quinta-feira, 23 de abril de 2015

Patente de novo uso

O caso G2/88 OJ 1990 conclui que uma reivindicação de uso de composto conhecido não possui novidade uma vez que todas as características técnicas da reivindicação são conhecidas, e desta forma é considerada como não possuindo efeito técnico exigido pela EPC.[1] De acordo com G2/88 existem dois tipos diferentes de reivindicação de processo: i) uso de uma entidade pra se alcançar um efeito técnico, ii) processo para fabricação de um produto. [2]Reivindicações direcionadas para o uso de uma substância ou composição para a fabricação de um medicamento usado em uma nova e inventiva aplicação terapêutica são patenteáveis[3] (no passado, segundo a fórmula Suíça). A fórmula Suíça foi uma solução de compromisso formalmente aceita em 1985 na decisão G6/83 no caso Pharmuka no Enlarged Boards of Appeals da EPC[4]. Pollaud Dulian considera esta decisão “extremamente problemática e questionável, ao consagrar <contra legem> a possibilidade de uma segunda aplicação terapêutica”.[5] Segundo Chavanne e Burst um produto já conhecido para uma  aplicação terapêutica não pode ser patenteado para uma segunda aplicação terapêutica, pouco importando que o produto  seja protegido por uma patente ou que a nova aplicação terapêutica seja humana ou animal.[6] Para Jacques Azema a nova aplicação terapêutica não sera objeto de patente ainda que o efeito novo tenha sido até então ignorado ou que utilização nova implique modificações na apresentação ou de dosagem do medicamento. Chavanne e Burst contudo reconhecem que é difícil de encontrar uma justificativa plausível para tal exclusão e entende que as decisões da Câmara de Recursos da EPO, favorável a patente de nova aplicação terapêutica, influencie as cortes francesas.
No Japão o guia de exame de 2012 (Parte I, Capítulo 1, item 2.2.2.3(3)) estabelece que o uso deve ser interpretado como um método de se usar coisas e desta forma se enquadra na categoria de processo. O uso de uma substância  como inseticida é interpretado como método de uso da substãncia como inseticida. O uso de uma substância X para fabricação de um medicamento para aplicação terapêutica Y é interpretada como método para uso da substância X para a fabricação de um medicamento para aplicação terapêutica Y. Na Coreia quando uma reivindicação de produto inclui especificações de uso o examinador deve interpretar esta reivindicaao de produto  somente relativa aos produtso especialmente adaptados para aquele uso. Um gancho para guindaste tendo um formato X indica um gancho com características de tamanho e rigidez próprias para um guindaste, de modo que um gancho apropriado poderia ser construído para aplicação em pesca estaria fora do escopo desta patente e tampouco poderia servir de anterioridade para a mesma.Se por outro lado o produto não possui características específicas para aquela aplicação, então neste caso, as limitações de aplicação presentes na reivindicação não terão qualquer impacto em seu escopo, não tendo influência na avaliação de novidade (Guia de exame parte III, capítulo 2, item 4.1.2(2)). Na China uma reivindicação de uso se enquadra como processo, contudo se uso de um composto X como inseticida é uma reivindicação de processo, por outro lado uma reivindicação de inseticida contendo composto X não é uma reivindicação de processo mas de produto. O uso de substância X para tratar doença Y enquadra-se como método terapêutico e como tal não é patenteado. No entanto uma reivinvidicação que pleiteie o uso da substância X para fabricação de um medicamento para tratar a doença Y é uma forma aceita. Uma reivindicação de produto não é considerada nova meramente porque uma nova aplicação foi encontrada, contudo um produto conhecido para um primeiro uso não destrói a novidade de uma reivindicação do uso do mesmo produto para outra aplicação. Nestes casos se este novo uso é revelado diretamente pelo mecanismo de ação ou ação farmacológica de um uso conhecido, então esta reivindicação de segundo uso não terá novidade. Nos Estados Unidos o MPEP 2173.05(q) estebelece que a reivindicação de uso é considerada indefinidapois não definita de forma positiva as etapas de um processo delimitando como este uso é praticado e adicionalmente não se enquadra em nenhuma das quatro categorias estatutárias do 35 USC 101 (Whoever invents or discovers any new and useful process, machine, manufacture, or composition of matter, or any new and useful improvement thereof, may obtain a patent therefor, subject to the conditions and requirements of this title), ou seja, processo, máquina, manufatura ou composição da matéria.[7]



[1] Case Law of the Boards of Appeal of the European Patent Office Sixth Edition July 2010, p. 12 http://www.epo.org/law-practice/case-law-appeals/case-law.html
[2] Catalogue of remaining differences 2012 update of the CDP 2011, IP5 Offices, p. 25 http://www.jpo.go.jp/torikumi/kokusai/kokusai2/pdf/jitsumu_catalog/en.pdf
[3]Esta regra se alinha com a decisão européia G_0006/83 http://legal.european-patent-office.org/dg3/biblio/g830006ep1.htm ver também G 1/83 e G 5/83
[4] Usucapião de patentes e outros estudos de propriedade industrial, Denis Barbosa. Rio de Janeiro:Ed. Lumen Juris, 2006, p.701
[5] POLLAUD-DULIAN, Frédéric , Propriété intellectuelle. La propriété industrielle, Economica:Paris, 2011, p.160
[6] CHAVANNE, Albert; BURST, Jean-Jacques; Droit de la Propriété Industrielle, Précis Dalloz:Paris,1998, p.98
[7] Catalogue of remaining differences 2012 update of the CDP 2011, IP5 Offices, p. 26 http://www.jpo.go.jp/torikumi/kokusai/kokusai2/pdf/jitsumu_catalog/en.pdf

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Reivindicação de dependência múltipla

