sexta-feira, 29 de março de 2019

Método de monitoração de rede de computadores

Em SRI International, Inc. v. Cisco Systems, Inc. (Fed. Cir. 2019) Corte conclui que um método automático de monitoração de eventos suspeitos e construção de perfis estatísticos em uma rede de computadores é matéria patenteável. A Corte conclui que que o método usa monitores em uma rede para detectar tipos específicos de dados que envolvam a atividade de hackers ou atividades não desejadas na rede, o que configura um sistema de defesa de rede que monitora o tráfego de rede em tempo real automaticamente detectando ataques hackers em larga escala e desta forma, não se configura como ideia abstrata. Tal como DDR Holding o método se afasta da operação comum encontrada em redes de computadores convencionais. A Corte discordou este este método pudesse ser implementado pela mente humana: "este não é o tipo de atividade que a seção 1010 pretende excluir. A mente humana não é equipada com os meios necessários para detectar atividade maliciosas usando monitores de rede e análise de pacotes de dados".[1]

[1] https://www.patentdocs.org/2019/03/sri-international-inc-v-cisco-systems-inc-fed-cir-2019.html

quinta-feira, 28 de março de 2019

Separação da busca e exame


Na década de 1950 enquanto Paul Roubier entendia pela necessidade de adoção do critério de atividade inventiva Alain Casalonga se opunha: “esta concepção, que se inspira na evidência do direito germânico e suíço é muito perigosa pois ela introduz no direito francês um caráter de subjetividade na apreciação de patenteabilidade, característica contra a qual se elevam até o presente momento toda a jurisprudência francesa”[1]. Para Alain Casalonga, a Alemanha tem no modelo de utilidade um mecanismo de proteção para as criações pouco inventivas, ao passo que na França esta proteção não existe, ou seja, a adoção do critério de atividade inventiva deixaria tais criações, que são muito numerosas e interessantes, sem proteção na França. Paul Mathély e Lavoix escrevem: “a teoria do nível inventivo deve ser condenada porque este critério é perverso. Ele é incerto, essencialmente subjetivo e arbitrário, praticamente inaplicável e fundamentalmente contrário à tradição jurídico francesa, a qual requer critérios certos, objetivos e constantes”.[2] Pelos menos duas decisões do Tribunal do Sena de 1957 sob influência de Mathély negaram-se a aplicar o critério de falta de atividade inventiva suficiente.


Esta divergência na avaliação da atividade inventiva seria um dos fatores que levou à divisão das tarefas de busca e exame quando da criação da EPO. Um primeiro acordo na direção da uniformização do sistema de patentes europeu veio com a criação do IIB International Patent Institute (ou no original IIB Institut International des Brevets) em 6 de junho de 1947 no Acordo de Haia pela França e os países do Benelux com o objetivo de realizar as buscas por novidade das patentes (sem exame substantivo) depositadas nestes países. Posteriormente outros países aderiram ao IIB: Turquia (1955) para exame técnico de todos os pedidos, Marrocos (1956), Mônaco, Suíça (realizando o exame técnico de relojoaria e têxteis), Inglaterra (1965) e Itália (1974).[3] A sede do IIB foi estabelecida em Haia para facilitar o acesso da documentação do escritório holandês de patentes (Octrooiraad)[4] que abrangia cerca de 5 milhões de documentos de patentes alemãs, norte americanas, belgas, britânicas, francesas, holandesas, suíças e de Luxemburgo. As atividades do IIB iniciaram em 1950 e ao fim de 1956 haviam sido examinados apenas 12 mil pedidos, o que é um número relativamente pequeno[5]. Em 1956 o IIB contava com 60 examinadores engenheiros de diversas especialidades. As dificuldades de domínio dos idiomas representavam um ônus para contratação de novos examinadores. O presidente do escritório de patentes alemão (Patentamt) Eduard Reimer[6] lançara a ideia de uma patente europeia na Revista Propriété Industrielle de setembro de 1955[7]: “a pesquisa de novidade feita pelo IIB não constitui na realidade senão uma parte do exame substantivo. Aquele abrange também, em particular, a questão do progresso técnico e do nível inventivo”.[8] Este fator foi decisivo para que o exame europeu na EPO ser realizado em Munique mantendo-se Haia apenas com funções de busca. Entre 1941 e 1943 se multiplicaram as tentativas de impor uma patente europeia de inspiração germânica sob iniciativa do jurista August von Knieriem[9] que previa a criação de um escritório europeu centralizado de patentes.

