sábado, 18 de junho de 2022

Pools de patentes com finalidades humanitárias

 

A UNITAID tem financiado desde 2010 um fundo de patentes (Medicines Patent Pool) com sede em Genebra com intuito de licenciar medicamentos para o tratamento de AIDS, malária e tuberculose, preferencialmente para países subdesenvolvidos[1]. O pool inclui patentes da NIH e Gilead enquanto outras empresas como Hoffman La Roche, Boehringer Ingelheim, Squibb e Sequoia negociam sua entrada no pool , .[2] Críticos como Peter Drahos que enquanto países ricos como Estados Unidos tem gasto per capita de US$190 este valor é de apenas US$3 para a Índia o que revela a pouca atratividade do mercado indiano, e da busca de soluções para doenças locais, para as grandes empresas internacionais. O interesse das empresas em investir em medicamentos para malária, segundo Drahos, reside quase que exclusivamente em atender a demanda dos turistas de países ocidentais que visitam países tropicas em suas férias.[3] Uma outra iniciativa é a formação de um modelo Open Source para medicamento. Na Índia o Open Source Drug Discovery criado pelo Council of Scientific and Industrial Research (CSIR) representa um consórcio com o objetivo de distribuir cuidados de saúde ao mundo em desenvolvimento promovendo uma plataforma global em que pesquisadores de cerca de 130 países atuam de forma colaborativa para resolver complexos problemas de doenças negligenciadas como malária e leishmaniose. [4] A WIPO patrocina o Re; Search Initiative criado em setembro de 2011 com o objetivo de formar um pool de patentes para institutos de pesquisa compartilharem seus resultados relativo a doenças tropicais negligenciadas que afetam cerca de um bilhão de pessoas no mundo. A iniciativa é baseada no Pool for Open Innovation against Negleted Tropical Diseases (POINT) lançado em 2009 pela GlaxoSmithKline e Alnylam. Segundo a OMS em relatório de 2006: “Não há evidências de que o acordo TRIPs nos países em desenvolvimento tenham aumentado significativamente a pesquisa em medicamentos tipo II (doenças que substancialmente afetam países em desenvolvimento) e particularmente tipo III (doenças que quase exclusivamente afetam apenas países em desenvolvimento). Incentivos de mercado são os fatores decisivos”.[5]

Robert Merges destaca que a questão de doenças como a malária não se resume a facilitação do acesso aos medicamentos. A doença requer para seu combate o tratamento de questões de combate aos vetores das doenças, como mosquitos e, portanto, questões referentes a condições sanitárias destes países. Se é verdade que uma pessoa doente pode ser tratada com tais medicamentos, o fato é que se estas questões sanitárias não forem equacionadas, a reinfestação da doença no mesmo paciente poderá levar a mutação do fator da doença causando uma superexposição ao medicamento o que pode resultar em perda de eficácia do mesmo medicamento a longo prazo.[6]

Peter Beyer da Universidade de Freiburg e Ingo Potrykus da ETH de Zurique na Suíça desenvolveram uma forma geneticamente modificada de arroz (golden rice) voltada para o combate da deficiência de vitamina A, principal causa de cegueira em crianças em países subdesenvolvidos. O Golden Rice Pool assinado em 2000 prevê o licenciamento das patentes envolvidas nesta tecnologia, de empresas como a Syngenta, Bayer, Monsanto, Orynova e Zeneca Mogen[7]. Os membros do pool possibilitam o acesso a estas tecnologias por licenciamento gratuito, para propósitos humanitários. [8] A tecnologia que envolve cerca de 70 patentes exigiria um licenciamento proibitivo em países desenvolvidos em que estas patentes são válidas. [9]Alguns críticos alegaram que a venda desta tecnologia para multinacionais como a Syngenta pareceria inaceitável, ainda que o acordo previsse ressalvas para os fazendeiros que faturam menos de US$ 10 mil por ano. Os cientistas alegaram que esta foi a forma de negociar as cerca de 70 patentes pertencentes a 32 empresas e universidades diferentes. [10]A presença de diversas patentes cobrindo a mesma tecnologia, antes do pool, constituía um risco para o desenvolvimento das pesquisas.[11]

