sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Patente Europeia em 2016 ?

Em 29 junho de 2012 foi alcançado um acordo[1] de uma patente unitária e um sistema de litígio unificado, entre os países de Comunidade Europeia, exceto Espanha e Itália [2]. Em 2013 contudo a Itália mudou sua posição inicial e assinou o acordo. Espanha, Croacia e Polônia não assinaram o Acordo em 2013. Até janeiro de 2015 ratificaram o acordo apenas Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Malta e Suécia[3].  Para início da operação do acordo é precisa  ratificação de 13 países.  A expectativa é que o sistema deve entrar em vigor em 2016 com procedimentos de concessão e oposição substancialmente similares aos existentes junto à EPO. A necessidade de validação nacional da patente EP B1 deixa de ser necessária. Enquanto as ações de primeira instância continuam no âmbito nacional, enquanto que uma Corte de segunda instância para ações de recurso e validade de uma patente são resolvidas em uma Divisão Central localizada em Paris, com seções especializadas em Londres (química, incluindo farmacêuticos e ciências da vida) e em Munique (para engenharia mecânica).[4] Estima-se que com o acordo os gastos com litígio de patentes europeias sejam reduzidos em 289 milhões de euros por ano, assim como sejam reduzidos os gastos para obtenção de uma patente em cada país membro do Acordo.[5]

No entanto a medida encontrou resistência no Parlamento Europeu. O Instituto Max Plank divulgou estudo em outubro de 2012 que mostra que a patente comunitária pode representar uma fragmentação ainda maior do sistema de patentes europeu na medida em que o acordo não contempla todos os países da Comunidade Europeia. Desta forma conviveriam as patentes nacionais concedidas localmente, as patentes concedidas pela EPO dentro da patente comunitária, as patentes concedidas pela EPO mas não validadas pela patente comunitária devido a não ratificação do país ao acordo. Segundo o Instituto persistem diferenças nas legislações locais como os direitos de usuário anterior e a regulação de licenças compulsórias. O estudo também aponta os riscos de desfuncionalidade da Unified Patent Court (UPCt) proposta no Acordo.[6] O acordo final foi aprovado pelo Parlamento Europeu em votação de dezembro de 2012. Estimativas avaliam que os custos atuais de cerca de 36 mil euros para obtenção de uma patente válida em diferentes países europeus seja reduzida para apenas €4,725. A proposta foi aprovada por 25 do 27 países Membros da União Europeia, com oposição apenas de Espanha e a Itália em protesto contra a restrição dos idiomas de tramitação de tal patente e litígios no Tribunal Europeu a apenas inglês, alemão e francês, os três idiomas oficiais da EU, o que prejudicaria os interesses das empresas espanholas e italianas na defesa de seus direitos[7]

Ainda no âmbito da EPO, Marrocos anunciou em que a partir de março de 2015 poderão ser revalidadas as patentes EPB1 no país concedidas após esta data. Com isto Marrocos se torna o primeiro país não europeu a ter a revalidação de patentes EPB1. O acordo foi inicialmente estabelecido em dezembro de 2010 entre o presidente da EPO e o Ministro da Indústria de Marrocos, e deve ser efetivado em 2015. Outros países como Tunísia e Moldávia também estudam a adesão ao sistema, reforçando assim o papel da EPO no exame de patentes[8].  




[1] http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_Data/docs/pressdata/en/ec/131388.pdf
[2] http://www.epo.org/news-issues/news/2012/20120629.html
[3] http://ec.europa.eu/growth/industry/intellectual-property/industrial-property/patent/ratification/index_en.htm
[4] http://www.patentdocs.org/2012/07/news-from-abroad-eu-patent-is-finally-born.html
[5] http://www.lexology.com/r.ashx?i=2881388&l=7GSVZ0M
[6] http://www.ip.mpg.de/en/pub/publications/opinions/unitary_patent_package.cfm#i53898
[7] http://www.europarl.europa.eu/news/en/headlines/content/20121203FCS04313/3/html/Parliament-approves-EU-unitary-patent-rules
[8] Validation of European patents in Morocco, 23/01/2015 http://www.lexology.com

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

O INPI e os agentes de PI

Uma boa prática é que todos os contatos do examinador do INPI com o requerente devam ser feitos no INPI na presença da chefia de Divisão e com marcação prévia de horário, sendo possível a todos os requerentes esta oportunidade em caso de dúvidas nos pareceres, por exemplo, de modo a não haver quaisquer favorecimentos. Pelo Código de Ética do servidor público é vedado ao servidor público o uso do cargo ou função, facilidades, amizades, tempo, posição e influências, para obter qualquer favorecimento, para si ou para outrem. Não deve o servidor fazer uso de informações privilegiadas obtidas no âmbito interno de seu serviço, em benefício próprio ou de terceiros. 

Na EPO existe a possibilidade de conversas formais (oral proceedings) entre examinador e inventor para que este possa esclarecer e mesmo demonstrar o funcionamento de uma invenção (artigo 116 da EPC), no entanto, formalmente esta figura não existe no INPI.  Mesmo na EPO tanto o examinador como o depositante do pedido de patente preferem evitar este recurso porque em geral o requerente incorre em custos de viagens e estadias até a sede da EPO em Munique, Haia ou Berlim além de envolver uma preparação técnica prévia, tanto da EPO como do requerente, não sendo raro a utilização por ambas as partes, da possibilidade deste recurso como instrumento de persuasão. Na Alemanha o depositante tem a oportunidade de esclarecer questões sobre a descrição da invenção, através de conversas telefônicas diretas com o examinador. Embora estas não substituam a argumentação escrita, no entanto, são consideradas bastante úteis para o entendimento da invenção. Um resumo de tais contatos devem ser descritos no relatório o examinador do DPMA[1].