O IIB com sede em Haia na Holanda, posteriormente viria a compor a EPO. Isto explica o porquê da sede da EPO em Haia ter se dedicado inicialmente apenas as atividades de busca. [10] François Panel aponta que no momento da criação da EPO, as dificuldades logísticas de deslocar os examinadores de Haia para Munique foi outro fator que contribuiu para separação geográfica entre busca e exame[11]. Esta separação levou em alguns casos a incompatibilidade de critério de exame, por exemplo, a divisão de busca poderia indicar falta de unidade de invenção exigindo taxas adicionais para efetuar a busca completa de todo o quadro reivindicatório. Se quando do exame o depositante protestasse contra falta de unidade e o examinador constatasse a procedência dessa queixa isso levava a EPO a devolver a taxa extra, anteriormente cobrada ao depositante. [12]

O IIB (de forte influência francesa) não utilizava o conceito de atividade inventiva tendendo a ser mais flexível nas concessões, ao passo que desde Joseph Kohler este conceito estava bem sedimentado na Alemanha (que para contrabalançar o critério mais rígido em patentes adotou os modelos de utilidade). Como o exame no IIB estava resistindo a adoção da atividade inventiva, como medida conciliatório decidiu-se quando da criação da EPO manter o exame em Munique deixando Haia com as buscas apenas, uma vez que haveria dificuldades em manter uma harmonização no critério de atividade inventiva com Munique diante da prática de exame consolidada entre os examinadores de Haia de não examinar este critério.

Nos anos 1990 a EPO adotou o plano BEST (Bringing Examiners and Searches Together) em que o mesmo examinador realiza a busca e o exame do pedido. Até então os examinadores lotados em Haia realizavam a busca enquanto os examinadores em Munique realizavam o exame. A medida foi tomada tendo por objetivo aumentar a qualidade do exame.[13] Desde meados dos anos 1990, a EPO passou progressivamente de um sistema em que as buscas e exames substantivos eram tratados por diferentes examinadores, localizados em Haia (NL) e Munique (DE), respectivamente, em direção ao chamado BEST-system em que o examinador de busca atua também, tanto quanto possível, como primeiro examinador na divisão examinadora responsável pelo exame substantivo de um pedido de patente. Embora no início de 2000-2005, a implementação do BEST pudesse ser considerada substancialmente concluída, o Artigo 17 da EPC1973 ainda se referia às divisões de busca como localizadas na filial da Haia e foi substituído por uma emenda provisoriamente correspondente ao atual Artigo 17 da EPC, que é silente sobre a localização da divisão de pesquisa de acordo com a aplicação do BEST no EPO. Embora a passagem para o BEST tenha representado uma mudança processual importante para o EPO, esta disposição não muda nada para o requerente, uma vez que se limita a ancorar no EPC uma prática actualmente seguida no EPO nos últimos anos.[14]