Reivindicações de dependência múltipla são permitidas, desde que não comprometa a clareza das reivindicações. Segundo o Instrução Normativa 17/2013 (item 15.1.3.2.2.c) nas reivindicações dependentes não são admitidas formulações do tipo “de acordo com uma ou mais das reivindicações”, “de acordo com as reivindicações precedentes” porque não está claro a quantas reivindicações se referem as relações de dependência. Nestes casos o melhor é especificar quais reivindicações se refere. Para ter clareza nas relações de dependências é recomendável que o examinador construa uma “árvore de dependência” mostrando todas as relações de dependências entre as reivindicações. No site de buscas europeu (http://worldwide.espacenet.com) o usuário tem acesso a árvore de dependência (claims tree). No exemplo da patente US5000000 observa-se que existem duas reivindicações independentes 1 e 5, sendo 2 e 3 dependentes de 1, 6 dependente de 5, 4 dependente de 3 e 7 dependente de 6.
Reivindicações de múltipla relação de dependência podem servir de base a novas reivindicações de dependência múltipla. Segundo o Instrução Normativa 17/2013 item 15.1.3.2.2.d qualquer reivindicação dependente que se referir a mais de uma reivindicação (reivindicação de dependência múltipla) deve se reportar a essas reivindicações na forma alternativa ou na forma cumulativa (formuladas aditivamente), sendo permitida somente uma das formulações, ou alternativa ou cumulativa, para todas as reivindicações de dependência múltipla. Na Lei 5772/71 sob o Ato Normativo 019/76 somente eram aceitas reivindicações de dependência múltipla na forma alternativa, por exemplo: “como reivindicado nas reivindicações 1, 2 ou 3”, “como reivindicado em qualquer uma das reivindicações de 1 a 3”. Reivindicações na forma cumulativa não eram aceitas[1] sob a Lei 5772/71 tais como: “como reivindicado nas reivindicações de 1 a 3” (ou seja 1 e 2 e 3), “como reivindicado em quaisquer das reivindicações de 1 a 3” (ou seja 1 e 2, 2 e 3, 1 e 2 e 3, etc..). Com a LPI o INPI, na forma cumulativa, aceita apenas a primeira forma, ao passo que a segunda forma não seria aceita face a grande variabilidade de possibilidades de interpretação e portanto falta de clareza.
Segundo o AN 127/97 item 15.1.3.2.2.c nas reivindicações dependentes devem ser definidas, precisa e compreensivelmente, as suas relações de dependência, não sendo admitidas formulações do tipo "de acordo com uma ou mais das reivindicações..." (ou seja, 1, 1 ou 2, 2 ou 3, 1 ou 2 ou 3, etc..) , "de acordo com as reivindicações precedentes..." (ou seja 1 e 2, 2 e 3, 1 e 2 e 3, etc..) , ou similares. Estas construções não são aceitas porque não fica claro a que reivindicações a relação de dependência está sendo estabelecida, ou seja, o número de combinações possíveis seria excessivamente elevado o que tornaria as possibilidades de quadro reivindicatório bastante confusas.
Segundo o AN 127/97 item 15.1.3.2.2.e as reivindicações de dependência múltipla na forma alternativa podem servir de base a qualquer outra reivindicação de dependência múltipla, desde que as relações de dependência das reivindicações estejam estruturadas de maneira que permitam o imediato entendimento das possíveis combinações resultantes dessas dependências. Esta é uma flexibilidade em relação a Lei 5772/71 que no AN 019/76 vetava a possibilidade de reivindicações de dependência múltipla referindo-se a outras reivindicações de dependência múltipla. [2]
Na Instrução Normativa n° 30/2013 artigo 6° “IV. qualquer reivindicação dependente que se referir a mais de uma reivindicação (reivindicação de dependência múltipla) deve se reportar a essas reivindicações na forma alternativa ou na forma aditiva, sendo permitida somente uma das formulações, ou alternativa ou aditiva, para todas as reivindicações de dependência múltipla, desde que as relações de dependência das reivindicações estejam estruturadas de maneira que permitam o imediato entendimento das possíveis combinações resultantes dessas dependências; V. as reivindicações de dependência múltipla, seja na forma alternativa ou aditiva, podem servir de base a qualquer outra reivindicação de dependência múltipla, desde que as relações de dependência das reivindicações estejam estruturadas de maneira que permitam o imediato entendimento das possíveis combinações resultantes dessas dependência”. Um exemplo de dependência múltipla não aceitável: reivindicação 3 que depende das reivindicações 1 e 2, em que tais reivindicações 1 e 2 sejam independentes, ainda que mesma categoria.
Na EPO uma reivindicação dependente pode se se referir a uma ou mais reivindicações independentes, um ou mais reivindicações dependentes ou a tanto reivindicações independentes como dependentes.[3] Segundo a Regra 43 da EPC uma reivindicação dependente pode fazer referência a diversas outras reivindicações. O número de reivindicações deve ser considerado razoável de acordo com a natureza da invenção pleiteada. Na há portanto qualquer restrição a formulação de reivindicações de dependência múltipla seja na forma cumulativa ou alternativa.
No Japão tendo em vista questões de concisão e clareza, reivindicações dependentes múltiplas deverão preferencialmente se referir a duas ou mais reivindicações na forma alternativa sendo a mesma restrição aplicável as reivindicações referidas (Guidelines Part I, Chapter 1, 2.2.4.2(2)). A reivindicação de dependência múltipla que se refira a duas ou mais reivindicações uma forma não alternativa não atende as instruções prescritas em Note 14d of Form 29 of Regulations under Patent Act no entanto esta inadequação não poderá fundamentar o indeferimento de um pedido (Guidelines Part I, Chapter 1, 2.2.4.2(3)).[4] Na Coreia uma reivindicação que dependa de duas ou mais reivindicações não deverá se referir a outra reivindicação que por sua vez se refira a mais do que duas reivindicações. O propósito desta regra é evitar dificuldades de interpretação de uma única reivindicação (Guidelines Part II, Chapter 4, 6.6). Na China qualquer reivindicação de dependência múltipla que se refira a duas ou mais reivindicações deverá ser implementada na forma alternativa apenas e não poderá servir de base para novas reivindicações de dependência múltipla (Regra 22(2)). Na China considere considere que a reivindicação 3 reivindique sistema de zoom para câmera de acordo com as reivindicações 1 ou 2. Uma reivindicação 4 que pleiteie sistema de zoom para câmera de acordo com as reivindicações 1, 2 ou 3 não será aceita uma vez que a reivindicação 3 mencionada em uma reivindicação múltipla 4 igualmente é uma reivindicação múltipla.[5] Nos Estados Unidos o 35 USC 112; 37 CFR 1.75(c) prevê que uma reivindicação de dependência múltipla que se refira a mais de uma reivindicação poderá ser implementada apenas na forma alternativa. Reivindicações de dependência múltipla não poderão servir de base para outras reivindicações de dependência múltipla.[6]
As Diretrizes do PCT deixam aos países Membros decidir se aceitam tais tipos de reivindicações[7]. O Artigo 6.4a da Regra do PCT rejeita este tipo de reivindicações: “qualquer reivindicação dependente que se refira a mais de uma reivindicação (reivindicação dependente múltipla) deve se referir a tais referências na forma alternativa apenas. Reivindicações dependentes múltiplas não devem servir de base para qualquer outra reivindicação dependente múltipla”.[8] O guia de exame PCT no apêndice ao capítulo 5 reconhece duas práticas divergentes no tratamento de reivindicações dependentes múltiplas. A primeira prática A5.16[1], que reflete a prática do USPTO e a segunda A5.126[2] que reflete a prática na EPO, a qual também é a prática corrente no INPI.