Segundo publicação da ABAPI: "O rico acervo documental da ABAPI, que remonta ao ano de sua fundação, não deixa dúvidas: na década de 1950 havia estreito relacionamento entre a entidade e a direção do DNPI. A troca de correspondências era cotidiana e abordava desde os problemas mais sérios, como a revisão do Código da Propriedade Industrial, até questões corriqueiras. Nem mesmo quando a ABAPI enviou o Memorial ao presidente JK houve qualquer tipo de comprometimento nas relações com o Departamento. Já no seu primeiro ano de existência, a ABAPI reuniu sugestões de seus associados para facilitar o desempenho da função. A iniciativa deu origem a um documento enviado ao presidente do DNPI. No expediente eram apontadas diversas falhas verificadas junto ao órgão: “É fato incontestável que o quadro do pessoal lotado no DNPI, longe de acompanhar o seu crescente desenvolvimento, vem dando causa à maior demora na solução dos assuntos que lhe são cometidos, a despeito do notório esforço dos seus provectos dirigentes e prestimosos serventuários”. Seguiam sugestões de ordem administrativa para tornar mais ágil o serviço, como a inclusão de uma “cópiacarbono” nas oposições, recursos e outros".


Agentes de PI em sua sala no DNPI na década de 1950 [2]

Diante das dificuldades de exame do INPI na década de 1950 e 1960 "Foi nessa fase, e nos dez anos seguintes, que a ABAPI assumiu o compromisso de suprir pelo menos em parte as necessidades do Departamento. Embora o primeiro documento de empréstimo encontrado seja de 1958, é provável que anteriormente a entidade já estivesse cedendo máquinas e pagando datilógrafos para o DNPI. Em dezembro de 1958, a ABAPI recebeu carta agradecendo o empréstimo de máquinas de escrever Remington. Relatório da diretoria da entidade apresentava os recibos de pagamentos feitos a catorze datilógrafos que prestaram serviços de janeiro a junho daquele ano".

A excessiva proximidade física de examinadores e agentes de propriedade industrial pode ser fonte de problemas. Ao final da década de 60, o extinto DNPI funcionava em um dos andares da atual sede do INPI na Praça Mauá, edifício pertencente ao Ministério da Indústria e do Comércio. Neste mesmo prédio, também funcionavam diversos escritórios de agentes da propriedade industrial, sendo que a proximidade física facilitava o exercício de influências sobre as decisões do órgão[3]. Logo que assumiu a Presidência do INPI, Thomas Thedim Lobo[4] tratou de demitir os antigos diretores egressos do DNPI, comprometidos com tais práticas clientelistas: “Logo que eu cheguei ao DNPI, no dia em que eu cheguei, chamei todos os diretores para uma reunião. Nenhum diretor havia colocado o cargo à disposição. Um deles falou em nome de todos os outros. Que eu estava lá, mas eles eram uma família, e que eu não mexesse com a família. Eu disse: “Pois não, estão todos demitidos! Podem se retirar”. Foi só essa a reunião. Foi seca, dura! E foram todos demitidos!”.

Segundo a OMPI[5] “muitos dos escritórios nacionais de patentes permitem aos agentes de propriedade industrial e inventores falar com o examinador sobre o pedido de patente pendente. Esse processo é conhecido como ‘entrevista’ com o examinador. Pelo fato de que negócios oficiais possam ser discutidos, ambas as partes devem ser solicitadas a submeter uma completa e precisa descrição da entrevista, em que esse registro, geralmente, se torna parte da estória do depósito do pedido de patente”.


Thomas Thedim Lobo



[1] Guidelines for the Examination procedure, Deutsches Patent und Markenamt. item 3.6.3 de 1 de março de 2004 P 2796.1 11.06 acessível em http://www.dpma.de/docs/service/formulare_eng/patent_eng/p2796_1.pdf
[2] ABAPI, Propriedade Industrial no Brasil 50 anos de história, 1998
[3] Patentes, marcas e transferência de tecnologia durante o regime militar: um estudo sobre a atuação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (1970-1984) , Leandro Miranda Malavota, p.132
[4] Leandro Miranda Malavota, op.cit, p.162
[5] Manual de Redação de Patentes da OMPI, IP Assets Management Series, 2007, p.113