[1] CASALONGA, Alain. Supplément au Traité technique et pratique des brevets d'invention, Paris:Pichon&Durand, 1958, p.35
[2] BEIER, Karl. The inventive step in its historical development, 1986, IIC, v.17, n.3, p.315
[3] PANEL, François. La protection des inventions en droit européen des brevets. Collection du CEIPI, Paris:Litec, 1977, p.2
[4] CASALONGA, op.cit., p.83
[5] CASALONGA, op.cit., p.81
[6] https://de.wikipedia.org/wiki/Eduard_Reimer
[7] CASALONGA, op.cit, p.85 http://www.wipo.int/edocs/pubdocs/fr/intproperty/120/wipo_pub_120_1955_09.pdf
[8] CASALONGA, op.cit., p.85
[9] SCHEUCHZER, Antoine. Nouveaute et Activite Inventive en Droit Europeen Des Brevets, Librairie Droz:Genève, 1981, p.18
[10] GUELLEC, Dominique; POTTERIE, Bruno van Pottelsberghe de la. The economics of the european patent system. Great Britain:Oxford University Press, 2007, p.27; DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambridge University Press:United Kingdom, 2010, p.117; MATHÉLY, Paul. Le droit européen des brevets d'invention, Journal des notaires et des avocats:Paris, 1978 p.7
[11] PANEL, François. La protection des inventions en droit européen des brevets. Collection du CEIPI, Paris:Litec, 1977, p.147
[12] PANEL, op.cit., p.152
[13] DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambridge University Press:United Kingdom, 2010, p.124; GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.125
[14] http://www.chinaipmagazine.com/en/journal-show.asp?id=440

terça-feira, 26 de março de 2019

Patente de método de construção de coroa dentária


Em T2699/17 trata de um método de retrair um sulco gengival compreendendo a injeção de silicone e a aplicação de uma tampa no dente para permitir que o silicone se expandisse na fenda entre a ranhura e o dente. O objetivo do método é então obter uma boa impressão do dente, utilizável na fabricação de uma coroa. A Divisão de Exame rejeitou o pedido como um método de tratamento cirúrgico que requer perícia médica. A retração do sulco pode causar sangramento e, portanto, infecções, representando um risco para a saúde. A Câmara de Recursos observa os critérios definidos em G1/07 que defende uma interpretação restritiva da noção de método cirúrgico. Tal método é um método no qual a manutenção da vida e saúde do sujeito é importante, o que inclui ou abrange uma etapa invasiva que representa uma intervenção física importante no corpo, cuja implementação requer habilidades médicas profissionais, e o que representa um risco significativo para a saúde, mesmo se a diligência e a perícia forem necessárias. Os documentos fornecidos pelo requerente mostram que o risco para a saúde associado a este tipo de técnica é menor. O risco de sangramento superficial e infecção também existe nas técnicas de piercing ou microabrasão, mas o sangramento geralmente é facilmente controlado e a infecção superficial é normalmente superada pelo sistema imunológico. Não há, portanto, risco significativo na acepção do G1/07. A intervenção física não é maior porque o tecido conjuntivo periodontal permanece intacto e as possíveis lesões são limitadas ao epitélio superficial. O método, portanto, não é um método excluído pelo Artigo 53 (c) da EPC.[1]



[1] https://europeanpatentcaselaw.blogspot.com/2019/03/t269917-pas-une-methode-chirurgicale.html

segunda-feira, 25 de março de 2019

Patente de Método financeiro de derivativos


Em Ex parte Smith (PTAB 2019) foi analisado método de comercialização de derivativos em um sistema de câmbio híbrido que compreende coletar solicitações através de uma rede de comunicação, identificar uma primeira cotação de um primeiro participante, manter um registro eletrônico de ofertas em um banco de dados e inicializar um temporizador, receber uma segunda cotação de um segundo participante em que a segunda cotação casa com o respectivo preço do valor informado na base de dados eletrônica e alocar os recursos entre o primeiro e segundos participantes em que a transação não é executada até que a expiração do temporizador. O PTAB tomando em consideração o 2019 Revised Patent Subject Matter Eligibility Guidance conclui que o método é direcionado a uma ideia abstrata ao envolver etapas de coleta, identificação e alocação de recursos, sendo  conceito de comércio de derivativos considerada uma prática econômica fundamental.[1]



