Uma situação particularmente prejudicial à sociedade é aquela na qual a tecnologia patenteada é de interesse comercial, configura uma inovação importante, porém não é licenciada nem explorada pelo titular, tendo apenas o intuito de impedir terceiros da exploração, cumprindo apenas a função de uso em litígios, contra eventuais contrafatores. Pedro Barbosa contudo observa que “nem sempre o mero desuso do objeto da exclusiva tecnológica implica em abuso do direito, especialmente numa hipótese de inexistir demanda mercadológica para o objeto da patente , e/ou não tendo aparecido interessados na licença voluntária”[1] Por exemplo um titular pode alegar como razão legítima o fato de não explorar sua patente por conta de impedimentos devido a proibição de importação do objeto da tecnologia por conta de suspensão temporária imposta pela CACEX.[2]
As estatísticas mostram que o percentual de patentes que de fato possuem interesse comercial é baixo e um número ainda mais baixo são objeto de litígio nas cortes. Mesmo não havendo uma ação na justiça, a própria existência de uma patente em tal tecnologia, pode ser objeto de inibição de investimentos dos concorrentes nesta tecnologia e o fato do titular não estar explorando ou licenciando a patente privaria a sociedade dos benefícios de tal tecnologia.
Philip Leith e Robert Scherer destacam o sistema de patentes como uma loteria, em que é imprevisível saber de antemão se uma patente depositada irá se revelar de interesse comercial ou não. Trata-se de um sistema em que muitos entram porém apenas uns poucos serão de fato beneficiados. A expectativa de ser um dos beneficiados, estimula os esforços de tempo e dinheiro em pesquisa de muitos, pois a atividade de P&D é inerentemente uma atividade de investimento de risco.[3]
O artigo 68 parágrafo 1o inciso I da LPI estabelece que ensejam licença compulsória: “a não exploração do objeto da patente no território brasileiro por falta de fabricação ou fabricação incompleta do produto, ou, ainda, a falta de uso integral do processo patenteado, ressalvados os casos de inviabilidade econômica, quando será admitida a importação”, ou seja, se a tecnologia possui viabilidade econômica para produção local e titular não a explora, está sujeito à licença compulsória, por outro lado se alega inviabilidade econômica para produção local, então neste caso terceiros poderão importar o produto patenteado.
O produto importado deverá ter sido colocado no mercado externo diretamente pelo titular ou com seu consentimento, caso contrário, tal importação constituirá crime (Artigo 184 inciso II da LPI). Denis Barbosa[4] alerta: “com muito mais razão se aplicará aqui a regra de que não há crime se a importação se faz licitamente – quando o consentimento do titular era inexigível por ter expirado ou inexistir vedação de fabricação no país de onde se importa”. Portanto, a LPI dispõe de mecanismos para coibir estas práticas consideradas lesivas à sociedade.
Está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 139/99 proposto pelo então Deputado Alberto Goldman (PSDB/SP) que visa a permitir a importação paralela e possibilitar o licenciamento compulsório sempre que o objeto da patente não for explorado no território brasileiro (por falta de fabricação ou manufatura incompleta do produto, ou ainda pela falta de uso integral do processo patenteado), independentemente de viabilidade econômica[5]. Segundo o deputado o Artigo 68 da LPI permite que “se uma empresa entende ser mais interessante instalar uma planta industrial na Argentina e exportar seu produto para o Brasil, ela tem a garantia de reserva do mercado brasileiro, mesmo decorrido o prazo de três anos da concessão de patente previsto no parágrafo 5º do Artigo 68 para que seja requerida a licença compulsória. É uma verdadeira aberração”.