[1] BEN-AMI, Paulina. Manual de Propriedade Industrial, São Paulo: Secretaria da Ind. Com. e Tecnologia, SEDAI, 1983, p.59
[2] BEN-AMI, Paulina. Manual de Propriedade Industrial, São Paulo: Secretaria da Ind. Com. e Tecnologia, SEDAI, 1983, p.60
[3] EPO Guidelines 2010, Part C, Chapter III item 3.4 http://www.epo.org/law-practice/legal-texts/html/guiex/e/c_iii_3_4.htm Catalogue of remaining differences 2012 update of the CDP 2011, IP5 Offices, p. 15 http://www.jpo.go.jp/torikumi/kokusai/kokusai2/pdf/jitsumu_catalog/en.pdf
[4] Catalogue of remaining differences 2012 update of the CDP 2011, IP5 Offices, p. 16 http://www.jpo.go.jp/torikumi/kokusai/kokusai2/pdf/jitsumu_catalog/en.pdf
[5] Guidelines for examination, 2006, SIPO, Intellectual Property Publishing House, parte II, cap. 2, parag. 3.3.2, p.156
[6] Catalogue of remaining differences. First Draft supplemented with KIPO and SIPO contributions (mid 2011 version), p.13 http://www.trilateral.net/catalogue/catalogue.pdf
[7] Item A5.16 PCT International Search and Preliminary Examination Guidelines, PCT Gazette, Special Issue, WIPO, 25 março 2004, S-02/2004
[8] STAUDER, Dieter; SINGER, Margareth; European Patent Convention: a commentary.  Thomson:Cologne, 2003, p. 389

domingo, 12 de abril de 2015

Extensão da vigência de uma patente

A vacina contra a peste manqueira, que atingia o gado, foi o segundo produto que obteve no Brasil a renovação da Patente, fato só obtido anteriormente pelo Formicida Matarazzo. A patente da vacina manqueira foi prorrogada pelo Decreto nº 16.200 de 31 de outubro de 1923 que prorrogou por 15 anos o prazo do privilégio de que trata a Carta de Patente de invenção, nº 5.566 de 24 de novembro 1908, que em seu artigo primeiro estabelece: “Fica prorrogado por 15 anos o prazo do privilégio a que se refere a Carta Patente n. 5.566, de 24 de novembro de 1908, concedida ao Dr. Alcides Godoy e transferida ao Instituto de Patologia Experimental de Manguinhos (Instituto Oswaldo Cruz), em 24 de março de 1909, para invenção de uma nova vacina contra o carbúnculo sintomático (peste da manqueira)”. Os rendimentos obtidos com a venda da vacina foram fonte de verbas controladas pelo Instituto para contratar pessoal, comprar material, formar a biblioteca etc [1]. Na Inglaterra o francês George Valensi obteve em 1938 patente para um sistema de transmissão de televisão em cores, no entanto com a segunda guerra mundial foi somente em 1967 que o sistema foi lançado na Inglaterra. Para tanto, Valensi conseguiu manter válida sua patente, estendendo sua vigência, até junho de 1971. [2]





[1] http: //www.redetec.org.br/inventabrasil/godoy.htm.
[2] READERS'S DIGEST, História dos grandes inventos, Portugal, 1983, p.152

sábado, 11 de abril de 2015

Invenção coletiva: é justo conceder uma patente ?

Rogério Cerqueira Leite: “A descoberta da vacina anti-rábica por Pasteur pode ser atribuída ao grande homem e seu pequeno grupo de assistentes [...]. No futuro, se uma vacina contra a Aids vier a ser descoberta, será o produto do esforço de milhares de grupos que através de publicações, simpósios e dezenas de outras ferramentas de trocas intelectuais constroem e compartilham de imenso arsenal de informações e ideias. [...] Hoje, a invenção é sempre o resultado de um trabalho coletivo. [...] Portanto, o argumento inicial da concessão do monopólio como estimulo individual à pesquisa não prevalece em nossos tempos. [...] O progresso técnico é inibido pelo sistema de patentes. [...] O sistema de patentes contribui para o aumento das diferenças dos graus de riqueza entre nações.” [1]. Tanto a ciência como a tecnologia podem ser vistas como uma construção coletiva. Newton em carta escrita a seu inimigo Robert Hooke em 1675 declara que se pode ver mais longe, é porque pode se colocar de pé sob os ombros de gigantes. [2] Walter Isaacson em sua história da computação conclui que a invenção do computador deve ser entendida como uma criação coletiva: “se você gostar da ideia romântica de inventores solitários e se preocupar menos com quem teve mais influência sobre o progresso posterior da computação, pode colocar Atanasoft e Zuse mais no alto. Mas a principal lição a ser aprendida com o nascimentos dos computadores é que a inovação normalmente é um esforço coletivo, que envolve a colaboração entre visionários e engenheiros,e que a criatividade vem do aproveitamento de muitas fontes”.[3] A tendência de destacar o papel coletivo da criação se reforça com o papel de maior destaque da P&D nos laboratórios de pesquisa das grandes corporações. Segundo o historiador  da computação Kurt Beyer: “o locus da inovação tecnológica, de acordo com a IBM, era a corporação. O mito do inventor solitário radical trabalhando no laboratório ou no porão era substituído pela realidade de equipes anônimas de engenheiros da organização contribuindo com avanços incrementais”.[4]

Gama Cerqueira responde a este argumento: “Não se contesta que em toda invenção há uma parte não original, que lhe serve de suporte; mas o direito do inventor não recai sobre aquilo que já pertence ao domínio comum, senão apenas sobre a sua criação, isto é, sobre a inovação por ele realizada”. Da mesma forma não se pode dizer que as invenções sejam mero produto das condições sociais e que dadas certas circunstâncias elas se realizariam de modo inequívoco: “os conhecimentos acumulados pela cultura e pela técnica encontram-se à disposição de todos os indivíduos, e, repetimos, poucos são os que inventam” [5]. Para Gama Cerqueira desconhecer o direito do inventor aos frutos de seu trabalho seria “aniquilar o espírito inventivo, que a experiência tem demonstrado ser essencial ao progresso social”.