domingo, 25 de janeiro de 2015

O impacto das patentes nas ações da bolsa de uma empresa

Um indicador do impacto de algumas patentes na atividade econômica pode ser observado no valor das ações de empresas na bolsa de valores. O próprio livro de Michael Meurer[1] que critica o sistema de patentes mostra que nos casos de litígios caem os preços das ações quando a patente em litígio ameaça ser anulada o que representa um ganho para o público, que pode comprar ações mais baratas. Em agosto de 2000 as ações da Eli Lilly caíram em um terço no dia seguinte à decisão do CAFC de que patente do Prozac não teria direito a mais dois anos de extensão de sua vigência uma vez que se tratava de pedido dividido do qual o pedido original havia expirado.[2] Em 14 de outubro de 1980, apenas alguns meses depois do Supremo Tribunal ter se decidido favoravelmente a patente do cientista indiano Ananda Chakrabarty (US4259444), empregado da General Electric, referente a uma bactéria geneticamente modificada da espécie Pseudomonas e concebida para consumir os derramamentos de petróleo nos oceanos, a pequena Genentech ofereceu mais de um milhão de ações a 35 dólares cada uma. Nos primeiros vinte minutos de comercialização, a cotação das ações subiu para 89 dólares cada. Ao final do dia, a inexperiente firma de biotecnologia, que ainda não introduzira um único produto no mercado, angariara 36 milhões de dólares e estava avaliada em 526 milhões [3].
Estudo de Bronwyn H. Hall e Megan MacGarvie mostra uma correlação positiva entre o número de patentes concedidas e o valor de mercado das ações das respectivas empresas na área de software nos Estados Unidos após 1995, quando os tribunais se definiram de forma mais clara pela patenteabilidde de tais invenções[4]. O estudo analisa o período 1975-2002 e conclui que em muitas decisões importantes como Diamond v. Diehr em 1981, a revogação da patente da Compton em 1994 e a liberação de novas diretrizes de exame do USPTO em 1996 não se observa qualquer correlação significativa com o valor das ações das empresas de software. Em outros casos o comportamento é ambíguo: enquanto em Alappat (1994) as ações das empresas de software caem, já considerando o movimento relativo de todas as demais empresas, em re Warmerdam (1994) os valores das ações sobem.
Christine Greenhalgh e Mark Rogers analisando o comportamento de empresas britânicas mostram que quanto mais patentes depositadas por estas empresas na EPO, maior o valor de mercado destas empresas. Por outro lado, a patente no escritório da Inglaterra não evidencia a mesma correlação. Outra conclusão dos pesquisadores é a de que as empresas com maior participação de mercado tem uma atividade de patentes mais intensa[5]. Em 2004 a pendência judicial que o Google mantinha com a Overture, subsidiária da Yahoo, em torno de uma patente (US6269361) sobre sistema de anúncio publicitário, teve influência direta no preço das ações do Google[6]. Em janeiro de 2015 a concessão de uma patente US8934045 sobre a tecnologia de câmeras digitais para a Apple fez o preço das ações da GoPro, líder no mercado, cair em 13% logo após o anúncio da concessão da patente. Esta patente havia sido adquirida pela Apple a partir da aquisição do portfolio da Kodak em 2012.[7]
No caso Apple v. Samsung tão logo anunciado a decisão que condenou em agosto de 2012 a Samsung a pagar 1 bilhão de dólares em indenizações, as ações da Samsung caíram mais de 6% nas semanas seguintes, ao passo que as ações da Apple subiram 6%. Em setembro de 2012, dias antes do lançamento do iPhone5 o preço das ações da Apple atingiam o maior valor de tdos os tempos com a empresa valendo 656 bilhoes de dólares, a maior capitalização de mercado já registrada por uma empresa norte americana.[8] Em junho de 2012 a Interdigital vendeu cerca de 1700 patentes e pedidos de patentes para a Intel por US$ 375 milhões. Na ocasião da venda o preço das ações da Interdigital subiu imediatamente em 28%, o que representou um aumento no valor da empresa em US$260 milhões. Esta reação pode ser explicada porque os investidores antes do acordo não avaliavam que o valor deste portfólio de ações pudesse alcançar tais valores. Observados sobre um contexto mais amplo este aumento do valor das ações não foi capaz de compensar as contínuas quedas do valor das ações da empresa que vinham sendo observadas nos últimos seis meses. O exemplo mostra que embora as patentes tenham valor como ativo econômico, dificilmente podem ser considerados como a receita mais importante de uma empresa. [9] Tomando em consideração a queda nos valores das ações de empresas acusadas de contrafação, os autores estimam uma queda de 2.6% no valor das ações no dia em que o anúncio do litígio de patentes foi realizado. [10]
Com relação às estimativas sombrias de Bessen e Meurer de que excetuando a indústria químico-farmacêutica os ganhos que as empresas auferem com o sistema de patentes são muito inferiores aos gastos em litígios, Glynn Lunney[11] questiona os dados que são baseados nos impactos nos valores das ações das empresas no primeiro dia em que é noticiada a existência de um litígio de patentes. As perdas observadas no primeiro dia no valor da ação da empresa ré, porém, podem ser revertidas se ao final da ação a contrafação não for confirmada, efeito que a metodologia não leva em conta. Para Glynn Lunney não há evidências empíricas de que a reação dos acionistas no curto prazo a um litígio de patente seja um indicador confiável da perda/lucro final do processo, ao contrário, esta reação de curto prazo tende a ser mais pessimista e, portanto, superestimar as perdas no valor da ação com o litígio.
A Apple e a Microsoft passaram anos em disputas judiciais relativas ao direito autoral do conceito de interface gráfica baseada em ícones, presente originalmente no Macintosh e aplicados ao Windows. A animosidade entre as duas empresas foi contornada em 1997 quando Steve Jobs propôs que a Microsoft desenvolvesse os aplicativos Excel e Word para o Macintosh em troca do fim dos litígios da Apple contra a Microsoft, que envolvia em sua maioria a violação de patente de desenhos industriais da Apple avaliados em cerca de 1 bilhão de dólares. Um acordo foi realizado entre as duas empresas. Portanto, o portfólio de patentes da Apple foi considerado fundamental para que a empresa fechasse um acordo favorável junto à Microsoft, contribuindo para a padronização do Excel e Word nas duas plataformas. Com o anúncio da colaboração entre as duas empresas as ações da Apple aumentaram US$ 830 milhões em um único dia[12].