O PL 824/91 que deu origem a LPI o Artigo 58 definia como exploração local efetiva a fabricação completa do produto objeto da patente ou o uso integral do processo patenteado pelo titular ou seu licenciado e sua comercialização de modo a satisfazer as necessidades do mercado dentro das normas e especificações técnicas. A importação poderia ser considerada exploração efetiva quando entre outras condições a sua fabricação no País fosse comprovadamente antieconômica considerando-se o nível da demanda interna e o seu preço em comparação com o produto importado. A Mensagem Presidencial nº 192 que encaminha o PL 824/91 ao Congresso destaca as vantagens da exaustão internacional: “Dentro desse entendimento, caso haja disponibilidade no mercado internacional, o produto, ainda que patenteado no Brasil, poderá ser livremente importado, desde que tenha sido produzido pelo titular ou pessoa por ele autorizada”. O texto justifica a adoção da exaustão internacional pelo fato de na época estar sendo admitida pela maioria dos países que integravam o grupo negociador de TRIPs. No entanto, cumpre destacar que esta perspectiva não se confirmou, uma vez que o texto final de TRIPS se isenta quanto a questões relacionadas á exaustão de direitos do titular da patente. (Artigo 6º).
Na Europa Corte de Justiça em decisão de 1996 entendeu que se um produto é colocado em circulação em um território de algum país membro da Comunidade Europeia como consentimento do titular do direito , tal direito se exaure conforme a doutrina da exaustão de direitos (règle de l’ épuisement du droit) do objeto em questão, que deve então circular livremente dentro do conjutno de países que forma a União Europeia cnfore o artigo 36 do Traité sur de fonctionnement de l’Union européenne (TFUE) antigo artigo 36 do Tratado de Roma . O titular do direito não poderá restringir tal circulação livre alegando concorrência desleal quando da importação paralela deste produto. [6]
O Relator Ney Lopes em seu substitutivo PL 824-A, manteve o princípio da exaustão internacional ou importação paralela, porém restringiu sua aplicação apenas para a importação direta do titular da patente ou de seu licenciado no exterior: “Não permitimos, porém, que a pura e simples importação caracterize a exploração do objeto da patente, a contrapartida à concessão de patentes para os setores que atualmente não são protegidos está vinvulada à criação de empregos, pagamentos de impostos em nosso país. Exigimos, portanto, a produção local, como regra geral”.
Em seu substitutivo PL 824-A o relator Ney Lopes vinculou a licença compulsória ao exercício abusivo dos direitos pelo titular. Desta forma no substitutivo PL 824-A (Artigo 72) o titular que , explorando ou não, exercer os direitos patentários de forma abusiva estaria sujeito a ter sua patente licenciada compulsoriamente. O deputado Pratini Moraes (PDS/RS) apresentou emenda em abril de 1993 que previa a possibilidade de importação pelo titular como forma de exploração efetiva nos casos em que a comercialização da matéria patenteada fosse objeto de acordo internacional: “a emenda visa definir melhor os casos em que não cabe a licença compulsória. A crescente internacionalização da economia brasileira e os acordos firmados com países como os que temos em âmbito do Mercosul, recomendam que não se obrigue a licença compulsória quando o país tiver interesses comerciais a preservar”
O texto final da LPI permite a importação por terceiros apenas quando da não exploração do objeto da patente no território brasileiro pelo titular ou licenciado, por falta de fabricação ou fabricação incompleta do produto, ou, ainda, a falta de uso integral do processo patenteado, ressalvados os casos de inviabilidade econômica (Artigo 68, parágrafo 1º).
Embora TRIPs não tenha qualquer proibição literal a esta medida,
certos analistas entendem que o princípio de não discriminação (artigo 27 de
TRIPs que não faz discriminação entre produção local ou importação) impediria a
exigência de exploração local como parte
da legislação nacional dos países Membros.[7]
O artigo 27 de TRIPs somente reflete o que já havia sido estabelecido
no GATT[8] em seu artigo 4o ao regular sobre o princípio do tratamento nacional
aplicado às mercadorias: “os produtos do território de toda a parte
contratante importados no território de qualquer outra parte contratante não
deverão receber tratamento menos favorável do que o concedido aos produtos
similares de origem nacional”.
