Historicamente a noção
de algoritmo teve origem com o matemático árabe Abu Adullah Mohammad Ibn Musa Al-Khwarizmi
(cerca de 780-850). Sua obra, que inclui tabelas de funções trogonométricas,[1]
chegou ao Ocidente por um texto latino do século XII, em que seu nome aparece
na forma latinizada Algorismus. O
cálculo algorítimo se contrapunha aos cálculos realizados com ábaco, então em
voga. Por demandar muito papel, objeto de luxo na idade Média, e por ter origem
de um infiel, o uso dos algoritmos somente viria a ter maior disseminação na
Europa no século XVI[2].
Donald Knuth revela a presença de procedimentos para a determinação do
comprimento e largura de cisternas presentes em tabuletas da antiga Babilônia:
“Podemos elogiar os babilônios por terem
desenvolvido uma boa maneira de explicar um algoritmo por meio do exemplo enquanto
o próprio algoritmo começava a ser definido”.[3]
Claude Shannon
desenvolveu trabalhos em teoria da comunicação em que a medida da informação
como uma medida da incerteza da mensagem em termos de entropia como uma função
de probabilidades. Shannon identifica informação com entropia, um conceito
originalmente presente nos estudos de termodinâmica. Os físicos por sua vez
identificam a entropia como a medida da incerteza em relação ao estado de um
sistema físico, um dentre todos os estados que o sistema pode apresentar. Do
ponto de vista estatístico tudo tende a máxima entropia, ou seja uma tendência
do universo de fluir de macroestados menos prováveis (organizados) para os mais
prováveis (desodenados). Maxwell ilustrou este conceito com um experimento de
raciocínio. Numa caixa com gás interior as moléculas se agitam aleatoriamente
de modo a manter a temperatura constante. Maxwell especulou que se esta caixa
fosse dividida em duas (A e B) e interligada por uma válvula controlada por um
ser que permitisse a passagem das moléculas rápidas para um dos lados da caixa,
seria possível separar o ar quente e frio da caixa. Thomson rotulou este ser
como “o demônio inteligente de Maxwell”. Este demônio de Maxwell ao organizar
as moléculas, com base na informação sobre suas velocidades, conseguiria estabelecer
uma ligação entre informação e energia. [4] Nas
palavras de Maxwell: “esse ser, sem
realizar trabalho algum, aumentará a temperatura de B e diminuirá a de A, em
contradição com a segunda lei da termodinâmica”.
Este ser usa a
informação para reduzir a entropia e aumentar o grau de organização do gás. Mas
este ser ao conseguir separar o gás e permitir a formação de dois compartimentos
a temperaturas diferentes nos cria um paradoxo de permitir a criação de um
gerador de energia a partir do nada, um moto contínuo. O físico Leo Szilard
demonstrou que o paradoxo é aparente uma vez que existe um custo nesta
informação. Para reduzirmos a entropia numa caixa de gás, para realizar
trabalho útil, é preciso pagar um preço em termos de informação. Leo Szilárd
observou que o demônio de Maxwell, na vida real, precisaria ter algum meio de
medir a velocidade molecular, e que o ato de aquisição de informações exigiria
um gasto de energia. Charles H. Bennett mostrou que é o apagamento de
informação que dissipa energia no demônio, e não a mera realização de uma
medição.[5] De
qualquer forma, a informação, portanto é na verdade física, ela não está
dissociada do universo da matéria e da energia, das partículas e forças, mas é
possível desta forma converter a informação de trajetória e velocidade de cada
partícula de gás com a entropia. Esta associação foi sintetizada por Claude
Shannon que estabeleceu que a entropia poderia estar associada com a medida de
incerteza de uma mensagem de dados[6]
Allan Turing mostrou
que uma máquina computacional pode ser reduzida a uma tabela finita de estados
e a um conjunto finito de possibilidades de entrada, podendo ser tais máquinas
representadas por números, da mesma forma que Godel tinha codificado a linguagem
da lógica simbólica. Isto desfez a distinção entre dados e instruções: no fim,
todos não passam de números. Sua máquina universal (denominada U) associa cada
número a um algoritmo computável. Assim, por exemplo, o número irracional PI,
ao invés de ser gravado em memória com uma quantidade infinita de memória (por
ser irracional) poderia ser armazenada por uma sequência de instruções que
quando executassem gerassem o número pi. Estas instruções do algoritmo estão
associados a um número. O sistema formal em lógica matemática conhecido como cálculo
lambda baseado em funções foi usado por Alan Turing para construção de sua
máquina universal U. Dado um número, representado na forma de uma sequência de
qualquer tamanho, indagamos: qual é o comprimento do menor programa capaz de
gerá-lo ? Usando a linguagem de uma máquina de Turing, essa pergunta pode ter
uma resposta definida, medida em bits.
Claude Shannon
demostrou que o computador universal de Turing poderia ser construído com apenas
dois estados internos e poderia simular qualquer outro computador digital.