[1] BESSEN, James; MEURER, Michael. Patent Failure: How Judges, Bureaucrats, and Lawyers Put Innovators at Risk. Princeton University Press, 2008, p.138
[2] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.120
[3] RIFKIN, Jeremy. O século Biotech, Lisboa: Ed. Publicações Europa América, 2000, p. 63.
[4] The private value of software patents, Bronwyn H. Hall, Megan MacGarvie, NBER Working Paper 12195, abril 2006, http://www.nber.org/papers/w12195
[5] Economic and management perspectives on intellectual property rights, Carine Peeters, Bruno van Pottelsberghe de la Poterie, New York:Palgrave Macmillan, 2006, p.53
[6] Google: a história do negócio de mídia e tecnologia de maior sucesso dos nossos tempos. David Vise e Mark Malseed. Rio de Janeiro:Rocco, 2007, p. 216
[7] WILKOF, Neil. GoPro and the Apple patent: buy on the rumour, sell on the fact?, 16/01/2015 http://ipkitten.blogspot.com.br/2015/01/gopro-and-apple-patent-buy-on-rumour.html
[8] VOGELSTEIN, Fred. Briga de cachorro grande: como a Apple e o Google foram à guerra e começaram uma revolução, Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014, p.156
[9] http://www.patentlyo.com/patent/2012/06/selling-patents.html
[10] BESSEN,MEURER.op.cit.p.1556/3766 (kindle version)
[11] LUNNEY, Glynn. On the Continuing Misuse of Event Studies: The Example of Bessen and Meurer. Symposium James Bessen and Michael Meurer's Patent Failure. the University of Georgia School of Law, v.16, Fall 2008, n.1. Journal of Intellectual Property, v.16, n.1 fall 2008 p.35-56
[12] ISAACSON, Walter. Steve Jobs por Walter Isaacson: a biografia. São Paulo: Cia. das Letras, 2011, p.341, 343

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A Agenda do Desenvolvimento e as ONGs

A Agenda do Desenvolvimento representa um alinhamento de interesses com organizações não governamentais que tem se empenhado na restrição dos direitos de propriedade intelectual em benefício de uma maior difusão do conhecimento. Este movimento que reúne diversas ONGs na área de saúde (Médecins Sans Frontières MSF com sede em Genebra), software livre (Electronic Frontier Foundation com sede na California e Free Software Foundation com sede em Massachusetts) entre outros segmentos é denominado A2K (Access to Knowledge) termo cunhado pelo ativista James Love então diretor do CPTech (Consumer Project on Technology), em reunião em 2004 do Trans Atlantic Consumer Dialogue (TACD) em Nova Iorque[1]. Em setembro de 2004 James Love organizou um seminário em Genebra sobre o futuro da OMPI, um mês antes da reunião na OMPI em que foi apresentada a proposta da Agenda do Desenvolvimento[2] e que contou com a participação de ativistas como Larry Lessig, Yochai Benkler, Martin Khor, Richard Stallman, Tim Hubbard diretor do projeto Genoma Humano e o Nobel de Medicina de 2002 John Sulston.[3] Esta articulação do movimento A2K com delegações de países em desenvolvimento para reforma da OMPI já havia se iniciado em 2002 através da CPTech contando com apoio de outras ONGs como o Center or International Environmental Law, International Centre for Trade and Sustainable Development (ITCSD) em que se destacam Carlos Correa e Pedro Roffe, Quakers United Nations Office e o Third World Network (uma das únicas organizações do grupo com sede no hemisério Sul).[4] 

Esta aliança de interesses entre o movimento A2K e a política externa brasileira tem sido destacado por Carolina Rossini: “O Brasil é um dos líderes da Agenda do Desenvolvimento na OMPI e tem feito propostas e limitações para as patentes na OMPI. O governo brasileiro tem tido um papel importante em fomentar o uso de esquemas de licenciamento abertos na área educacional e de software. Mas isto os torna parte da coalisão A2K ? Eu não sei. Isto definitivamente significa que o Brasil é um lugar amigável para o movimento  e para a coalisão trabalhar, mas isso é  algo que pode mudar em uma simples eleição ou com a mudança de lideranças nos ministérios”. [5] Segundo Amy Kapczynski[6] um dos principais objetivos do movimento A2K é desestabilizar a narrativa dominante  da propriedade intelectual atual que trata da privatização do conhecimento como condição necessária para a maior eficiência  na produção deste conhecimento. Por outro lado o movimento assegura que o acesso ao conhecimento não é a antítese da propriedade intelectual. [7] A chamada Carta Adelphi[8] publicada em 2005 elaborada por membros do movimento A2K como James Boyle e Carlos Correa aponta a necessidade de um “equilíbrio entre o domínio público  e os direitos privados. Ela também exige um equilíbrio entre a livre competição que é essencial para vitalidade econômica e os direitos de monopólio concedidos pelas leis de propriedade intelectual”.[9]