O inglês Oliver Lodge desenvolveu um aparelho para detecção de ondas de rádio, previstas pelo alemão Heinrich Hertz, utilizando um dispositivo no receptor chamado de coesor inventado por Edouard Branly em 1890 (um tubo de vidro cheio de limalha de ferro capaz de se agrupar, e assim alterar sua resistência elétrica, quando da presença de ondas de rádio) tendo realizado uma apresentação pública no Royal Institution em 1894.  Ele transmitiu sinais de rádio em 14 de agosto de 1894 em um encontro da Associação Britânica para o Avanço da Ciência na Universidade de Oxford, um ano antes de Guglielmo Marconi, mas um ano após Nikola Tesla. Em seu início havia um grande descrédito das perspectivas das ondas eletromagnéticas como meios de comunicação. Marconi começou suas experiências com ondas de rádio em 1890 logo após a descoberta de Henrich Hertz que preveniu Marconi que suas experiências estavam destinadas ao fracasso e que eram perda de tempo. Lord Kelvin aconselhou ao físico Ernest Rutherford em início de carreira a que não investisse nas ondas hertezianas por não visualizar qualquer aplicação prática das mesmas sugerindo a pesquisa em radioatividade.[6] Mesmo tendo patenteado sua invenção Lodge não fez o enforcement da mesma.[7] Sua patente US609154 referente a telegrafia sem fio utilizando a bobina de Ruhmkorff ou Tesla como transmissor e o coesor de Branly como detetor, a patente de "sintonização" de agosto de 1898 foi vendida a Marconi em 1912.[8] Roger Cullis aponta o fato de que a Inglaterra detinha o controle das transmissões por cabo submarino assim como os correios detinham o monopólio das comunicações telegráficas e telefônicas pelo Telegraph Act de 189 de forma que não havia grande interesse pela tecnologia de transmissão sem fio. [9]

O russo Alexander Popov implementou no coesor um pequeno badalo, que batia levemente na limalha de ferro do coesor, preparando assim o dispositivo automaticamente para novas recepções e realizou experiências de transmissão por rádio, bem sucedidas junto a Sociedade Físico Química Russa em 1895. [10] O indiano Chandra Bose, aperfeiçoou o coesor utilizando mercúrio, em 1899. Utilizando o coesor de Lodge e Popov, Marconi incorporou uma placa de metal afixada à ponta do coesor de modo a melhorar a recepção dos sinais, constituindo uma antena, que permitiu a transmissão de sinais a grandes distâncias, culminando com o envio de sinais de rádio da Europa aos Estados Unidos em 1901, desta vez já utilizando o coesor de Bose. Em 1900 Marconi depositou a patente GB7777 para um rádio com sintonia, capaz de selecionar os sinais de rádio a serem recebidos, garantindo assim a possibilidade de múltiplas transmissões simultâneas. Esta técnica já havia sido, contudo, patenteada pelo croata Nikola Tesla em 1897.

Usando uma tecnologia distinta, sem o emprego do coesor, mas o centelhamento de uma bobina de RuhmKoff, o padre brasileiro Landell de Moura [11] conseguiu transmitir sinais de voz (e não apenas telegrafia como a experiência de Marconi em 1901) em uma exibição realizada na Avenida Paulista, em São Paulo em 1900 e solicitou patente nos Estados Unidos dois anos após (US775337). Diante de tantas invenções complementares é difícil determinar quem é o inventor do rádio, uma vez que a mesma palavra é empregada para descrever equipamentos de características distintas, contudo, o sistema de patentes não se ocupa disto, mas permite a concessão da proteção para cada um destes aperfeiçoamentos [12]. O fato de haver tantos aperfeiçoamentos de uma tecnologia não inviabiliza o reconhecimento de cada contribuição individual e desta forma a concessão de patentes.



[1] Dossiê das Patentes: uma análise do projeto n.824 do Governo Federal sobre a questão da propriedade industrial, Forum pela Liberdade do uso do Conhecimento, jun. 1992, http: //www.dieese.org.br/cedoc/004732.pdf.
[2] MAY, Christopher; SELL, Susan. Intellectual Property Rights: a critical history. Lynne Rjenner Publishers: London, 2006, p.25
[3] ISAACSON, Walter. Os inovadores: uma biografia da revolução digital, São Paulo: Cia das Letras, 2014, p. 97
[4] ISAACSON, Walter. Os inovadores: uma biografia da revolução digital, São Paulo: Cia das Letras, 2014, p. 103
[5] CERQUEIRA, Gama. Tratado da Propriedade Industrial, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. v.1, p. 133.
[6] READERS'S DIGEST, História dos grandes inventos, Portugal, 1983, p.62
[7] CULLIS, Roger. Patents, inventions and the dynamics of innovation: a multidisciplinary study, Edgard Elgar, 2007, p.49
[8] http://pt.wikipedia.org/wiki/Oliver_Lodge
[9] CULLIS, Roger. Patents, inventions and the dynamics of innovation: a multidisciplinary study, Edgard Elgar, 2007, p.88, 151
[10] CAMP, Sprague. A história secreta e curiosa das grandes invenções.Rio de Janeiro:Lidador, 1964, p. 318
[11] http: //www.redetec.org.br/inventabrasil/lande.htm.
[12] ROTHMAN, Tony. Tudo é relativo e outras fábulas da ciência e da tecnologia. São Paulo: Difel, 2005 p. 205. 

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Análise retrospectiva ou prospectiva no exame de patentes

