A Lei de Direitos Autorais Lei nº 9610/98 estabelece no artigo 8º inciso IX
que não são objeto de proteção como direitos autorais os textos de tratados ou
convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos
oficiais[1]. O
parecer do INPI é um ato previsto no artigo 35 da Lei nº 9279/96[2],
trata-se, portanto de um ato oficial emitido por órgão do governo e como tal
isento de direitos autoriais como regula a LDA. Da mesma forma os pedidos de
patente publicados pelo INPI na RPI atendem a uma provisão legal conferida pelo
artigo 30 da LPI. Plínio Cabral observa que os atos administrativos, e os atos
praticados pelo INPI se enquadram neste conceito, são excluídos da proteção
autoral: “Não são evidentemente atos
criativos. E mesmo que fossem, a lei não os protege, pois a sua finalidade é
instruir porcedimentos, cuja publicidade é absolutamente necessária, e, em
certos casos imperativo legal”. Plínio Cabral cita como exemplo um parecer expedido
por Graciliano Ramos enquanto prefeito de Palmeira dos Índios, ao governador de
Alagoas e que por ser ato oficial está fora do âmbito de proteção
autoral ainda que o documento em questão seja esteticamente elaborado[3]. Os relatórios da prefeitura que escreveu nesse período chamaram a atenção de Augusto Frederico Schmidt, editor carioca que o animou a publicar Caetés (1933)
Disposição idêntica estava prevista no artigo 11 da Lei de Direitos Autorais
anterior Lei nº 5988/73[4]. José
Ascenção admite um entendimento extensivo a tal dispositivo pois “falando-se
em textos, entende-se que não se abrangem apenas as obras literárias, mas
qualquer categoria de obras que possam merecer a designação de obras oficiais
[...] A exclusão de tutela é radical. Sobre aquelas obras não recai nenhum
direito de autor, quer no plano pessoal quer no plano patrimonial”.[5]
Denis Barbosa[6]
em parecer sobre caso que tratou da aplicação de direitos de autor sobre fotografias
documentais realizadas por funcionário municipal conclui que não há qualquer
direito autoral a se considerar, entre outros motivos porque tratando de
documentos oficiais a estes não incidiria a proteção autoral por força do artigo
661 inciso II do Código Civil de 1916 que
lançava em domínio público imediatamente os documentos oficiais uma vez
produzidos.[7]
Segundo o artigo 661 do Código Civil de 1916 pertencem à União, aos Estados, ou
aos Municípios: (Revogado pela Lei nº 9.610, de 1998). I - Os manuscritos de
seus arquivos, bibliotecas e repartições. II - As obras encomendadas pelos
respectivos governos, e publicadas à custa dos cofres públicos.[8]
Mesmo entes privados, como universidades privadas que emitam
uma portaria regulando exames vestibbulares, por exemplo, podem se enquadrar no
contexto de ato oficial, pois entende-se um pronunciamento que interessa a
milhares de pessoas e portanto seria um contra-senso impedir ou restringir sua
circulação.[9]
Neste sentido, os documentos de patentes cumprem uma função fundamentalmente
orientada no sentido de promover a disseminação tecnológica e da mesma forma
seria um contrassenso estabelecer restrições a divulgação deste material. O INPI
dispõe de programa específico a mais de 30 anos que divulga cópias de
documentos de patentes a usuários no intuito de disseminar a informação
tecnológica. O PROFINT criado em 1985 tem como objetivos divulgar e facilitar o
acesso à Informação Tecnológica contida nos documentos de patente para que os
usuários – sejam eles Associações, Empresas, Instituições de Pesquisa,
Universidades, entre outros – possam usufruir as vantagens das informações
disponíveis no sistema de patentes.[10] A
distribuição de cópias dos documentos de patentes pode ser feita porque tais
documentos não dispõe de proteção autoral.
Uma obra com caráter didático, de estudo e pesquisa que
utilize trechos de pareceres técnicos do INPI ou trechos de documentos de
patentes ou de seus desenhos, ainda que distribuída comercialmente, se
enquadraria nas exceções da LDA que prevê no artigo 46 inciso III que não
constitui ofensa aos direitos autorais a citação em livros, jornais, revistas
ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins
de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir,
indicando-se o nome do autor e a origem da obra.
Outro aspecto a ser considerado é que em um documento de
patente submetido a exame técnico pelo INPI são levados em conta aspectos
essencialmente técnicos da invenção. Toda a matéria de aspectivo subjetivo, o aspecto criativo e original com que o texto de
um pedido de patente é escrito que expressa traços e sentimentos do autor, deve
ser desconsiderado no exame, que deve se voltar apenas para os aspectos
técnicos da patente. Podemos, portanto, afirmar que o documento de patente,
documento este que assume uma tecnicidade própria, busca evitar exatamente
aqueles aspectos para o qual o direito de autor busca proteger. A doutrina é
unânime em afirmar que o direito autoral não protege qualquer ideia ou conceito
existente por detrás da obra criada, que é exatamente aquilo que o documento de
patente deseja transmitir quando a LPI exige no artigo 24 exige que a patente
deva descrever o pedido de modo a possibilitar sua realização por técnico no
assunto.Também neste sentido a porteção por direito de autor do documento de
patente parece inadequada.
O artigo 46 inciso VIII da LDA prevê que não constitui
ofensa aos direitos autorais a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos
trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral,
quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo
principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra
reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos
autores. Este texto faz sentido se estamos tratando da reprodução de uma obra
comercial, ou seja, em que a reprodução não autorizada de trechos
significativos pode representar um ônus ao titular dos titular dos direitos. No
entanto a reprodução de documentos de patentes, onde não há qualquer interesse
comercial do titular em distribuir tal documento, não faz sentido em se falar
em “prejuízo injustificado aos legítimos
interesses dos autores” quando da reprodução deste documento de patente. Pelo
contrário o que se observa é que os escritórios de patentes disponibilizam tal
documentação a bases de dados comerciais tais como Dialog, STN, Questel-Orbit,
entre outras, sem que para isso seja necessária a autorização do inventor,
ainda que estas mesmas empresas tenham interesses comerciais na redistribuição
deste material.
Este entendimento de garantir livre
acesso aos documentos de patentes como fair
use[11]
é compatível com o ordenamento jurídico internacional que prevê no artigo 9º da
Revisão de 1971 que as legislações dos países da União reservam-se a faculdade
de permitir a reprodução das referidas obras em certos casos especiais,
contanto que tal reprodução não afete a exploração normal da obra nem cause
prejuízo injustificado aos interesses legítimos do autor.[12]
Graciliano Ramos [13]
[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm
[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm
[3] CABRAL, Plínio. Direito Autoral: dúvidas & controvérsias, São Paulo,
Harbra, 2000, p. 74
[4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5988.htm
[5] ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito Autoral, São Paulo:Renovar, 2007, p.81
[6] BARBOSA, Denis. Propriedade Intelectual: direitos autorais, direitos conexos
e software, Lumen Juris:Rio de Janeiro, 2003, p.51
[7] http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/apostilas/inpi/inpidappt.pdf
[8] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071impressao.htm
[9] CABRAL, Plínio. Direito Autoral: dúvidas & controvérsias, São Paulo,
Harbra, 2000, p. 74
[10] http://www.inpi.gov.br/portal/artigo/profint
[11] ABRÃO, Eliane. Direitos de autor e direitos conexos, São Paulo:Ed. do Brasil,
2002, p.151
[12] http://www2.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2008/02/cv_berna.pdf
[13] http://pt.wikipedia.org/wiki/Graciliano_Ramos