James Love [10]




[1] LATIF, Ahmed Abdel. The emergence of the A2K movement: reminiscences and reflections of a developing country delegate. In: In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.112
[2] SELL, Susan. A comparision of A2K movements: from medicines to farmers. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.406
[3] LATIF, Ahmed Abdel. . The emergence of the A2K movement: reminiscences and reflections of a developing country delegate.  In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.116
[4] LATIF, Ahmed Abdel. The emergence of the A2K movement: reminiscences and reflections of a developing country delegate. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.105
[5] KAPCZYNSKI, Amy; KRIKORIAN, Gaelle. Virtual roundtable on A2K strategies: interventions and dilemmas. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.563
[6] KAPCZYNSKI, Amy; Access to knowledge: a conceptual genealogy. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.47
[7] LATIF, Ahmed Abdel. . The emergence of the A2K movement: reminiscences and reflections of a developing country delegate.  In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.118
[8] http://en.wikipedia.org/wiki/Adelphi_Charter
[9] CORREA, Carlos. Access to knowledge: the case of indigenous and traditional knowledge. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.247
[10] http://en.wikipedia.org/wiki/James_Love_(NGO_director)

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Tragédia dos bens comuns

Um conceito que reflete a ideia de que as patentes são desnecessárias é a chamada tragédia dos bens não comuns “The tragedy of the anticommons[1] um neologismo cunhado por Michael Heller em um artigo escrito em 1998 para descrever a falta de coordenação nas ações de múltiplos proprietários de patentes que agindo em função de seus interesses particulares frustram um desenvolvimento social desejável [2].  O termo faz uma menção a tragédia dos bens comuns termo popularizado por Garrett Hardin[3] em 1968 para descrição dos campos comuns da Inglaterra na Idade Média em que cada criador de ovelhas ao aumentar seu rebanho de ovelhas fazia com que a área de capim disponível a todos reduzisse [4]. O conceito retoma artigo escrito por Harold Demsetz[5] segundo o qual quando a propriedade é comum os indivíduos não estariam dispostos a nela investir uma vez que não poderão evitar que os outros colham o fruto de seu trabalho. A propriedade privada seria uma solução para esta questão. A expressão tragédia dos comuns provém originalmente de uma observação feita pelo matemático amador William Forster Lloyd sobre posse comunal da terra em aldeias medievais, em seu livro de 1833 sobre população, muito embora a teoria esteja presente em História de Peloponeso de Tucídides (c. 460 a.C.- c.395 a.C.), e no livro I de Política de Aristóteles[6]. As teses de Garrett Hardin enfocava recursos não administrados, em vez de comunitariamente administrados, esta aplicação das ideias dele é equivocada, desta forma ele ressaltou que os bens administrados comunitariamente poderia ser controlado de várias formas diferentes para deter ou limitar a superexploração.

Commons são conjuntos de recursos utilizados em comum por uma determinada comunidade. Posner destaca que o movimento de enclosure dos campos ingleses contemporâneo à Revolução Industrial[7] em que milhões de acres foram cercados e transformados em propriedade privada[8], foi responsável por um grande aumento de produtividade no campo, uma vez que com o campo sendo propriedade privada reduziu enormemente os custos de transação para transformar, por exemplo, uma área de pasto em área para outros usos, pois esta medida já não dependia da aprovação de todos os seus usuários. [9] O movimento foi intensificado pela industrialização que exigiu grande demanda de lã para produção de tecidos, e assim os senhores feudais passaram a cercar suas terras, eliminado uso dos campos abertos commons, gerando uma massa de camponeses desempregados uma vez que a criação de ovelhas demandava menos trabalhadores no campo. Na análise Leo Huberman: “o movimento de enclosure das terras provocou muito sofrimento, mas ampliou as possibilidade de melhorar a agricultura[10] Karl Marx mostra que sua forma parlamentar a Bills for enclosures of commons (leis para cercamento comunal) foram “decretos mediante os quais os proprietários fundiários presenteiam a si mesmos , como propriedade privada, com terras do povo”.[11] 

Jeffrey Atteberry critica comparações do movimento de enclosure de terras no século XVIII com a atual apropriação de ideias pelo reforço da propriedade intelectual. Giles Deleuze já destacara que a sociedade está em processo de transição de uma organização social disciplinar tal como desenvolvido no trabalho de Foucault sobre hospitais, prisões e escolas, para uma sociedade de controle sobre espaços abertos em que o poder é exercido de forma mais dinâmica e flexível. Desta forma para Jeffrey Atteberry a propriedade intelectual opera dentro de uma lógica de uma sociedade disciplinar enquanto que o acesso aberto à informação (commons) tipifica uma sociedade de controle. Um regime orientado para os chamados commons em contraste com o atual regime de propriedade intelectual estariam mais adequados a esta mudança da organização social do capitalismo informacional: “o fato de que os commons informacionais não estariam sujeitos ao enclosure não necessariamente significa que ele não possa funcionar como um componente chave do aparelho informacional do capitalismo em um novo regime de imperialismo da informação”.[12]


Garrett Hardin [13]




