domingo, 19 de junho de 2022

Inovação tecnológica e desenvolvimento econômico

Economistas como Marx, Schumpeter e Solow apontaram o papel das inovações tecnológicas no desenvolvimento econômico dos países. Mariana Mazucatto discorda e argumenta que não há evidências empíricas fortes de que inovação necessariamente gera crescimento. [1] Para Marx, a história humana é o resultado da interação dialética entre as forças e as relações de produção, a luta de classes. É através das inovações tecnológicas que os capitalistas estão constantemente revolucionando os meios de produção e se apropriando do excedente produtivo que eles expropriam dos trabalhadores. Para Friedrich List em seu livro The national system of political economy de 1841: “a presente situação das nações é o resultado da acumulação de todas as descobertas, invenções, melhorias, aperfeiçoamentos e esforços de todas as gerações que viveram antes de nós: elas formam o capital intelectual da presente raça humana, e toda nação específica só será produtiva na medida em que souber como apropriar-se destas conquistas de gerações anteriores e aumenta-las por meio de suas próprias aptidões”. [2] Dominique Guellec destaca que “Todas as ondas de inovações tecnológicas foram seguidas de reforço do sistema de patentes local o que mostra uma clara correlação entre o o reforço dos sistemas de patentes e a aceleração da inovação tecnológica. A internacionalização da atividade econômica e a importância dos mercados estrangeiro mostra forte correlação com o sistema de patentes para fomentar a circulação de informações tecnológica entre as fronteiras”.[3]

Schumpeter escrevendo nos anos 1920 e 1930, em uma época em que o capitalismo apresentava sinais claros de enfraquecimento face às recessões mundiais e guerras, retoma uma filiação teórica às concepções marxistas do progresso técnico tentando explicar as crises cíclicas do capitalismo colocando a inovação tecnológica como elemento central da dinâmica capitalista. As inovações são, portanto, elementos decisivos na história econômica para o sistema capitalista[4]. Para Schumpeter uma economia dinâmica não é a que se encontra em equilíbrio, mas a que sofre rupturas provocadas por inovações tecnológicas[5].Em Business Cycles escrito em 1939 Schumpeter explica os cilcos de Kondratieff de duraçao aproximada de meio século a progressivas ondas de inovação tecnológica: a revolução têxtil de 1780-1840, a energia a vapor e ferrovias de 1840 a 1890 e a era da siderurgia e eletricidade de 1890-1940. Posteriormente novos ciclos foram identificados entre 1940 a 1990 como a era da produção em massa e materiais sintéticos, e de 1990 em diante na era da microeletrônica e redes de computadores.[6]

Chris Freeman observa que apesar do reconhecimento do progresso técnico como principal fator para a expansão econômica do último século esta tem permanecido à margem e não no centro das análises econômicas. [7] Richard Posner em 1969 propÕs o modelo de defasagens tecnológicas observando que a geração de novos produtos e processos confere uma vantagem temporária ao país pioneiro conferindo uma vantagem comercial sobre os demais países. Contudo a difusão desta tecnologia tornaria inevitável o enfraquecimento da posição do país pioneiro que somente poderia sustentar sua posição com novas inovações mantendo assim uma “defasagem tecnológica” que lhe garantiria vantagens comparativas ao longo do tempo.[8]