Gregory Chaitin demonstrou que um número que pudesse ser obtido por um
algoritmo em que um programa de computador fosse capaz de gerá-lo, garantia a
computabilidade deste número que não poderia ser desta forma considerado como
aleatório. Este programa que implementaria o algoritmo seria medido em bits em
uma maquina de Turing Universal. O tamanho do algoritmo mede a quantidade de
informação presente neste número dito computável. Kolmogorov determinou a
complexidade de algoritmos como o menor tamanho de computador necessário para
gerar este número. Solomonoff também desenvolveu trabalhos similares
estabelecendo assim uma conexão entre informação e algoritmos. [7]
Ben Klemens argumenta
que qualquer software pode ser entendido como método matemático uma vez que
pode ser reduzido a equações cálculo lambda de Turing, de modo que não há como
traçar um limiar de patenteabilidade entre aquilo que poderia ser considerado
método matemático e um método patenteável implementado por software. Para
Klemens a máquina de Turing como um dispositivo físico teórico conhecido como
máquina de estados poderia ser objeto de patente desde que inventivo, mas não
quanto aos estados da máquina. [8] Na
mesma linha de argumentação Pedro Rezende e Hudson Lacerda entendem que “a obra
de Turing e Church [...] fornece a base para uma divisão clara entre, de um
lado, objetos e processos físicos que implementam máquinas de estados –
invenções que podem ser patenteáveis – e de outro, as informações (programas e
dados) que essas máquinas processam, e que deveriam permanecer não
patenteáveis".[9]
Ben Klemens, Pedro
Rezende e Hudson Lacerda ignoram, contudo, o fato de que processos tem sido protegidos
por patentes antes da existência dos primeiros computadores. Não é o fatio de ser abstrato que impede a possibilidade de apropriação por patentes. Os estudos de Maxwell mostram uma associação entre informação e o mundo físico, de modo que este não pode ser um critério de diferenciação. Um método
matemático pode ser entendido como um processo escrito numa linguagem simbólica
própria. O que define sua patenteabilidade será o fato de estar resolvendo um
problema prático, técnico do mundo real e não unicamente alguma abstração do
universo matemático. Aqui está o ponto de diferenciação entre as matérias passíveis de proteção patentária. A argumentação de associar o software como uma abstração matemática perde assim seu sentido como critério diferenciador para patenteabilidade. Atendido o critério de solução técnica, este processo já não seria visto
como um método matemático, mas como uma solução de um problema de
natureza técnica[10]. Por exemplo,
um filtro eletrônico pode ser implementado em termos de seus componentes
físicos: resistores, capacitores e indutores para alcançar uma determinada
característica de frequência e fase, e tal circuito eletrônico não se questiona
a possibilidade de patenteabilidade. Este mesmo circuito possui uma resposta de
frequência alcançável da mesma forma pelo equivalente lógica da forma digital
deste filtro, implementado como uma rotina executada por um computador. Dada as
equações que regem este circuito eletrônico, é possível se obter de forma
direta, aplicando-se conceitos matemáticos conhecidos (como Transformada Z), o
equivalente lógico na forma digital deste mesmo circuito. A equivalência lógica
entre os dois circuitos ocorre tanto no resultado final (Função de
transferência entre sinal de saída e sinal de entrada) como para cada elemento
do circuito físico eletrônico, ou seja, os meios usados para se alcançados os
efeitos técnicos. No caso de uma associação direta como esta, para um método
considerado não patenteado (um método para se determinar a raiz quadrada de um
número por exemplo), tanto a forma matemática desta função não seria patenteada
como o equivalente lógico matemático (tanto em termos de resultados como de
meios alcançados) em sua forma mecânica. No caso em que esta implementação
mecânica envolvesse alguma associação inventiva para substituição dos elementos
lógicos matemáticos em elementos físicos mecânicos, poderia haver patente para
esta implementação mecânica mas não para a implementação matemática que
continuaria fora da proteção patentária e livre para ser utilizada em outras
implementações mecânicas alternativas. O que garante a patenteabilidade da
versão mecânica neste caso é a possibilidade de alternatividade de implementações,
o que não se observa no caso em que esta associação fosse direta.
Demônio de Maxwell
[1]
GLEICK, James. A informação: uma história, uma teoria, uma enxurrada, São
Paulo:Cia das Letras, 2013, p. 91
[2] O nascimento da
álgebra, Peter Schreiber, In: A Ciência na Idade Média,
Scientific American do Brasil, agosto 2008, p. 16
[3]
GLEICK, James. A informação: uma história, uma teoria, uma enxurrada, São
Paulo:Cia das Letras, 2013, p. 54
[4]
GLEICK, James. A informação: uma história, uma teoria, uma enxurrada, São
Paulo:Cia das Letras, 2013, p. 288
[5] http://www.fflch.usp.br/df/opessoa/FiFi-12-Cap13.pdf
[6] GLEICK,
op.cit.p.376
[7] GLEICK,
op.cit.p.358
[8] KLEMENS,
Ben. Math you can´t use, Brookings
Institution Press: Washington,2006, p.36
[9] REIS, Renata; JÚNIOR,
Veriano Terto; PIMENTA, Cristina; MELLO, Fátima. Propriedade Intelectual: interfaces e desafios, Rio de Janeiro,
Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids ABIA, 2007, p.158
http://www.abiaids.org.br/_img/media/Anais_Rebrip_web.pdf
[10]
Biotecnologia(s) e propriedade intelectual. v.II, João Paulo Fernandes Remédio
Marques. Doutorado em Ciências Jurídico-Empresariais da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra. Coimbra:Ed.Almedina, 2007, p. 710
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