[1] HELLER, M.A. The tragedy of the anticommons. In. Harvard Law Review, jan. 1998
[2] http: //en.wikipedia.org/wiki/Tragedy_of_the_anticommons. Cf. BURK, Dan L.; LEMLEY, Mark, A. The patent crisis and how the Courts can solve it. The University of Chicago Press, 2009, p.75; GUELLEC, Dominique; POTTERIE, Bruno van Pottelsberghe de la. The economics of the european patent system. Great Britain:Oxford University Press, 2007, p.77
[3] HARDIN, Garret. The tragedy of the commons. In. Science v.162, 13/12/1968, p.1243-1248
[4] HARDIN, Garrett.  The tragedy of the commons. Science, 162, n.3859, 13/12/1968. Cf. STIGLITZ, Joseph. Globalização como dar certo. São Paulo: Cia das Letras, 2007. p. 269; SIMON, Imre; VIEIRA, Miguel Said. A propriedade intelectual diante da emergência da produção social. In: VILLARES, Fabio. Propriedade intelectual: tensões entre o capital e a sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2007. p. 66.
[5] DEMSETZ,Harold. Toward a theory of property rights. American Economic Review, v.57, n.2, março 1967, p. 347-359
[6] http://pt.wikipedia.org/wiki/Trag%C3%A9dia_dos_comuns
[7] DEANE, Phyllis, A revolução Industrial, Rio de Janeiro:Zahar,1973, p.66
[8] ROSEN, William. The most powerful idea in the world: a story of steam, industry and invention. Randon House, 2010, p. 4159/6539 (kindle edition)
[9] LANDES, William; POSNER, Richard. The economic structure of intellectual property law. Cambridge:Harvard University Press, 2003, p.12
[10] HUBERMAN, História da riqueza do homem. Rio de Janeiro:Zahar, 1978, p. 114-118
[11] MARX, Karl. O capital, livro I: o processo de produção do capital,São Paulo:Boitempo, 2013, p.796
[12] ATTEBERRY, Jeffrey. Information/Knowledge in the global society control: A2K theory and post  Colonial commons; In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.342, 346
[13] http://en.wikipedia.org/wiki/Garrett_Hardin

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

A aplicação de Doha pela Tailândia em 2006

Diversos países em desenvolvimento se utilizaram do mecanismo de licenças compulsórias para garantir o acesso a medicamentos a um custo acessível, assim por exemplo foram os casos da Malásia em 2002, Tailândia em 2006 e 2008, e Equador em 2010. [1] A Tailândia em 2006 aplicou licenças compulsórias para o efavirenz, usado no tratamento da AIDS e comercializado como Stocrin da Merck Sharp and Dohme e para o clopidogrel comercializado como Plavix da Sanofi-Aventis[2] e usado no tratamento de doenças cardíacas. Em janeiro de 2007 a Tailândia autorizou licenças compulsórias para produção do lopinavir/ritonavir comercializado como Kaletra pela Abbott, com redução esperada de 20% nos custos do medicamento. [3] 

Embora fazendo uso das flexibilidades de Doha, a medida provocou fortes protestos da Abbott (que retirou  os seus pedidos pendentes de comercialização de novos medicamentos na Tailândia como o Zempar para doenças hepáticas, Simdax, doenças cardíaca;  Humira, doença autoimunes e Aluvia para AIDS[4]) e do governo norte americano que passou a incluir a Tailândia na Special 301 Priority Watch List, indicando as licenças compulsórias concedidas como um indicador do enfraquecimento do sistema de patentes no país. [5] A empresas multinacionais recusaram-se a aceitar o pagamento de royalties  por não reconhecer como direito legítimo do governo tailandês a aplicação das licenças compulsórias. 

No Estados Unidos vinte e dois membros do Congresso liderados por Henry Waxman enviaram carta ao representante  de comércio dos Estados Unidos para que este não tentasse adotar qualquer medida retaliatória contra a Tailândia. Em resposta Susan Schwab admitiu que a Tailândia tinha o direito de aplicar tais licenças compulsórias. A repercussão internacional contra a Abbott fez com que a empresa recuasse e passasse a adotar uma política de preços diferenciada em função da renda do país para as vendas mundiais do Kaletra. Apenas alguns meses após a licenças compulsória do efavirenz ser aplicada na Tailândia, o governo brasileiro também aplicou licença compulsória para o mesmo medicamento no país. 

O governo da Tailândia já hesitara em 1999 em aplicar uma licença compulsória ao medicamento antiretroviral ddI fabricado pela Bristol Myers Squibb por temer retaliações comerciais por parte do governo norte americano. ONGs da Tailândia escreveram na época ao então presidente Bill Clinton sobre o caso que assegurou que a Tailândia tinha o direito de aplicar licenças compulsórias segundo as regras de TRIPs. 