Mesmo economistas neoclássicos já reconhecem o papel central da inovação tecnológica no desenvolvimento econômico. Robert Solow em 1957, em estudo com o qual obteve o Prêmio Nobel, reconheceu um papel central do progresso técnico no desenvolvimento econômico norte-americano, ao mostrar que o crescimento do PNB per capita tem dependido muito mais do aumento da produtividade dos recursos do que do uso de mais recursos[9]. No modelo de Solow há uma função de produção econômica em que o produto é uma função da quantidade de capital físico e trabalho humano. Solow descobriu que 90% da variação da produção econômica não poderiam ser explicados nm pelo capital nem pelo trabalho, mas do que ele chamou de “mudança técnica”[10]. Para Solow[11] este incremento não poderia ser explicado pelo aumento de população, nem tampouco pelo crescimento do capital.[12] Apenas 10% do aumento da renda per capita nos Estados Unidos entre 1909 e 1949 se deveu ao aumento da razão entre capital e trabalho. Tomando o período de 1909 a 1949 Solow estima que o crescimento econômico observado nos Estados Unidos pode ser atribuído com relação a fatores como capital (21%), trabalho (24%) e progresso técnico (51%). Denison tomando um período mais recente (1929 a 1982) atinge índices próximos, respectivamente 19%, 26% e 46%. [13] Essa diferença entre o crescimento real do produto e o crescimento do produto que teria ocorrido levando-se em conta apenas os aumentos de recursos, ficou conhecido como “resíduo de Solow”, atribuível, portanto, em grande parte à inovação tecnológica[14] ou conhecimento útil embora não apenas a tecnologia patenteada. No modelo de Solow o crescimento econômico depende da taxa de crescimento do capital, do trabalho e das inovações tecnológicas. Paul Romer demonstra que o conhecimento útil, o maior componente no resíduo de Solow e, portanto, o componente mais importante para o aumento da riqueza nacional, por ser um bem não rival não se acumula por si mesmo, mas como resultado das decisões tomadas pelos indivíduos que buscam alguma vantagem econômica.[15] Chris Freeman observa que com a crise dos anos 1970 cada vez mais o crescimento pode ser explicado em termos de produtividade do trabalho e de acumulação de capital, de modo que podemos dizer que não há mais algum resíduo que possa explicar tal crescimento.[16]

A partir dos anos 1980, os economistas neo schumpeterianos, entre os quais Freeman, Perez, Nelson, Winter, Dosi, entre outros, trouxeram novamente o papel das inovações tecnológicas como elemento central para entendimento da dinâmica capitalista. No entanto, ao contrário de Solow que enfatiza predominantemente o papel dos gastos da economia produtiva em P&D, os economistas evolucionistas trabalham com o conceito de um sistema nacional de inovação, uma abordagem mais amplas de fatores que impactam na inovação. Segundo Paulo Tigre[17]: “do ponto de vista empresarial, as empresas mais dinâmicas e rentáveis do mundo são justamente aquelas mais inovadoras, que, em vez de competir em mercados saturados pela concorrência, criam seus próprios nichos e usufruem de monopólios temporários por meio de patentes e segredo industrial”. Em 2022, Andrew Toole, economista chefe do USPTO em Intellectual Property and the U.S. Economy mostra que as indústrias intensivas em propriedade intelectual (IP intensive industries) respondem por 41% da atividade doméstica e cerca de 44% dos empregos nos Estados Unidos em 2019. [18]

A escola estruturalista latino americana de Raul Prebisch e Celso Furtado também destaca o papel das inovações tecnológicas para o desenvolvimento econômico. Por este modelo o progresso tecnológico tende a elevar a produtividade na indústria assim como ao aumento de salários sendo este maior que o aumento de produtividade o que tende a reduzir a taxa de lucro e desta forma a fazer com que os empresários iniciem novo ciclo de inovação em busca de novos aumentos de produtividade: “A fim de defender a taxa de remuneração do capital, a partir do momento em que a taxa dos salários alcance uma cota crítica, os empresários se esforçarão por introduzir processos produtivos poupadores do fator trabalho”[19]. Nos países periféricos contudo a industrialização sendo induzida de fora para dentro constitui um processo distinto da industrialização no centro do sistema capitalista: “No centro, o progresso tecnológico assumiu inicialmente a forma de inovações nos processo produtivos, as quais se traduziam em transformações da oferta, que provocavam a deslocação da atividade artesanal, redução dos preços de oferta, ampliação do mercado e a necessidade de introduzir produtos novos. Na periferia, a ampliação do mercado e introdução de produtos novos precedem a industrialização. O mercado de produtos manufaturados é inicialmente alimentado pelas importações. Portanto o progresso tecnológico se introduz de início pelo lado da demanda. A sociedade se moderniza antes que a economia se desenvolva”.[20] Há um descompasso entre a introdução de novas tecnológicas nos países periféricos e sua difusão, esta incapaz de dinamizar a economia para garantir um ritmo endógeno de se buscar um novo ciclo de inovação. Segundo Celso Furtado há uma diferenciação entre o processo de industrialização nos países centrais e periféricos: “Nos países centrais, os que comandam o processo de industrialização, o ponto de partida era um progresso tecnológico que assume a forma de transformação nos processos de produção, na oferta. Por aí começa sua evolução global. O progresso tecnológico assume primeiramente a forma de inovações no processo produtivo, no métodos de produção. Assim a oferta se vê transformada e essa transformação assume a forma de baixa nos preços relativos de certos setores, deslocação do setor artesanal, ampliação da demanda, necessidade de se introduzir novos produtos, etc. Tudo interligado, entrelaçado. No sistema de economia subdesenvolvida, o processo se inicia pelo lado da demanda, via ampliação do mercado por causa da elevação da produtividade econômica, que decorrer da inserção na divisão internacional do trabalho [em seu papel de exportador de produtos primários]”.[21] A inovação, portanto, nada mais é que o “exercício de uma forma de poder”[22] que somente pode ser compreendida sem que se compreenda a forma como a economia periférica está inserida no comércio internacional. Desta forma para Celso Furtado a economia periférica industrializada por um processo conhecido como “substituição de importações” tem um caráter de complemento externo e que não se formou como um sistema autônomo[23]: “o resultado de tudo isso foi a criação no país de um sistema industrial altamente integrado, exclusivamente voltado para o mercado interno, sem capacidade competitiva internacional [sem inovação], e ainda assim, no essencial, controlado por empresas transnacionais”.[24]