O examinador deve se colocar como técnico do assunto da época do depósito do pedido. Desta forma partindo-se do que se conhecia do estado da técnica à época do depósito do pedido de patente o examinador deve avaliar se seria óbvio chegar-se à solução proposta no pedido. Neste sentido deve procurar fazer uma análise prospectiva. Uma análise prospectiva procuraria prever a evolução futura da tecnologia enquanto uma análise retrospectiva busca uma avaliação do desenvolvimento da tecnologia decorridos durante certo período do passado. Segundo Denis Barbosa: “uma vez conseguida a nova solução, tudo parece óbvio. A postura da análise seria sempre prospectiva a partir do documento mais próximo, e não retrospectiva, a partir da nova invenção”.[1] Vander Haeghen destaca esta dificuldade do examinador se colocar dentro da perspectiva de um técnico no assunto na época do depósito do pedido: “Esta dificuldade de se transportar ao pensamento daquela época distante se encontra aumentado pelo fato do que se conhece atualmente não somente da invenção criada desde a longa data, mais ainda mais por todas as suas aplicações, aperfeiçoamentos e resultados desta invenção de que qualquer modo fazem parte de nosso ambiente. Quaisquer que sejam estas dificuldades é preciso contudo a todo preço superá-las. È preciso absolutamente se colocar no pensamento da época da invenção e não aceitar  como elementos de apreciação senão outros que teriam poderiam ter à aquela época”, uma dificuldade semelhante ao historiador das ciências que deve se colocar no pensamento da época para compreender as realizações da tecnologia. [2]
Uma análise retrospectiva tenderia a realizar a análise de atividade inventiva tomando-se como ponto de partida a solução proposta no pedido se esta seria óbvia diante da evolução observada na tecnologia. Esta análise retrospectiva não é recomendável porque uma vez partindo-se da solução proposta tudo pareceria óbvio. Por exemplo, dado o problema de como colocar um ovo em pé sob uma mesa poderíamos pensar em diversas soluções. Se partirmos da solução de se quebrar a base do ovo para dispô-lo sobre a mesa, certamente o técnico no assunto acharia tal solução óbvia diante de sua simplicidade. Esta contudo seria uma análise retrospectiva: partindo-se da solução esta parece óbvia diante do estado da técnica. A análise correta seria considerar a solução encontrada tendo-se como conhecido apenas as soluções a este problema conhecidas do estado da técnica. Cristóvão Colombo usou este exemplo em um banquete  comemorativo pela descoberta da América organizado pelo Cardeal Mendoza. Após ele ter mostrado o caminho para o Novo Mundo, qualquer um pode segui-lo, mas que antes foi necessário que alguém tivesse a ideia, e alguém depois precisou colocá-la em prática: “Convenhamos, entretanto, que apesar de sua simplicidade e facilidade, você não descobriu a solução, e que apenas eu é que removi a dificuldade. O mesmo ocorreu com a descoberta do Novo Mundo. Tudo que é natural parece fácil, após conhecido ou encontrado. A dificuldade está em ser o inventor, o primeiro a conhecer ou a demonstrar”. A história do ovo de Colombo foi publicada pela primeira vez na obra History of the New World, de Girolano Benzoni, em 1565.[3]
Dito de outra forma, seria o mesmo que questionarmos um técnico no assunto apresentado-o a solução de um problema, para que este avalie se a solução proposta no pedido é óbvia. Se questionássemos este técnico no assunto já com a resposta proposta, haveria uma tendência grande do técnico no assunto, diante da resposta, manifestar-se pela obviedade da mesma. Outro erro que o examinador deve evitar em sua análise de atividade inventiva é colocar-se como técnico no assunto de hoje ao avaliar um pedido, muitas vezes depositado anos atrás. O que hoje faz parte da lógica do técnico no assunto, constituindo paradigma de seu campo tecnológico, pode não ser algo tão óbvio para o técnico no assunto do passado.



[1] O contributo mínimo em propriedade intelectual: atividade inventiva, originalidade, distinguibilidade e margem mínima. Denis Borges Barbosa, Rodrigo Souto Maior, Carolina Tinoco Ramos, Rio de Janeiro:Lumen, 2010, p.63
[2] HAEGHEN, Vander. Brevets d'invention marques et modèles, Bruxelas:Ed. Ferdinand Larcier, 1928, p.43
[3] http://pt.wikipedia.org/wiki/Ovo_de_Colombo

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Por que o INPI diferencia 7.1 de um 6.1 ?

