Uma vez que o artigo 70.8 de TRIPs previa o mailbox, ou seja, pedidos de produtos farmacêuticos
depositados após 01/01/1995 e antes da entrada em vigor da LPI não poderiam ser
indeferidos, mas deveriam aguardar a entrada em vigor das novas regras no país
Membro, para posterior análise já sob a Lei nova, o Brasil entendeu que adiar a
aplicação de TRIPs não traria vantagens, ao contrário, traria desvantagem ao
INPI na medida em que este se veria obrigado a analisar após alguns anos, uma
série de pedidos represados pelo mailbox. Segundo TRIPs o país membro
deveria prever direitos exclusivos de comercialização (EMR) durante o período
que se estende de 1 de janeiro de 1995 até a entrada em vigor de TRIPs no país.
Philip Grubb observa que este mecanismo pouco foi usado na prática. Na Índia,
até final de 2003 apenas três EMRs foram concedidos, sendo dois para empresas
indianas e o terceiro para a empresa indiana Novartis para o medicamento usado
contra o câncer Glivec que mais tarde foi anulada após julgamento da Suprema
Corte da Índia em 2013.[1]
Peter Drahos observa que entre 1 de janeiro de 1995 e 15 de fevereiro de 1997,
quando as regras do mecanismo de mailbox não estavam claras, ainda assim a
Índia recebeu um total de 1339 pedidos de patentes de medicamento e produtos agrícolas. [2]No
caso brasileiro, segundo Denis Barbosa não houve a criação, no direito interno,
de um mecanismo correspondente aos direitos exclusivos de comercialização. Com
base em dois painéis da India (WT/DS50/AB/R de 19 de dezembro de 1997) e um do
Canadá (OMC WT/DS 170/AB/R de 18 de setembro de 2000), Denis Barbosa conclui: “Não há efeito direto e automático dos art.
70.8 (mailbox) e 70.9 (Direitos Exclusivos de Comercialização)”. Ademais
segundo Denis Barbosa não há órgão competente para a emissão de tais direitos:
“O INPI não o tem, nem o tem a ANVISA”.[3]
A Índia foi alvo de painel dos Estados Unidos no âmbito de TRIPs em
1996 pela não previsão do mailbox em sua legislação, contrariando o Artigo
70(8) do Acordo, ou que pelo menos este dispositivo não estava previsto de
forma suficientemente transparente como instrui o Artigo 63 de TRIPS. Ao final a
Índia apresentou emendas em sua legislação adequando-se ao previsto em TRIPs.[4]
Cerca de 9 mil de pedidos de patentes foram depositados pelo mailbox na Índia
entre 1995 e 2005. A legislação indiana prevê que caso estes pedidos de patentes
sejam deferidos, as indústrias de genéricos que utilizaram estas tecnologias
antes de 2005 e comprovem “substanciais investimentos”[5]não
terão de pagar qualquer indenização aos titulares das patentes para este
período de exploração. Porém, para continuarem explorando tais tecnologias após
2005 tais empresas de genéricos terão necessariamente de obter uma licença dos
titulares ou formalizar um pedido de licença compulsória ao escritório de
patentes indiano, caso contrário, terão de cessar a exploração.[6]
As patentes mailbox na Índia, portanto, não conferem os mesmos direitos de uma
patente comum. O titular de uma patente mailbox pode recompor apenas “royalties
razoáveis” contra empresas que usaram sua invenção antes de 1 de janeiro de
2005 conforme o Indian Patent Act (2005) § 11 A(7). Segundo Cynthia Ho este
mecanismo constitui uma licença compulsória de facto e questiona se isto poderia
se enquadrar nas exceções de TRIPs ou se constitui uma discriminação com base
na tecnologia.[7]
Em março de 2012 o Controller do escritório de patentes indiano
concedeu licença compulsória da patente IN215758 para o fabricante de genéricos
indiano Natco Pharma Ltd. para fabricar um medicamento patenteado pela Bayer e
usado no tratamento de câncer, conhecido como Naxavar, usado no tratamento de
doenças renais, sob a alegação que o titular não oferecia o medicamento a um
preço razoável no mercado indiano e que não fabricava o produto localmente. [8]
O Tribunal local indiano ponderou que o medicamento era oferecido pela titular
ao custo de 79 mil dólares ao ano, ao passo que a empresa de genéricos oferecia
o mesmo medicamento ao custo de 117 dólares ao ano. Com o preço praticado pela
Bayer apenas 2% da população indiana com câncer renal tinha acesso ao produto.[9]
[1] GRUBB, Philip, W. Patents for
Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law,
Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.44
[2] DRAHOS, Peter. The global
governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige
University Press:United Kingdom, 2010, p.208
[3]
Notas INPI/PROC/CJCONS/no. 114/07, de 18/4/07, no Process o 52400.000591/07 e
128/07, de 27/4/07, esta referente à Patente 9710372-1, cf. BARBOSA, DENIS. Direitos
exclusivos de comercialização: um instituto inexistente no direito brasileiro,
outubro 2007, http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/emr.pdf
[4] WTO WT/DS50/R 5 September
1997 http://www.worldtradelaw.net/reports/wtopanelsfull/india-patents(panel)(us)(full).pdf
[5] HO, Cynthia. Current controversies
concerning patent rights and public health in a world of international norms.
In: TAKENAKA, Toshiko. Patent law and theory: a handbook of contemporary
research,Cheltenham:Edward Elgar, 2008, p.696
[6] Médicos sem Fronteiras. Will the lifeline of affordable medicines
for poor countries be cut? Consequences of medicines patenting in India,
2005, p.4 http://www.who.int/hiv/amds/MSFopinion.pdf
[7] HO, Cynthia. Current
controversies concerning patent rights and public health in a world of
international norms. In: TAKENAKA, Toshiko. Patent law and theory: a handbook
of contemporary research,Cheltenham:Edward Elgar, 2008, p.685
[8] Natco Pharma obtains compulsory
licence to manufacture Bayer’s patented ‘Naxavar’ anti-cancer drug, 30/03/2012 http://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=d1987bc4-1065-4105-aac2-22a12b2a6635
NOONAN, Kevin. The anatomy of a compulsory licence: natco Pharma Ltd. V. Bayer
Corp (Indian Patent Office) 15/03/2012 http://www.patentdocs.org/2012/03/the-anatomy-of-a-compulsory-license-natco-pharma-ltd-v-bayer-corp-indian-patent-office.html
[9]
BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Direito Civil da propriedade intelectual: o caso
da usucapião de patentes. Rio de Janeiro, Lumen Juris,2012, p.131
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