de ondas de rádio, previstas pelo alemão Heinrich
Hertz, utilizando um dispositivo no receptor chamado de coesor inventado por
Edouard Branly em 1890 (um tubo de vidro cheio de limalha de ferro capaz de se
agrupar, e assim alterar sua resistência elétrica, quando da presença de ondas
de rádio) tendo realizado uma apresentação pública no Royal Institution
em 1894. Ele transmitiu sinais de rádio
em 14 de agosto de 1894 em um encontro da Associação Britânica para o Avanço da
Ciência na Universidade de Oxford, um ano antes de Guglielmo Marconi, mas um
ano após Nikola Tesla. Lodge por sua vez, mesmo tendo patenteado sua invenção
não fez o enforcement da mesma.[6]
Sua patente US609154 referente a telegrafia sem fio utilizando a bobina de
Ruhmkorff ou Tesla como transmissor e o coesor de Branly como detetor, a
patente de "sintonização" de agosto de 1898 foi vendida a Marconi em
1912.[7]
Roger Cullis aponta o fato de que a Inglaterra detinha o controle das
transmissões por cabo submarino assim como os correios detinham o monopólio das
comunicações telegráficas e telefônicas pelo Telegraph Act de 189 de forma que
não havia grande interesse pela tecnologia de transmissão sem fio pelos
ingleses. [8] O
russo Alexander Popov implementou no coesor um pequeno badalo, que batia
levemente na limalha de ferro do coesor, preparando assim o dispositivo
automaticamente para novas recepções e realizou experiências de transmissão por
rádio, bem sucedidas junto a Sociedade Físico Química Russa em 1895. [9] O
indiano Chandra Bose, aperfeiçoou o coesor utilizando mercúrio, em 1899. Usando
uma tecnologia distinta, sem o emprego do coesor, mas o centelhamento de uma
bobina de RuhmKoff, o padre brasileiro Landell de Moura [10]
conseguiu transmitir sinais de voz (e não apenas telegrafia como a experiência
de Marconi em 1901) em uma exibição realizada na Avenida Paulista, em São Paulo
em 1900 e solicitou patente nos Estados Unidos dois anos após (US775337). Utilizando
o coesor de Lodge e Popov, Marconi incorporou uma placa de metal afixada à
ponta do coesor de modo a melhorar a recepção dos sinais, constituindo uma
antena, que permitiu a transmissão de sinais a grandes distâncias, culminando
com o envio de sinais de rádio da Europa aos Estados Unidos em 1901, desta vez
já utilizando o coesor de Bose. Em 1939 Abraham Flexner escreve: “Nem Maxwell nem hertz estavam preocupados
com a utilidade de seus trabalhos; isso nunca passou pela cabeça deles. Eles não
tinham objetivos práticos. Naturalmente, o inventor, no sentido jurídico, foi
Marconi. Mas o que foi que Marconi inventou ? Apenas o último detalhe técnico,
o dispositivo de recepção chamado coesor, hoje já descartado em praticamente
todo mundo”.[11]
Ou seja, o coesor, mesmo hoje considerado um dispositivo inútil, ao demonstrar
a possibilidade de recepção de sinais eletromagnético, ainda que de forma
imperfeita, teve o importante papel de abrir caminho para novas tecnologias
alternativas.
[1] ORDINE, Nuccio. A
utilidade do inútil: um manifesto, Rio de Janeiro:Zahar, 2016, p.9
[5] SEDGWICK, W.; TYLER, H;
BIGELOW, R. História da ciência: desde a remota antiguidade até o alvorescer do
século XX, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1952, p.348
[6] CULLIS, Roger. Patents, inventions and
the dynamics of innovation: a multidisciplinary study, Edgard Elgar, 2007, p.49
[8] CULLIS, Roger. Patents, inventions and
the dynamics of innovation: a multidisciplinary study, Edgard Elgar, 2007,
p.88, 151
[9] CAMP, Sprague. A história secreta e curiosa das grandes invenções.Rio de
Janeiro:Lidador, 1964, p. 318
[11] ORDINE, Nuccio. A
utilidade do inútil: um manifesto, Rio de Janeiro:Zahar, 2016, p.181
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