Na Lei nº 5772/71 o Artigo 19 § 2º previa que “O pedido será indeferido se for considerado imprivilegiável, por contrariar as disposições dos artigos 9º (invenções não privilegiáveis) e 13 (modelos não privilegiáveis)”. O parágrafo 3º previa que “Por ocasião do exame, serão formuladas as exigências julgadas necessárias, inclusive no que se refere à apresentação de novo relatório descritivo, reivindicações, desenhos e resumo, desde que dentro dos limites do que foi inicialmente requerido”. O parágrafo 5º por sua vez definia que “A exigência não cumprida ou não contestada no prazo de noventa dias acarretará o arquivamento do pedido, encerrando-se a instância administrativa”, ou seja, somente na total inércia da parte caberia o arquivamento do pedido, não cabendo recurso desta decisão.[1] Segundo o parágrafo 6º “o pedido será arquivado se for considerado improcedente a contestação oferecida à exigência”. Segundo o parágrafo 7º “Salvo o disposto no § 5º deste artigo, do despacho que conceder, denegar ou arquivar o pedido de privilégio caberá recurso, no prazo de sessenta dias”. Segundo Douglas Gabriel Domingues: “contestadas as exigências do INPI, será o processo julgado à vista da contestação oferecida, e, caso seja a mesma julgada improcedente, será o pedido arquivado. Entretanto, como não houve inércia da parte, que antes contestou o que lhe foi exigido, o arquivamento não determina o encerramento da instância administrativa, cabendo recurso ao presidente do INPI no prazo de sessenta dias (Artigo 19 § 7º combinado com o Artigo 108)”.
Por estes artigos seria possível o indeferimento em primeiro exame, o que dava margens a decisões consideradas discricionárias do INPI. Decisão do TRF2[2] analisou recurso pela não inobservância do parágrafo 3º do Artigo 19 da Lei nº 5772/71 referente a disposição em conjunto para canto de cozinha. O indeferiu o modelo de utilidade, segundo o depositante, sem conceder ao mesmo a oportunidade de melhor esclarecimento da reivindicação nos termos do parágrafo 3º do artigo 19 da lei 5772/71. O juiz baseia-se em laudo pericial que conclui que “a reivindicação foi elaborada de maneira a dificultar a interpretação, sendo certo que se a fizesse de forma mais clara estaria caracterizado 1) uma nova forma ou disposição diferente, 2) uma melhor utilização para o fim a que se destina. Em sua conclusão o Sr. Perito foi categórico: Em tudo que foi visto e analisado, entendo que o gerador de problema foi a elaboração dos dizeres da reivindicação do pedido de modelo de utilidade, que não deixou claro onde de fato estava a modificação do projeto, mas, se houvesse um pedido de exigências por parte do INPI para entender melhor o pedido que estava sendo feito, não haveria dúvida por parte deste em identificar a modificação introduzida para um melhor aproveitamento em canto de cozinha. Portanto, existe no projeto apresentado uma modificação e disposição diferente que resulta em uma melhor utilização para o fim a que se destina”. O juiz Desembargador Paulo do Espírito Santo conclui: “Como não existe discricionariedade do juiz quanto a aplicação do art. 284 do CPC mutatis mutantis, também não existirá para o réu relativamente ao parágrafo 3º do artigo 19 do CPI. Talvez em tudo tivesse sido evitado com esclarecimentos em sede administrativa, eis que o modelo apresentado se adéqua a definição do artigo 10 do CPI [...] Julgo procedente os demais pedidos para anular a decisão indeferitória proferida no processo administrativo, referente ao MU6602007, condenando o INPI a continuar o processamento do pedido de privilégio”.
Paulina Ben Ami explica que o parecer técnico inicial do INPI poderia ser uma decisão (deferimento 9.1 ou indeferimento 9.2), exigência (6.1) ou ciência de parecer (7). [3] Embora o Artigo 19 § 2º cite como causa de indeferimento os Artigo 9 e 13, Paulina Ben Ami inclui entre as razões apontadas pelo INPI para indeferimento a falta de aplicação industrial Artigo 6º § 3º entre outras: “a prática mostrou a necessidade de ampliar as definições de não privilegiabilidade que acarretam indeferimento”. As exigências são formuladas por não cumprimento do Ato Normativo nº 19 de 11 de maio de 1976 referente a elaboração do pedido de patente: “estas exigências podem também ser feitas em adição à citação de anterioridades, quando estas são tais que não colidem completamente com a invenção e não acarretem o indeferimento do pedido (ausência parcial de novidade e não absoluta”. A ciência de parecer é aplicável “quando são encontrados documentos que tornam a invenção, à primeira vista, óbvia a um técnico especializado no assunto, o examinador estabelece no seu parecer que a invenção não apresenta atividade inventiva. Como não se trata de uma decisão e nem de uma exigência que deva ser cumprida pelo depositante, foi estabelecido pelo INPI que tal tipo de parecer será notificado ao depositante através da publicação na RPI em item separado sob o título Ciência de Parecer (item 7). A contestação por parte do depositante dentro do prazo de 90 dias é facultativa. A não manifestação do depositante não acarretará o arquivamento do pedido, mas sim uma decisão de deferimento ou indeferimento da parte do examinador”. Paulina Ben Ami mostra que o conceito de atividade inventiva, ainda que não previsto expressamente no CPI (Artigo 9º e) já era de uso freqüente nos pareceres do INPI. Como a ciência de parecer não era entendida como uma exigência, a não manifestação do requerente gerava indeferimento passível de recurso. Ou seja, mesmo não tendo previsão legal expressa, a prática do INPI considerava que nos casos de não patenteabilidade do pedido, a não manifestação do requerente não seria contemplada pelo arquivamento definitivo do artigo 19 parágrafo 5º do CPI.
Na tentativa de incorporar na legislação o que já era prática de exame do INPI, o Comitê do INPI encarregado de preparar o que veio a ser o projeto de lei do executivo para a nova lei de propriedade industrial (PL nº 824/1991) redigiu proposta em que previa que “após verificada a regularidade formal do pedido, proceder-se-à, elaborando-se o relatório de busca e o parecer relativo a: I - patenteabilidade do pedido, II – enquadramento do pedido na natureza reivindicada, III – reformulação do pedido ou desdobramento, IV – irregularidades constatadas”. O artigo portanto não se refere a exigências técnicas.
O Artigo 39 previa que “se o parecer opinar pela não patenteabilidade ou não enquadramento do pedido na natureza reivindicada, o depositante será intimado para manifestar-se no prazo de noventa dias, sob pena de indeferimento. Parágrafo Único: se improcedentes as razões oferecidas na manifestação, o pedido será indeferido”. A inércia do requerente nas situações I e II é passível de indeferimento, o que legitima o procedimento já em uso do INPI de se indeferir após uma ciência de parecer, condição em que a patenteabilidade do pedido era questionada. O artigo afasta a possibilidade de indeferimento em primeiro exame, suprindo uma deficiência do CPI e limitando os atos de discricionariedade por parte do INPI. Como nenhum Artigo se referia à conclusão de exame (atual artigo 37 da LPI) paradoxalmente o texto original não previa a situação de deferimento em primeiro exame.
O Artigo 40 do PL 824/91 definia que “No curso do exame do pedido poderão ser formuladas exigências, que deverão ser cumpridas no prazo de noventa dias contados da intimação sob pena de arquivamento”. Desta vez a inércia do requerente em não se manifestar implica em arquivamento ao qual cabe recurso, ao contrário do Artigo 19 § 5º do CPI em que este arquivamento era definitivo. O texto do Artigo 40, contudo, não deixa claro quais das situações de pareceres previstas no Artigo 38 seriam consideradas como exigências, em princípio, por não terem sido citadas no Artigo 39, as situações de exigência seriam as hipóteses III e IV. Certo é que pela redação original as duas previsões dos incisos I e II do Artigo 38 não poderiam ser tidas como exigências, pois neste caso teríamos os artigos 39 e 40 incoerentes entre si, o primeiro solicitando o indeferimento em caso de não manifestação e o segundo indicando o arquivamento não definitivo, embora ambos com previsão de recurso.
O relator Ney Lopes em seu substitutivo PL 824-A modificou o texto para Artigo 36 “Instruído o processo, será feito o exame, elaborando-se o relatório de busca e parecer relativo a: I – patentabilidade do pedido, II – adaptação do pedido na natureza reivindicada, III – reformulação do pedido ou divisão, IV – exigências técnicas. Artigo 37 Quando o parecer opinar pela não patenteabilidade ou não enquadramento do pedido na natureza reivindicada ou formular qualquer exigência, o depositante será intimado para manifestar-se no prazo de 60 dias sob pena de indeferimento do pedido da patente. Parágrafo único: o pedido será ainda indeferido se improcedentes as razões oferecidas na manifestação”. Desta vez, sob quaisquer hipóteses do Artigo 36 a inércia do requerente seria tratada com indeferimento. No Senado o texto retomou a previsão do texto original de arquivamento por não manifestação de exigência assumindo sua forma atual. Conclui-se portanto que a opção de ter todas as quatro situações de parecer técnico pelo INPI como passíveis de indeferimento em caso de inércia do requerente foi explicitamente rejeitada pelo Congresso. O arquivamento passível de recurso tornou-se arquivamento definitivo no Artigo 36 o que condiz com a postura do Congresso de tentar restringir as possibilidades de recurso tornando o processo administrativo menos burocratizado. Se o requerente tendo diante de si uma mera exigência técnica não se manifestou é porque não tem mais interesse na continuidade de seus pedido de patente e portanto não justifica a possibilidade de recurso.
Segundo o Artigo 35 da LPI por ocasião do exame técnico, será elaborado o relatório de busca e parecer relativo a: I - patenteabilidade do pedido; II - adaptação do pedido à natureza reivindicada; III - reformulação do pedido ou divisão; ou IV - exigências técnicas. Art. 36 - Quando o parecer for pela não patenteabilidade ou pelo não enquadramento do pedido na natureza reivindicada ou formular qualquer exigência, o depositante será intimado para manifestar-se no prazo de 90 (noventa) dias. Parágrafo 1º - Não respondida a exigência, o pedido será definitivamente arquivado. Parágrafo 2º - Respondida a exigência, ainda que não cumprida, ou contestada sua formulação, e havendo ou não manifestação sobre a patenteabilidade ou o enquadramento, dar-se-á prosseguimento ao exame. Art. 37 - Concluído o exame, será proferida decisão, deferindo ou indeferindo o pedido de patente.
Dannemann entende que o inciso III do Artigo 35 ao tratar de reformulação do pedido compreende exigências técnicas formais tais como inadequação do título, enquanto que o inciso IV se restringiria às exigências de cunho técnico [4]: “O CPI de 1971 previa expressamente no Artigo 19 § 5º o prazo de 90 dias somente para resposta às exigência, sendo omisso quanto as respostas a pareceres [quando o exame concluir pela não patenteabilidade do pedido], o que gerou controvérsias a respeito deste último. A nova lei elimina qualquer dúvida neste sentido. A obrigação de emissão de parecer desfavorável se aplica também aos pedidos divididos”. O autor, portanto distingue dois tipos de resposta do INPI: parecer de não patenteabilidade relativo ao inciso I do Artigo 35, mudança de natureza relativa ao inciso II do Artigo 35 e exigências sejam estas meramente formais (inciso III do Artigo 35) ou técnicas (inciso IV do Artigo 35), sendo que apenas para estes dois últimos casos se aplicaria o arquivamento definitivo do parágrafo primeiro do Artigo 36. Muitos requerentes conhecedores da prática do INPI tem optado pela não manifestação à ciência de parecer expedida pelo INPI como forma de prosseguir mais rapidamente à fase recursal contando com a análise da matéria de outro examinador. Podemos contudo entender o inciso III que se refere à reformulação do pedido como algo relativo à unidade de invenção visto que o inciso se remete à possibilidade de divisão do pedido. De fato nos casos de falta de unidade de invenção cabe duas possibilidades ao requerente: reformular o pedido eliminando algumas reivindicações de modo a restar um único conceito inventivo no pedido, ou proceder a divisão do pedido mantendo um conceito inventivo por pedido. Neste sentido poderíamos entender o inciso III como não sendo propriamente uma exigência técnica a qual se refere o Artigo 36, e portanto passível de indeferimento em caso de inércia do titular.
Portanto, no PL 824/91 houve a intenção de se criar uma novo tipo de parecer do INPI, além dos já presentes na lei anterior de exigência, deferimento e indeferimento, que veio a se denominar “ciência de parecer” na medida em que se afastou a possibilidade de indeferimento em primeiro exame. Esta ciência de parecer trataria dos casos em que o pedido não reuniria condições de patenteabilidade e que pela lei anterior seriam indeferidos em primeiro exame. Isto remetia a uma prática de exame já adotada pelo INPI no CPI 5772/71. Portanto, em sua origem na LPI, a proposta da ciência de parecer (7.1) era a de discriminar os tipos de restrições no pedido de patente que impediram o deferimento do mesmo. O texto da LPI chegou mesmo a prever a possibilidade de indeferimento nos casos de não manifestação do requerente para as quatros possíveis situações de parecer do INPI (não patentabilidade, inadequação da natureza, falta de unidade de invenção e exigências técnicas), porém esta proposta foi formalmente rejeitada no Senado. Outro aspecto que a LPI procurou contornar na lei antiga era a possibilidade de arquivamento definitivo (prevista no Artigo 19 § 5º do CPI) sem possibilidade de recurso para os casos de não patenteabilidade. Por este motivo, já no CPI situações de não patenteabilidade já não eram consideradas exigências técnicas passíveis de arquivamento definitivo por inércia do requerente. A LPI incorporou esta prática do INPI. Podemos portanto concluir que tratar todas as quatro situações do Artigo 35 da LPI como exigências técnicas passíveis de arquivamento definitivo seria uma interpretação contrária a como o entendimento da LPI foi sendo construído no Congresso Nacional.
Segundo o artigo 35 Por ocasião do exame técnico, será elaborado o relatório de busca e parecer relativo a:         I - patenteabilidade do pedido;  II - adaptação do pedido à natureza reivindicada;  III - reformulação do pedido ou divisão; ou IV - exigências técnicas. O artigo 36 afirma que quando o parecer for pela não patenteabilidade (inciso I do artigo 35) ou pelo não enquadramento do pedido na natureza reivindicada (inciso II do artigo 35) ou formular qualquer exigência (incisos III e IV), o depositante será intimado para manifestar-se no prazo de 90 (noventa) dias. Segundo o § 1º do mesmo artigo 36 não respondida a exigência, o pedido será definitivamente arquivado, ou seja, isto se aplica apenas aos incisos IV do artigo 35. Como se trata de uma medida exttrema que diz respeito ao arquivamento definitivo e como não está claro se o inciso III pode se enquadrar como exigência, o INPI tem adotado o entendimento de que este parárafo primeiro aplica-se somente ao inciso IV do artigo 35 que trata textualmente de exigências. O INPI diferencia estas duas situações adotando um código 7.1 para as situações I, II e III e de 6.1 para IV. Desta forma um 6.1 sem manifestação (o requerente não apresentou nenhuma petição no tempo hábil de 90 dias) implica no arquivamento definitivo do pedido (11.2) enquanto que a não manifestação a um 7.1 segue o exame e o INPI deve indeferir (9.2) repetindo os argumentos citados na ciência pois não há razão para o INPI mudar de opinião.



