quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Clareza no relatório descritivo e artigo 24 da LPI


O artigo 24 da LPI estabelece que o relatório deverá descrever clara e suficientemente o objeto, de modo a possibilitar sua realização por técnico no assunto e indicar, quando for o caso, a melhor forma de execução. O trecho “de modo a possibilitar sua realização por técnico no assunto” se refere tanto a clareza quanto a suficiência descritiva, ou seja, os dois conceitos remetem a capacidade do técnico no assunto em realizar a invenção. Falta de clareza no relatório descritivo não significa o mesmo que insuficiência descritiva. Pode haver uma situação de falta de clareza no relatório descritivo que pudesse permitir emendas corretivas do relatório descritivo ao passo que insuficiência descritiva tais emendas não seriam permitidas por causa do acréscimo de matéria. Por outro lado pode haver situações de falta de clareza no relatório descritivo que da mesma forma pode ser incontornável. Falta de clareza no relatório descritivo mas que não comprometa a capacidade do técnico no assunto em realizar a invenção não constitui infração do artigo 24 da LPI.

No PCT o artigo 5 sobre o relatório descritivo estabelece que The description shall disclose the invention in a manner sufficiently clear and complete for the invention to be carried out by a person skilled in the art.[1] Segundo o guia de exame do PCT item 5.45 a suficiência de que trata o artigo 5 diz respeito aquilo que é considerado essencial para implementar a invenção, o que significa que aspectos não essenciais que estejam descritos sem clareza não comprometem o artigo 5. “The subject matter of each claim must be supported by the description and drawings “in a manner sufficiently clear and complete for the invention to be carried out by a person skilled in the art.” The disclosure of the claimed invention is considered sufficiently clear and complete if it provides information which is sufficient to allow the invention to be carried out by a person skilled in the art as of the international filing date, without undue experimentation”.

Segundo artigo 83 da EPC The European patent application shall disclose the invention in a manner sufficiently clear and complete for it to be carried out by a person skilled in the art.[2]. Para atender ao artigo 83 bata que uma implementação da invenção seja descrita de forma suficiente. Ou seja, pode existir trechos sem clareza no relatório descritivo, mas desde que o restante seja suficiente para implementar um modo de execução da invenção o artugo 84 estará atendido. An invention is in principle sufficiently disclosed if at least one way is clearly indicated enabling the person skilled in the art to carry out the invention. If this is the case, the non-availability of some particular variants of a functionally defined component feature of the invention is immaterial to sufficiency as long as there are suitable variants known to the skilled person through the disclosure or common general knowledge which provide the same effect for the invention (T 292/85, OJ 1989, 275). This has been confirmed by many decisions, for example: T 81/87 (OJ 1990, 250), T 301/87 (OJ 1990, 335), T 212/88 (OJ 1992, 28), T 238/88 (OJ 1992, 709), T 60/89 (OJ 1992, 268), T 182/89 (OJ 1991, 391), T 19/90 (OJ 1990, 476), T 740/90, T 456/91 and T 242/92.[3]

Na EPO T1886/06 enfatizou que mesmo que uma reivindicação utilize um termo indefinido contrariando o Artigo 84 da EPC1973 que prevê clareza nas reivindicações isto não necessariamente implica que o pedido tenha insuficência descritiva (Artigo 83 da EPC1973) uma vez que para implementação da invenção o técnico no assunto poderá recorrer ao conhecimento geral comum (common general knowledge). Uma mera conjectura de que o escopo de uma reivindicação possa se estender para variantes não reveladas não é condição suficiente para se afirmar que um pedido não possua suficiência descritiva. [4]

Na Inglaterra a Seção 72(1)(c) do Patent Act[5] apresenta apenas uma situação em que a insuficiência descritiva pode fundamentar a nulidade de uma patente já concedida. Esta situação prevê que a patente possa ser revogada nos casos em que o relatório descritivo não revelar a invenção de forma suficientemene clara, suficientemente completa de forma a ser executada por um técnico no assunto. Em Kirin Amgen v. Transkaryotic Therapies Inc.[6] a Corte de Apelações entendeu que a dificuldade em se determinar se um produto está dentro do escopo de uma patente constitui uma violação da Seção 72(1)(c) do Patent Act, o que segundo Philip Grubb constitui na verdade um critério de “clareza revestido de insuficiência descritiva”. A falta de clareza não é incluído como um dos fundamentos que podem justificar a revogação de uma patente. Segundo o guia de exame de 2015 (item 14.78) o relatório descritivo é presumivelmente dirigido para o técnico no assunto que está fazendo o seu melhor para entender e não para criticar; defeitos tecnológicos ou obscuridades consideradas não importantes e que não lancem dúvidas no escopo da invenção são são objeções fundamentais. Não se deve levantar objeções meramente porque é possível descrever uma invenção de forma mais clara, uma vez que a invenção já esteja descrita de forma suficiente. 

No guia de exame do Canadá de 2010 objeções do artigo 27(3) – o relatório descritivo deve descrever a invenção corretamente e completamente a invenção e sua operação ou uso tal como contemplado pelo inventor – se aplica tanto a questões significativas de suficiência como a defeitos menores de clareza. A presença de uma objeção do artigo 27(3) não é necessariamente uma indicação de um defeito irremediável relativo a suficiência. Apesar disso, sempre que uma autoridade mais específica existir para se formular uma objeção, esta deve ser usada no lugar do artigo 27(3) do Patent Act. Por exemplo, se existir uma referência numérica nos desenhos que não tenha sido mencionada no relatório descritivo, este defeito deve ser questionado com base na seção 82(9) das regras e não no artigo 27(3) do Patent Act.

Edmond Picard esclarece a exigência da lei belga de que a patente deve ser descrita de forma clara e completa: “isso requer que a invenção seja descrita de tal forma que seja suficiente para permitir a execução da mesma. O objetivo da lei é de ter todos os elementos necessários para que o público possa mais tarde executar a invenção, quando o monopólio da patente cessar [...] por conseguinte, descumpre este princípio da lei, aquele que omite qualquer coisa que seja necessária para a divulgação plena da invenção. Descumpre também quando se adiciona qualquer coisa pode dar origem a um equívoco, uma obscuridade ”.[7] Picard porém ressalva que não é necessária uma descrição perfeita: “o que a lei deseja não é uma descrição irretocável do ponto de vista de estilo, mas uma descrição que faça conhecer a invenção”. O referencial para avaliação desta suficiência é o “homem competente de inteligência ordinária” (l’inteligence ordinarire des hommes compétents). Segundo o Tribunal de Grande Instance de Paris uma descrição pouco clara ou incompleta para uma pessoa normal pode apesar disso ser considerada satisfatória segundo a exigência da lei que tem em vista o técnico no assunto. [8]






[4] Case Law of the Boards of Appeal of the European Patent Office Sixth Edition July 2010, p. 237 http://www.epo.org/law-practice/case-law-appeals/case-law.html




[6] [2004] RPC 31 (Court of Appeal) cf. GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.261



[7] PICARD, Edmond; OLIN, Xavier, Traité des brevets d'invention et de la contrefaçon industrielle, précédé d'une théorie sur les inventions industrielles, 1869, p. 287



[8] TGI Paris, 16 setembro 1992, Squibb c. Biotrol, PIBD, 1992, III, 648 cf. BERTRAND, André. La propriété intellectuelle, Livre II, Marques et Breves  Dessins et Modèles, Delmas:Paris, 1995, p.143



 

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