Para Celso Furtado as inovações tecnológicas introduzidas nos países periféricos operam no sentido de se preservar as relações de dominação com os países centrais[25]: “o desenvolvimento periférico passa a ser , portanto, a diversificação (a a ampliação) do consumo de uma minoria cujo estilo de vida é ditado epla evolução cultural dos países de alta produtividade e onde o desenvolvimento se apoiou, desde o início do progresso tecnológico. Mais precisamente: o principal fator causante da elevação de produtividade na economia periférica industrializada parece ser a diversificação dos padrões de consumo das minorias de altas rendas, sem que o processo tenha necessariamente repercussões nas condições de vida da grande maioria da população [...] Como esse desenvolvimento envolve a adoção de novos padrões de consumo ou a sua difusão, e como esses novos padrões trazem consigo um vínculo de tipo internacional (importação de inputs pagamentos de royalties de patentes, dividendos, etc) pode-se afirmar também que o referido desenvolvimento é uma transformação estrutural do sistema global no sentido de estreitar as relações de dependência”.[26] Segundo Celso Furtado: “A elevação da produtividade e a modificação nas formas de consumo, sem assimilação concomitante de progresso tecnológico, nos processos produtivos, constituía, em realidade o ponto de partida da formação das estruturas subdesenvolvidas [...] A história do subdesenvolvimento consiste fundamentalmente no desdobramento desse modelo de economia em que o progresso tecnológico serviu muito mais para modernizar os hábitos de consumo [das classes ricas] do que para transformar os processos produtivos”.[27] Nessa perspectiva as previsões de Celso Furtado não parecem muito promissoras aos países periféricos: “Tudo indica que prosseguirá o avanço das empresas transnacionais, graças à crescente concentração do poder financeiro e aos acordos no âmbito da OMC sobre patentes e controle da atividade intelectual, o que contribui para aumentar o fosso entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos”.[28]

Outra linha de pensamento que destaca o papel da propriedade imaterial no desenvolvimento da sociedade capitalista é o conceito de capitalismo cognitivo. A teoria do capitalismo cognitivo tem sua origem na França e na Itália, especialmente nos trabalhos de Gilles Deleuze e Felix Guattari (Capitalismo e Esquizofrenia), de Michel Foucault (sobre o nascimento do biopoder) e nos conceitos de império e multidão, elaborados por Michael Hardt e Antonio Negri. O conceito de capitalismo cognitivo foi desenvolvida por Yann Bputang em seu livro Le capitalism cognitif de 2007. [29]

A propriedade intelectual tem sido cada vez apontada pelos governos de países desenvolvidos como importante mecanismo para consolidar suas posições de inovação no cenário internacional. O presidente Barack Obama tem destacado a importância da propriedade intelectual para o desenvolvimento do pais.[30] Allan Greespan, presidente do Federal Reserve norte americano de 1987 a 2006, destaca os desafios das próximas décadas em se encontrar a dose certa de proteção de tais ativos: “Até que ponto o sistema vigente [...] é adequado? Em tese, a questão econômica em si mais importante com que se defrontarão nossos legisladores e magistrados nos próximos vinte e cinco anos é o esclarecimento das normas de propriedade intelectual”.[31]