A Diretora geral da OMS Margaret Chan inicialmente oi crítica com relação ao licenciamento compulsório destes três medicamentos pela Tailândia apelando para o país entrar em acordo com as empresas, no entanto reverteu sua posição diante das críticas.[6] Cynthia Ho cita este exemplo para colocar em dúvida a eficácia das flexibilidades proporcionadas por TRIPs.[7]



[1] WTO, WIPO, WHO. Promoting Access to Medical Technologies and Innovation: Intersections between public health, intellectual property and trade, fevereiro 2013, p.177 http://www.wto.org/english/res_e/publications_e/who-wipo-wto_2013_e.htm
[2] PARK, Chan; MENGHANEY, Leena. TRIPS flexibilities: the scope of patentability and oppositions to patents in India. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.417; HO, Cynthia. Current controversies concerning patent rights and public health in a world of international norms. In: TAKENAKA, Toshiko. Patent law and theory: a handbook of contemporary research,Cheltenham:Edward Elgar, 2008, p.686
[3] CORREA, Carlos. Pharmaceutical innovation, incremental patenting and compulsory licensing. Research Paper 41, p.19, South Centre, setembro 2011 http://www.southcentre.int/research-paper-41-september-2011/#more-1440 KUMAR, Sanjay, SAWHNEY, Arpita. The pitfalls of compulsory licensing in India, agosto 2013 http://www.iam-magazine.com/issues/Article.ashx?g=22818643-61d0-4c4f-81b2-146c52b8c57b LIMA, Simone Alvarez. Licença Compulsória e Acesso a Medicamentos Essenciais, Rio de Janeiro:FGV, 2013 LOVE, James. Remuneration Guidelines for Non-Voluntary Use of a Patent on Medical Technologies, 2005 http://www.who.int/hiv/amds/WHOTCM2005.1_OMS.pdf, BECKETT, Nick; POUNTNEY, David. Pharmaceutical compulsory licences in emerging markets: necessity or threat? 27 agosto 2013 http://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=c74e553c-4659-49cf-b133-f6da0543a002 REICHMAN, Jerome. Non-voluntary Licensing of Patented Inventions Historical Perspective, Legal Framework under TRIPS, and an Overview of the Practice in Canada and the USA, 2003 http://ictsd.net/downloads/2008/06/cs_reichman_hasenzahl.pdf
[4] HO, Cynthia. Current controversies concerning patent rights and public health in a world of international norms. In: TAKENAKA, Toshiko. Patent law and theory: a handbook of contemporary research,Cheltenham:Edward Elgar, 2008, p.694
[5] LIMPANANONT, Jirapron; KIJTIWATCHAKUL, Kannikar. TRIPS flexibilities in Thailand: beteween Law and politics. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.435
[6] HOEN, Ellen. The revisited drug strategy: Access to essential medicines, intellectual property, and the World Health Organization. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.138
[7] HO, Cynthia. Current controversies concerning patent rights and public health in a world of international norms. In: TAKENAKA, Toshiko. Patent law and theory: a handbook of contemporary research,Cheltenham:Edward Elgar, 2008, p.694

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Patentes e antitruste

Dispondo a empresa de um recurso considerado essencial para uma atividade econômica MCI Comm. v. AT&T[1] a Corte entende que pode se configurar prática abusiva quando (i) o controle deste recurso for exercido como monopólio, (ii) incapacidade do competidor exercer sua atividade sem obter ou duplicar este recurso (iii) negativa do titular em permitir o competidor de utilizar este recurso. Jae Park considera que tem sido limitada a aplicação de tal doutrina (essential facilities doctrine) nos Estados Unidos no âmbito da propriedade intelectual e ainda que fosse o caso, o monopolista licenciaria sua tecnologia a preços de monopólio o que de qualquer forma constitui uma ineficiência de mercado. Em Intergraph v. Intel[2] relata que a Intergraph em 1993 começou a instalar plataforma aberta de processadores Intel em sua Workstations. Em 1996 a Intel solicitou que a Intergraph licenciasse de forma gratuita suas patentes relativas a tecnologia de Clipper, mas teve seu pedido negado. Com isso a Intel cessou de fornecer a Intergraph informações consideradas confidenciais de seus processadores. A Intergraph alegou que, uma vez tendo os processadores Intel se firmado como padrão de mercado de Workstations, a Intel estaria violando as leis antitrustes. A Corte recusou-se a adotar a doutrina de essential features porque Intel e Intergraph não competiam em uma mesma faixa de mercado.

A Suprema Corte em Verizon Commc’n v. Law Offices of Curtis v. Trinko, marginalizou a aplicação da doutrina de essential facilities pois sua aplicação conduziria a um desestímulo para a inovação.[3] Segundo a Corte: “As empresas podem adquiri poder de monopólio ao estabelecer uma infraestrutura que as tornem as únicas capazes de atender seus clientes. Compelir tais firmas em compartilhar a fonte de suas vantagens está em conflito com os propósitos da lei antitruste, uma vez que que isto pode diminuir o incentivo para o monopolita, o rival, ou ambos em investir recursos em tais empreendimentos. Forçar o compartilhamento também exige das cortes antitrustre agirem como planejadores centrais, identificando o preço adequado, quantidades e outros termos de uma negociação para os quais eles não são as mais adequadas em calcular. Além disso, forçar a negociação entre competidores pode facilitar o mal maior do antitruste: colusão”.[4] Em Trinko os autores da ação queriam que a Verizon não somente compartilhasse seus sistema existente, mas adicionasse recursos instalando novas linhas de comunicação ou instalação novos equipamentos de comutação. Para Hovencamp: “Exceto se quisermos usar as leis antitruste para transformar uma empresa em utilidade pública, a doutrina de recursos essenciais deve se limitar ao compartilhamento de recursos já existentes da empresa”. Desta forma, a Corte em Trinko impôs severas limitações a aplicação da doutrina de essential facilities.[5] Segundo Karin Grau Kuntz a decisão em Trinko é bastante cética quanto a possibilidade do direito antitruste ser usado como instrumento regulador das microrelações de mercado, devendo estas intervenções da política antitruste serem vistas como exceções, demonstrando confiança na capacidade do mercado em se autoregular.[6]