Nicole Ziegler mostra exemplos de tecnologias que não estavam dentro dos interesses estratégicos de mercado das empresas e que por conta disto tiveram suas patentes doadas para outra empresa capaz de levar desenvolver a tecnologia. Em 2007 a empresa Hercules doou cinco patentes promissoras na área ambiental para controle da degradação da camada de ozônio, que não eram de interesse da empresa. As patentes foram doadas para a Delaware Economic Development Office (DEDO) que licencia a tecnologia para empresas interessadas na tecnologia. Neste modelo os custos com a manutenção das patentes são cobertos pelo Estado de Delaware. A Boeing desenvolveu um novo material utilizado em antenas de aeronaves que se mostrou particularmente apropriado para aplicações médicas por suas características de biocompatibilidade podendo ser usado na substituição de ossos humanos. As patentes foram doadas em 2001 para a University of Pennsylvania. A Celera licenciou gratuitamente patentes relativas a medicamentos para tratamento de doença de Chagas para o Institute for OneWorld Health, uma entidade sem fins lucrativos dedicada a pesquisas em doenças parasitárias negligenciadas. A Procter & Gamble observou que muitos dos produtos desenvolvidos por seus laboratórios divergiam da linha de negócios da empresa e com isto doou 196 patentes entre as quais um medicamento que se mostrou como uma super aspirina sem os efeitos colaterais gástricos da aspirina comum. Após uma escolha seletiva e cuidadosa a empresa doou as patentes para a Universidade de Vanderbilt junto com o acordo de fornecer assistência técnica e financeira para garantir o pagamento da manutenção destas patentes por três anos.[12]


[1] WTO, WIPO, WHO. Promoting Access to Medical Technologies and Innovation: Intersections between public health, intellectual property and trade, fevereiro 2013, p.117 http://www.wto.org/english/res_e/publications_e/who-wipo-wto_2013_e.htm WIPO, 2011, World Intellectual Property Report. P.125. phttp://www.wipo.int/export/sites/www/econ_stat/en/economics/wipr/pdf/wipr_2011.pdf ZIEGLER, Nicole; GASSMANN, Oliver FRIESIKE, Sascha. Why do firms give away their patents for free ? World Patent Information, 2013, p.1-7

[2] http: //www.medicinespatentpool.org/. WTO, WIPO, WHO. Promoting Access to Medical Technologies and Innovation: Intersections between public health, intellectual property and trade, fevereiro 2013, p.180 http://www.wto.org/english/res_e/publications_e/who-wipo-wto_2013_e.htm

[3] DRAHOS, Peter; BRAITHWAITE, John. Information feudalism: who owns the knowledge economy ? The New Press: New York, 2002, p.80

[4] WTO, WIPO, WHO. Promoting Access to Medical Technologies and Innovation: Intersections between public health, intellectual property and trade, fevereiro 2013, p.117 http://www.wto.org/english/res_e/publications_e/who-wipo-wto_2013_e.htm

[5] http://www.who.int/intellectualproperty/documents/thereport/ENPublicHealthReport.pdf?ua=1

[6] MERGES, Robert. Justifying Intellectual Property, Harvard University Press, 2011, p. 4065/6102 (kindle version)

[7] ZIEGLER, Nicole; GASSMANN, Oliver FRIESIKE, Sascha. Why do firms give away their patents for free ? World Patent Information, 2013, p.1-7

[8] SERAFINO, David. Survey of Patent Pools Demonstrates Variety of Purposes and Management Structures. Knowledge Ecology International - KEI Research Note, v.6, 4 jun. 2007. http://www.keionline.org/misc-docs/ds-patentpools.pdf

[9] BURK, Dan L.; LEMLEY, Mark, A. The patent crisis and how the Courts can solve it. The University of Chicago Press, 2009, p.89

[10] CHANG, Ha Joon. O mito do livre-comércio e o maus samaritanos: a história secreta do capitalismo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.p. 140, 214

[11] MAY, Christopher; SELL, Susan. Intellectual Property Rights: a critical history. Lynne Rjenner Publishers: London, 2006, p.26

[12] ZIEGLER, Nicole; GASSMANN, Oliver FRIESIKE, Sascha. Why do firms give away their patents for free ? World Patent Information, 2013, p.1-7

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