[1] DOMINGUES, Douglas Gabriel. Direito Industrial – Patentes, Rio de Janeiro:Forense, 1980, p.206.
[2] Acórdão Origem: TRF-2 Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL - 0 Processo: 95.02.03622-0 UF : RJ Orgão Julgador: SEGUNDA TURMA Data Decisão: 21/05/1997 Documento: TRF-200057967 Fonte DJU - Data::11/02/1999 - Página::352
[3] BEM AMI, Paulina. Manual de Propriedade Industrial, São Paulo:SEDAI, 1983, p.95
[4] DANNEMANN, Siemsen, Bigler & Ipanema Moreira. Comentários à lei da Propriedade Industrial e Correlatos, Rio de Janeiro:Renovar, 2001, p. 53

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Doutrina Hilmer: violação da CUP e TRIPs ?

Segundo o artigo 4B da CUP afirma que o direito de prioridade garante a seu depositante os direitos sobre depósito subsequente em qualquer país da União de Paris, dentro do praz de doze meses, sem que tal deposito seja invalidado por atos praticados por terceiros neste período como a publicação ou exploração da mesma invenção realizados neste intervalo. Um depósito feito por terceiros para a mesma matéria durante este intervalo de doze meses não poderá invalidar o depósito subsequente o qual invoca direito de prioridade. O efeito portanto desta prioridade será o mesmo que um depósito feito no mesmo país na data de prioridade, ou seja, como se todos os países da União de Paris formassem um único país para fins de efeitos no depósito de uma patente.