Sean Flynn concorda que a aplicação da doutrina de essential facilities nos casos em que há recusa do titular da patente em licenciar sua patente tem sido bastante controversa nos Estados Unidos, sendo que na Europa, especialmente após o caso Magill, a questão tem sido relativamente bem estabelecida.[7] Para Sean Flynn a lei de concorrência pode ser usada para restringir os direitos de propriedade intelectual tendo em vista o equilíbrio de interesses públicos e privados. Louis Kaplow observa que na aplicação da lei da concorrência em questões que envolvam a propriedade intelectual deve-se levar em conta o benefício ou prejuízo líquido para a sociedade, ou seja o incentivo para os inovadores desenvolverem novos produtos e o respectiva restrição de acesso pela sociedade para a tecnologia patenteada. [8] Na mesma linha de raciocínio Herbert Hovemvanp, Mark Janis e Mark Lemley concluem que na aplicação da lei de concorrência deve-se levar em conta: “o balanceamento dos benefícios sociais ao promover incentivos econômicos para criação e os custos de limitar a difusão deste conhecimento”.[9] O acordo TRIPS no artigo 40 também prevê a aplicação de medida contra uso de patentes em práticas consideradas restritivas para a concorrência: “Os Membros concordam que algumas práticas ou condições de licenciamento relativas a direitos de propriedade intelectual que restringem a concorrência podem afetar adversamente o comércio e impedir a transferência e disseminação de tecnologia. Nenhuma disposição deste Acordo impedirá que os Membros especifiquem em suas legislações condições ou práticas de licenciamento que possam, em determinados casos, constituir um abuso dos direitos de propriedade intelectual que tenha efeitos adversos sobre a concorrência no mercado relevante. Conforme estabelecido acima, um Membro pode adotar, de forma compatível com as outras disposições deste Acordo, medidas apropriadas para evitar ou controlar tais práticas, que podem incluir, por exemplo, condições de cessão exclusiva, condições que impeçam impugnações da validade e pacotes de licenças coercitivas, à luz das leis e regulamentos pertinentes desse Membro”. Para Sean Flynn as agências de controle da concorrência podem e devem se constituir um espaço político legítimo de como a propriedade intelectual deva ser regulada.

Sean Flynn mostra que para o exemplo de um medicamento antiretroviral (ARV) vendido na África do Sul um preco estabelecido pela empresa fabricante do medicamento de US$ 1481 por paciente por ano implica que apenas 100 mil pacientes estão dispostos a comprar o medicamento a este preço (empresa fatura neste caso US$ 148 milhões). Este é o número de pacientes em que o preço do medicamento representa 5% de suas rendas. Se o preço cai para US$ 396, o número de compradores aumenta para 200 mil (a emprea fatura US$ US$ 79 milhões). Para atingir o número total de pessoas que necessitam de tratamento este medicamento teria de ser vendido por US$ 18. O valor ótimo de venda para empresa, para maximação de lucros de monopólio por parte da empresa titular da patente, portanto, é o de US$ 1481, situação em que 90% dos pacientes não são atendidos. A mesma situação em país de renda per capita mais elevada como a Noruega, em que novamente o preço do medicamento representa 5% de sua renda, mostra curvas de demanda em que o valor ótimo de venda da empresa é alcançado tendo apenas 20% dos pacientes não atendidos. Quanto mais desigual a distribuição de renda do país, mais pessoas estarão excluídas do acesso aos medicamentos quando os preços são estabelecidos segundo as estratégias de maximazação de lucros de monopólio.


Herbert Hovenkamp [10]




[1] 708 F.2d 1081 (1983). PARK, Jae Hun. Patents and industry standards. US:Edward Elgar 2010, p. 35
[2] 195 F.3d 1346 (1999), PARK,op.cit.p.36
[3] 540 U.S. 398, 407 (2004)
[4] LÉVÊQUE, François. The Application of Essential Facility and Leveraging Doctrines to Intellectual Property in the EU: The Microsoft’s Refusal to License on Interoperability, CERNA, 2004, http://www.cerna.ensmp.fr/Documents/FL-WP-ComVsMS.pdf
[5] HOVENKAMP, Herbert. Antitrust enterprise: principle and execution, Cambridge:Harvard University Press, 2005, p.3156/4769
[6] KUNTZ, Karin Grau. Parecer: O desenho industrial como instrumento de controle econômico do mercado secundário de peças de reposição de automóveis – uma análise crítica à recente decisão da Secretaria de Direito Econômico (SDE). cf. SILVEIRA, Newton. Direito de autor no design. São Paulo:Saraiva, 2012, p.290
[7] FLYNN, Sean. Using competition law to promote access to knowledge. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.455
[8] KAPLOW, Louis. The patent antitrust intersection: a reappraisal, Harvard Law Review, v.97, 1984. Cf. FLYNN, Sean. Using competition law to promote access to knowledge. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.456
[9] HOVENKAMP, Herbert; JANIS, Mark; LEMLEY, Mark. IP and antitrust: an analysis of antitrust principles applied to intellectual property a, New York: Aspen Publishers, 2007, p.1-10
[10] http://www.law.ufl.edu/enews/042010/heath.shtml