[1] MAZZUCATO, Mariana. O estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado, São Paulo:Portfolio Penguin, 2014, p.76

[2] FREEMAN, Chris; SOETE, Luc. A economia da inovação industrial, São Paulo:Ed. Unicamp, 2008, p.505

[3] GUELLEC, Dominique; POTTERIE, Bruno van Pottelsberghe de la. The economics of the european patent system. Great Britain:Oxford University Press, 2007, p.43

[4] SZMRECSÁNYI,Tamás . A herança schumpeteriana in. Economia da inovação tecnológica, PELAEZ, Victor; SZMRECSÁNYI,Tamás, São Paulo: Hucitec, 2006, p. 131.

[5] IDRIS, Kamil. Intellectual property, a power tool for economic growth. Geneva: WIPO, 2003, p. 26.

[6] FREEMAN, Chris; SOETE, Luc. A economia da inovação industrial, São Paulo:Ed. Unicamp, 2008, p.47

[7] FREEMAN, Chris; SOETE, Luc. Op.cit., p.21

[8] FREEMAN, Chris; SOETE, Luc. Op.cit., p.580

[9] ROSEMBERG.op. cit.49.

[10] MAZZUCATO, Mariana. O estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado, São Paulo:Portfolio Penguin, 2014, p.64

[11] WARSH, David. Knowledge and weath of nations: a story o economic Discovery, New York:W.W.Norton, 2006

[12] ROSEN, William. The most powerful idea in the world: a story of steam, industry and invention. Randon House, 2010, p. 4359/6539 (kindle edition)

[13] cf. JARBOE, Kenan; ATKINSON, Robert. Progressive Policy Institute, Briefing, June 1, 1998, The Case for Technology in the Knowledge Economy R&D, Economic Growth, and the Role of Government http://www.dlc.org/print085b.html?contentid=1502

[14] IDRIS.op. cit. p. 27.

[15] ROSEN, William. The most powerful idea in the world: a story of steam, industry and invention. Randon House, 2010, p. 4434/6539 (kindle edition)

[16] FREEMAN, Chris; SOETE, Luc. A economia da inovação industrial, São Paulo:Ed. Unicamp, 2008, p.499

[17] TIGRE, Paulo Bastos. Gestão da Inovação: a economia da inovação no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Elsevier, 2006, p. vii.

[18] https://www.uspto.gov/sites/default/files/documents/uspto-ip-us-economy-third-edition.pdf

[19] FURTADO, Celso. Economia do desenvolvimento. Curso ministrado na PUC SP em 1975, Rio de Janeiro:Contraponto, 2008, p. 241

[20] FURTADO, Celso. Op.cit., p. 86

[21] FURTADO, Celso. Op.cit., p. 157

[22] FURTADO, Celso. Op.cit., p. 40

[23] FURTADO, Celso. Op.cit., p. 170

[24] FURTADO, Celso. Op.cit., p. 112

[25] FURTADO, Celso. Análise do modelo brasileiro, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1973, p.13

[26] FURTADO, Celso. Teoria e política do desenvolvimento econômico, sâo Paulo:Abril Cultural, 1983, Série os Economistas, p.182, 185

[27] FURTADO, Celso. Análise do modelo brasileiro, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1973, p.11

[28] FURTADO, Celso. O capitalismo global. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1999, p. 37

[29] KRIKORIAN, Gaelle. Free trade agrrements and neoliberalism: how to derail the political rationales that impose strong intelllectual property protection. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.326, 347

[30] “[W]e’re going to aggressively protect our intellectual property. Our single greatest asset is the innovation and the ingenuity and creativity of the American people. It is essential to our prosperity and it will only become more so in this century.” Barack Obama, mar. 2010 Joint Strategic Plan on Intellectual Property Enforcement. http: //www.whitehouse.gov/sites/default/files/omb/assets/intellectualproperty/intellectualproperty_strategic_plan.pdf.

[31] GREENSPAN, Alan. A era da turbulência: aventuras em um novo mundo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 483. apud TRIDENTE, Alessandra. Direito Autoral: paradoxos e contribuições para a revisão da tecnologia jurídica no século XXI, Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 1.

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