O oitavo mandamento da lei mosaica determina “não furtarás” (Êxodo 20:15; Deuteronômio
5:19). O direito de propriedade privada é respeitado em Deuteronômio 27:17 “Maldito quem mudar o marco de divisa da
propriedade do seu próximo”. Em Números 33:53 ao chegar em Canaã na terra
prometida Iahweh falou a Moisés estabelendo a posse da terra: “Tomareis posse da terra e nela habitareis;
pois é a vós que dou esta terra em posse. Dividireis a terra entre os vossos
clãs por sorteio... tomareis um responsável por tribo para fazer a partilha da
terra”. Cumpria-se a profecia: “Tomar-vos-ei
por meu povo, e serei o vosso Deus. E vós sabereis que eu sou Iahweh, o vosso
Deus, que vos faz sair de sob as cargas do Egito. Depois eu vos farei entrar na terra que jurei com a
mão estendida dar a Abraão, a Isaac e a Jacó, e vo-la darei como possessão, eu
sou Iahweh” (Êxodo 6:7). Patriarcas como Abraão são apontados como proprietários
de terras (Genesis 23:18).
Em diversos trechos o texto judaico destaca o
valor do trabalho dos artesãos. Na construção do tabernáculo, Bezalel e Ooliabe
eram peritos cuja habilidade foi aumentada pelo espírito de Deus, de modo que
conseguiram fazer o trabalho segundo o padrão fornecido por Jeová. (Êxodo
35:30-35). Da mesma forma Beseleel foi chamado para trabalhar ouro, prata e
bronze e lapidação de pedras (Êxodo 31:2). A ornamentação posterior do
tabernáculo com querubins e detalhes em ouro revela a perícia de seus artesãos
(1 Reis 6:18, 29, 35; 7:15-22). Havia também mulheres com habilidade na
fabricação de fios de linho e de lã (Êxodo 35:25, 26). No tempo de Davi e de
Salomão, os fenícios eram famosos como talhadores de pedras para construções e
como madeireiros (2 Samuel 5:11; 1 Reis 5:1, 6-10, 18; 9:11; 1 Crônicas 14:1). Hiran
é apontado como artífice em bronze de grande habilidade, talento e inteligência
e foi apresentado ao rei Salomão para executar todos os seus trabalhos (1 Reis
7:14). Hiram de Tiro é apontado como hábil no trabalho com ouro, prata, bronze
e ferro e apontado com chefe dos artesãos (2 Crônicas 2:13) o que sugere a
existência de uma comunidade de artesãos. Joabe era fundador da comunidade de
artífices pois se refere a ele como “pai de Ge-Harassim”, ou seja, do vale dos
artesãos em madeira e ferro (1 Crônicas 4:13; Neemias 11:35). Em Neemias 3:31
menciona-se Melquias como membro da corporação dos ourives o que supõe a
organização dos artífices em guildas. Em Isaías 41:6 o profeta faz referências
aos laços de companheirismo entre o artífice e o ourives na realização de seu
trabalho, interpretando-o como instrumentos de Javé na sua obra. O rei Ozias
destacava-se pelo seu poder militar: “Mandou
fazer em Jerusalém máquinas inventadas pelos engenheiros para colocar sobre as torres
e sobre os ângulos, a fi de atirar flechas e grandes pedras” (2 Crônicas
26:15). Por outro lado, a proibição de imagens afastava os judeus da escultura
(Êxodo 20:4; Deuteronômio 4:15-18; 27:15) e o trabaho de artesãos em metal
fundido para construção de imagens é condenada pelos profetas (Oseias 13:2).
Os textos bíblicos, portanto, tanto tratam da
propriedade privada fundiária como exaltam o trabalho de artesãos. O trabalhador,
por sua vez, é digno do seu salário (Deuteronômio 24:14; Jeremias 22:13), por
isso não se pode privar um homem do fruto do seu trabalho, do seu sacrifício
pessoal. Nesse sentido presume-se no texto bíblico a possibilidade de
apropriação privada do trabalho fruto da atividade intelectual do artesão. Este
conceito, contudo, não aparece claramente no texto bíblico. John Locke no
século XVIII daria fundamentação a este direito do homem: “Sempre que ele tira um objeto do estado em que a natureza o colocou e
deixou, mistura nisso o seu trabalho e a isso acrescenta algo que lhe pertence,
por isso o tornando sua propriedade. Ao remover este objeto do estado comum em
que a natureza o colocou, através do seu trabalho adiciona-lhe algo que excluiu
o direito comum dos outros homens. Sendo este trabalho uma propriedade
inquestionável do trabalhador, nenhum homem, exceto ele, pode ter o direito ao
que o trabalho lhe acrescentou, pelo menos quando o que resta é suficiente aos
outros, em quantidade e qualidade [...]Deus, que deu o mundo aos homens em
comum, deu-lhes também a razão, para que se servissem dele para o maior
benefício de sua vida e de suas conveniências. A terra e tudo o que ela contém
foi dada aos homens para o sustento e o conforto de sua existência. [...] O
trabalho de removê-los daquele estado comum em que estavam fixou meu direito de
propriedade sobre eles”.[1]
Locke confere um status especial ao trabalho intelectual uma vez que o trabalho envolve tanto músculos como a mente: “A natureza nos fornece apenas com o material, na sua grande parte rude e inadequado ao uso; este nos exige trabalho, técnica e pensamento para adequar este material ás nossas necessidades ... Aqui então está um grande campo para o conhecimento, próprio para o uso e vantagem do homem neste mundo; ou seja, para encontrar novas invenções para dar um propósito ou facilitar nosso trabalho, ou aplicar de forma sagaz diversos agentes e materiais juntos, para procurar novas e benéficas produções adequadas para os uso de forma a aumentar o estoque de nossas riquezas, ou para melhor preservá-las: e para tais descobertas deste tipo a mente humana é bem adequada”.[2] Segundo Locke: “Podemos dizer que o trabalho de seu corpo e a obra produzida por suas mãos são propriedade sua. Sempre que ele tira um objeto do estado em que a natureza o colocou e deixou, mistura nisso o seu trabalho e a isso acrescenta algo que lhe pertence, por isso o tornando sua propriedade. Ao remover este objeto do estado comum em que a natureza o colocou, através de seu trabalho adiciona-lhe algo que excluiu o direito comum dos outros homens. Sendo este trabalho uma propriedade inquestionável do trabalhador, nenhum homem, exceto ele, pode ter o direito ao que o trabalho lhe acrescentou, pelo menos quando o que resta é suficiente aos outros, em quantidade e em qualidade”.[3]
[1]
LOCKE, Jonh. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os
limites e os fins verdadeiros do governo civil - e outros escritos. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1994, p.97
[2] KING, Peter. The life
and letters of John Locke, with extracts from his journals and commonplace
books: with a general índex. New York:B. Franklin, 1972 cf. ROSEN, William. The
most powerful idea in the world: a story of steam, industry and invention. Randon House, 2010, p. 1245/6539 (kindle
edition)
[3] LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o
Governo Civil e Outros Escritos. São Paulo: Editora Vozes, 1999. p.98-99 cf. VALERIO.
Ygor. Imperfeição da teoria da apropriação laboral
para as criações intelectuais – revisitando John Locke, 2014,
http://www.migalhas.com.br/PI/99,MI212087,31047-Imperfeicao+da+teoria+da+apropriacao+laboral+para+as+criacoes
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