domingo, 23 de fevereiro de 2014

O risco de patentes amplas

Uma reivindicação pode ser considerada demasiadamente ampla seja porque descreve de uma forma genérica a invenção, englobando matéria já conhecida da técnica, seja porque descreve de forma bastante genérica um conceito inventivo desconhecido do estado da técnica, o que inibiria invenções posteriores. A precisão de uma reivindicação a que tem direito o inventor irá, portanto, depender do estado da técnica. Por este motivo que um questionamento de alta de precisão ou generalidade da reivindicação deve ser fundamentado em documentos do estado da técnica. A falta de precisão poderá fundamentar o indeferimento do pedido com base no Artigo 25 da LPI: “As reivindicações deverão ser fundamentadas no relatório descritivo, caracterizando as particularidades do pedido e definindo, de modo claro e preciso, a matéria objeto da proteção”.
O escopo reivindicado deve possuir suporte com o relatório descritivo. Considere, por exemplo, um processo de tratamento de uma resina termoplástica. O relatório descritivo explicita tal processo especialmente adaptado para este tipo de resina, portanto, neste caso uma reivindicação de processo para tratamento de resinas seria impróprio por ser excessivamente ampla uma vez que tal processo está dedicado a resinas termoplásticas e não se aplica a resinas em geral[1].
As Diretrizes do PCT de 2004 ressaltam que a reivindicação não deve ser tão ampla que se estenda além da invenção nem tão estreita que retire do inventor a justa recompensa por sua invenção[2]. As Diretrizes de 1998 apresentam uma ressalva: as invenções que abrem novas áreas tecnológicas podem ser escritas de uma forma mais ampla do que as reivindicações que tratam de aperfeiçoamentos de tecnologias já conhecidas[3]. Esta ressalva, contudo, foi suprimida na versão das Diretrizes de 2004, o que demonstra uma preocupação das Autoridades de Busca e Exame do PCT em se evitar reivindicações amplas.
A patente US1647 de Samuel Morse, por exemplo, na reivindicação 8 pleiteava a utilização de eletromagnetismo para transmissão sinais elétricos à distância[4]. Tal reivindicação foi rejeitada pela Suprema Corte dos Estados Unidos por ser muito ampla, uma vez que aparelhos completamente distintos poderiam ser projetados para transmissão de sinais de telegrafia utilizando-se de sinais elétricos[5]. Morse não tinha direito exclusivo de uso do eletromagneto para fins telegráficos, mas sobre a máquina específica descrita na patente[6]. Um inventor de um meio para atingir um resultado não pode pleitear uma reivindicação que englobe todos os meios para se alcançar o mesmo resultado. Os casos seguintes desenvolveram a regra geral, flexibilizada nos tempos atuais, de que uma patente não poderia reivindicar a função de uma máquina.[7]
Segundo a Suprema Corte norte-americana: “se esta reivindicação for mantida não importa porque processo ou equipamento o resultado será atingido. Pelo que hoje sabemos um futuro inventor na marcha progressiva da ciência poderá descobrir um meio de escrever à distância por meio de corrente elétrica ou galvânica, sem usar qualquer parte do processo reivindicado na patente de Morse”.[8] Para Nuno Carvalho, segundo a condição da alternatividade exigida para as patentes: “a exclusividade da patente não pode impedir que outras pessoas utilizem o mesmo princípio natural ou o mesmo material utilizado pela invenção reivindicada mediante métodos diferentes dos que são reivindicados na patente”.[9]

Telégrafo original de Samuel Morse [10]


[1] item 5.53 PCT International Search and Preliminary Examination Guidelines, PCT Gazette, Special Issue, WIPO, 25 março 2004, S-02/2004 ver também Manual de Redação de Patentes da OMPI, IP Assets Management Series, 2007, p.193
[2] item 5.52 PCT International Search and Preliminary Examination Guidelines, PCT Gazette, Special Issue, WIPO, 25 março 2004, S-02/2004 ver também Manual de Redação de Patentes da OMPI, IP Assets Management Series, 2007, p.192
[3] item III-6.1 PCT International Preliminary Examination Guidelines, PCT Gazette, Special Issue, WIPO, 29 outubro 1998, S-07/1998 (E)
[4] MUELLER, Janice. Patent Law. New York:Aspen Publishers, 2009, p.284
[5] O’Reilly v Morse 56 US 62 (1853). cf.Uma Introdução à propriedade intelectual, Denis Barbosa, Rio de Janeiro:Lumen Juris, p. 339. Tratado da Propriedade Intelectual: Patentes. Denis Borges Barbosa. Tomo II, Rio de Janeiro:Lumen, 2010, p.1116
[6] Tudo é relativo e outras fábulas da ciência e tecnologia, Tony Rothman, São Paulo:Difel, 2005, p.168
[7] CHISUM, Donald. Chisum on Patents, Matthew Bender, 2011, v.1, p.8-279
[8] MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property in the new technological age. Aspen Publishers, 2006. p.139
[9] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado. presente e futuro. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2009, p.87,88
[10] http://en.wikipedia.org/wiki/Samuel_Morse

Nenhum comentário:

Postar um comentário