Esta regra não era aplicável nos Estados unidos devido à chamada doutrina Hilmer estabelecida em uma decisão de 1966 (In re Hilmer, 359 F.2d 859, 149 USPQ 480 CCPA 1966). O pedido X depositado no Brasil, em sigilo à época do depósito do pedido Y nos Estados Unidos, não é considerado como anterioridade para Y, ainda que este pedido X viesse a ser depositado nos Estados Unidos e, portanto, é concedida patente a Y, por ter sido Y o primeiro depósito nos EUA. No caso em questão os dois pedidos recebem patente nos Estados Unidos [1]. A prioridade unionista do pedido X depositado inicialmente no Brasil e posteriormente nos Estados Unidos tem o condão de garantir a patente ao brasileiro mas não consegue evitar a patente do pedido depositado Y posteriormente nos Estados Unidos, quando X ainda não havia sido publicado [2].

O Artigo 102(e) [3] do USC determina que patentes concedidas nos Estados Unidos ou algum outro pedido depositado nos Estados Unidos constituem estado da técnica a partir da data de depósito do pedido no USPTO. O Artigo 102(e) do USC é explicitamente limitado a certas referências depositadas nos Estados Unidos.  Portanto, a data de prioridade estrangeira citada [4] no Artigo 119 não pode ser usada como anterioridade para a data de depósito do pedido nos Estados Unidos [5]. Para alguns críticos a doutrina Hilmer fere o princípio de tratamento nacional previsto na CUP. Para Philip Grubb a doutrina Hilmer é uma forma de discriminação contra estrangeiros e é considerada como uma violação de TRIPs.[6]No relatório apresentado pela coordenadora do grupo B+, Anne Rejnhold Jørgensen, em reunião do B+ em Genebra em 26/09/2007 consta como um dos pontos essenciais para avanço das negociações sobre harmonização a eliminação da Doutrina Hilmer [7].

Bodenhausen destaca que no âmbito da CUP o artigo 4B na versão de 1883 o direito de prioridade se estabelecia preservando-se o direito de terceiros. Ou seja, se terceiros iniciassem a produção do produto objeto do pedido de patente, durante o prazo de prioridade, poderiam continuar a fabricação independente deste pedido se tornar uma patente concedida. Na revisão de Londres de 1934 esta ressalva foi retirada. A disposição revisada declara que um depósito efetuado posteriormente durante o prazo de prioridade unionista não poderá ser invalidado por nenhum dos fatos ocorridos neste intervalo. Com a Revisão de Londres o depositante pode reivindicar para qualquer matéria revelada mas não reivindicada no documento original estrangeiro. [8] Com a retirada da ressalva de 1883, o direito de prioridade tornou-se de alcance ainda maior, uma vez que os efeitos do depósito posterior não poderão ser menores que se este segundo depósito fosse efetuado no momento do primeiro depósito em outro país da União no qual se baseia o direito de prioridade [9].

Com o American Inventor Act (AIA) de setembro de 2011 a doutrina Hilmer foi eliminada. Gene Quinn considera esta como a medida de maior impacto na reforma de patentes pois diz respeito o valor da documentação patentária estrangeira na determinação do estado da técnica. Pela doutrina Hilmer um estrangeiro poderia usar data de prioridade estrangeira para se proteger contra um documento de anterioridade publicado entre esta data de prioridade estrangeira e a data de depósito de seu pedido nos Estados Unidos conforme garantido pela CUP. No entanto a data de depósito internacional deste pedido estrangeiro não era usada pelo examinador do USPTO como anterioridade para outros pedidos. Com a eliminação da doutrina Hilmer pelo AIA todos os pedidos depositados no exterior poderão utilizar-se de sua data de depósito internacional, ou seja, torna-se mais difícil um depositante norte americano superar as anterioridades de pedidos estrangeiros depositados anteriormente à sua data de deposito nos Estados Unidos. [10]




[1]  NEIFELD, Richard. Viability of the Hilmer Doctrine http: //www.neifeld.com/hilmer.html.
[2]  Under our current law, when an application filed in the United States issues as a patent it becomes prior art under 102(e), as of its U.S. filing date against all other patent applicants. Where the patent claims benefit of a foreign application under 119, that patent is still prior art as of its U.S. filing date, but not as of the date when the foreign party application was filed. http://www.uspto.gov/web/offices/com/hearings/20year/hearings/irving.html
[3] USC 102 (e) the invention was described in — (1) an application for patent, published under section 122(b), by another filed in the United States before the invention by the applicant for patent or (2) a patent granted on an application for patent by another filed in the United States before the invention by the applicant for patent, except that an international application filed under the treaty defined in section 351(a) shall have the effects for the purposes of this subsection of an application filed in the United States only if the international application designated the United States and was published under Article 21(2) of such treaty in the English language; http: //www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/documents/appxl_35_U_S_C_102.htm.
[4] USC 119 (a)An application for patent for an invention filed in this country by any person who has, or whose legal representatives or assigns have, previously regularly filed an application for a patent for the same invention in a foreign country which affords similar privileges in the case of applications filed in the United States or to citizens of the United States, or in a WTO member country, shall have the same effect as the same application would have if filed in this country on the date on which the application for patent for the same invention was first filed in such foreign country.  http: //www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/documents/appxl_35_U_S_C_119.htm
[5] 35 U.S.C. 102(e) is explicitly limited to certain references “filed in the United States before the invention thereof by the applicant” (emphasis added). Foreign applications’ filing dates that are claimed (via 35 U.S.C. 119(a) – (d), (f) or 365(a)) in applications, which have been published as U.S. or WIPO application publications or patented in the U.S., may not be used as 35 U.S.C. 102(e) dates for prior art purposes. This includes international filing dates claimed as foreign priority dates under 35 U.S.C. 365(a).Therefore, the foreign priority date of the reference under 35 U.S.C. 119(a)-(d) (f), and 365(a) cannot be used to antedate the application filing date. http: //www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/documents/2100_2136_03.htm.
[6] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.68
[7] Industry Trilateral meeting.2008 http: //www.jipa.or.jp/file.php?fn=20080528giji.pdf&s=topics&type=other_j.
[8] VOJÁCEK, Jan. A survey of the principal national patent systems. New York:Prentice Hall, 1936, p.109
[9]  BODENHAUSEN. Guia para La aplicacion Del Convenio de Paris para La proteccion de La propriedad Industrial, revisado em Estocolmo em 1967, BIRPI: Genebra, 1969. p. 45, 46.
[10] QUINN, Gene. The Impact of the America Invents Act on the Definition of Prior Art, 3/10/2012, http://www.ipwatchdog.com/2012/10/03/the-impact-of-the-america-invents-act-on-the-definition-of-prior-art/id=28453/