Para Nuno Carvalho:[9]“A exploração das patentes concedidas pelo Brasil deverá ser feita
obrigatoriamente no Brasil de modo suficiente, a menos que haja razões que
justifiquem a sua ausência ou insuficiência. Esta norma, imposta pelo Artigo 68
da Lei nº 9.279/96, ainda que compatível com a Convenção da União de
Paris, está em conflito com o Artigo 27.1 dos TRIPs [...] Na verdade, a obrigação
de exploração local pode fazer sentido à luz da Convenção de Paris, pois trata-se de
uma questão de política industrial nacional (visando impor a transferência de
tecnologia e o investimento direto estrangeiro). Mas não faz qualquer sentido à
luz da lógica da OMC, a qual promove o livre comércio internacional. Afinal, se
todos os Membros da OMC adotassem e impusessem a obrigação de exploração local,
não haveria comércio internacional de mercadorias patenteadas [...] É certo que
ainda hoje bastantes Membros da OMC impõem a exploração local. Até os Estados
Unidos a impõem, ainda que em condições bastante restritas e num caso muito
específico — mas afinal foi este o argumento que permitiu ao Brasil
“contra-atacar” os EUA na disputa em que os dois países se envolveram na OMC
relativa ao Artigo 68. No entanto, nem por isso o Artigo 68 deixa de estar em conflito
com os TRIPs”. Segundo Nuno Carvalho: “para
os Membros da OMC, a exploração da patente a que o parágrafo 2o da
alínea A do artigo 5o da CUP se refere poderá ser comprovada
mediante a colocação de produtos importados à disposição dos consumidores”.
Mesmo críticos como Edith Penrose[10] reconhecem que um sistema de propriedade intelectual com a obrigação de produção
local de uma patente em todos os países seria uma prática prejudicial a
formação de preços como um todo: “a internacionalização da propriedade de
tecnologia tem a vantagem de racionalizar a distribuição física dos centros
produtores. Se em determinado país a nova tecnologia pode ser melhor explorada
com a qualidade da mão de obra local, com o acesso mais fácil ao capital financeiro
e à matéria-prima, para produzir bens que são vendidos, com exclusividade em
todo o mundo, o preço e a qualidade serão os melhores possíveis”.
Friedrich Beier do
Instituto Max Plank lembra que exigir do titular a fabricação local da patente
independente do tamanho das dimensões do mercado local seria totalmente
contrário à razão econômica e ao princípio da divisão internacional do
trabalho.[11]
[1] BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Direito Civil da propriedade intelectual: o caso da usucapião de patentes. Rio de Janeiro, Lumen Juris,2012, p.168
[2] TRF2, Vice Presidência, Des. Fernando Marques, Resp em AC 1995.51.01.013015-9, DJ 28.05.2008 cf. BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Direito Civil da propriedade intelectual: o caso da usucapião de patentes. Rio de Janeiro, Lumen Juris,2012, p.171
[3] LEITH, Philip. Software and Patents in Europe.Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 100.
[4] BARBOSA, Denis. Uma Introdução à propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 468.
[5] http: //www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=15088.
[6] POLLAUD-DULIAN, Frédéric , Propriété intellectuelle. La propriété industrielle, Economica:Paris, 2011, p.57
[7] BARBOSA, Denis. Licitações, Subsídios e Patentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 120.
[8] BARBOSA.op. cit. p. 18, 1997.
[9] CARVALHO, Nuno. Questões pendentes na implementação das normas internacionais de direito de patentes relativas ao acesso a medicamentos. XXIV Seminário Nacional da Propriedade Intelectual Propriedade Intelectual: Crescimento Econômico com Responsabilidade Social. ago. 2004 Brasília – DF.
[10] BARBOSA, Denis. Uma Introdução à propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 73.
[11] LICKS, Otto; LEVY, Marcos. O requisito de fabricação completa do objeto de uma patente no território nacional. Interfarma, 2003.
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