[1] https://www.patentdocs.org/2019/03/ex-parte-smith-ptab-2019.html

terça-feira, 19 de março de 2019

Ricardo, Adam Smith e as patentes


Os economistas clássicos eram favoráveis às patentes

As décadas de 1850 e 1860 haviam experimentado um reforçamento das teses liberais acompanhadas por um crescimento das economias capitalistas, o que engendrou uma forte crítica ao sistema de patentes como uma intervenção indevida do governo na economia, ainda que expoentes do sistema liberal como Adam Smith (1723-1790), Jeremy Bentham(1748-1832)[1], Jean Baptiste Say (1767-1832) e John Stuart Mill (1806-1873) mostrarem-se abertamente favoráveis ao sistema de patentes. John Lewis Ricardo, sobrinho de David Ricardo era um opositor do sistema de patentes e defendeu sua abolição junto à Câmara dos Comuns[2]. Adam Smith escreve em sua obra Riqueza das Nações: “a propriedade que cada homem possui como fruto de seu trabalho, é o fundamento de todas as outras propriedades, desta forma é a mais sagrada e inviolável propriedade”,[3] refletindo as teses de John Locke. Para Adam Smith as patentes para novas máquinas e o copyright para livros “são a forma mais simples e natural do estado recompensar o autor dos riscos de tão perigoso empreendimento, do qual o público poderá mais tarde colher os benefícios”.[4] Para Adam Smith: “monopólio era necessariamente danoso para sociedade [....] porém um monopólio temporário concedido ao inventor era uma boa maneira de recompensar os seus riscos e investimentos”.[5] Por outro lado, Adam Smith destaca a ação inconveniente do Estado despreparado em avaliar tais solicitações de patentes e ao risco de avaliação injusta de uma burocracia estatal[6]. Jeremy Bentham observa que as patentes “não tem nada em comum como os monopólios tão justamente descreditados”.[7] Para Jeremy Bentham “Com respeito a um grande número de invenções nas artes, um privilégio exclusivo é absolutamente necessário para que o que seja semeado possa ser colhido [...] Aquele que não tem esperança de que ceifará não se importará em semear”.[8] O argumento de Stuart Mill foi semelhante. Para Jeremy Bentham: “Uma patente une toda propriedade que pode ser desejada em uma recompensa. É variável, justa, comensurável, característica, exemplar, frugal, promotora de perseverança, compensação do empenho, popular, e revogável."[9]  Quanto a David Ricardo ele não se ocupou deste tema. John King na biografia de David Ricardo conclui: “Mas a visão de Ricardo da realidade contemporânea era bastante estreita. Ele teve um interesse notavelmente pequeno no setor industrial da economia britânica - menos, de fato, do que Adam Smith fizera quarenta anos antes dele. Os exemplos de Ricardo sobre o uso da ciência e da tecnologia para aumentar a produtividade eram poucos em número e confinados à agricultura. Seus capitalistas industriais eram ferozmente competitivos, transferindo seus recursos muito rapidamente de uma indústria para outra para eliminar as diferenças na taxa de lucro. A visão schumpeteriana de um mundo de monopólios temporários criados por constantes inovações, protegidos por patentes, desfrutando de enormes economias de escala e gerando lucros enormes por um curto período antes de serem destruídos pelas inovações dos rivais - tudo isso estava totalmente ausente da visão de mundo de Ricardo.”  [10]
Na defesa do sistema de patente John Stuart Mill em 1860 argumentou que a abolição do sistema de patentes “iria estabelecer a liberdade de roubo sob o título prostituído de livre comércio”.[11] Para Stuart Mill: “a condenação dos monopólios não deve se estender ás patentes que permitem ao inventor de um processo aperfeiçoado gozar, durante um período limitado de tempo, o privilégio exclusivo de usar seu próprio aperfeiçoamento. Isto não é encarecer a mercadoria para que ele se beneficie, mas tão somente reduzir uma parte do benefício que o público deve ao inventor para recompensar-lhe pelo serviço que presta à comunidade. Ninguém negará que se deve recompensar o inventor [...] porém, em geral, é preferível conceder um privilégio exclusivo de duração limitada [...] já que a recompensa que obtém depende de que a invenção seja útil, e quanto maior seja a utilidade, maior a recompensa [...] Tenho, visto com verdadeira preocupação, diversos inventos recentes, por parte de pessoas capacitadas, para impugnar o princípio da patente em seu conjunto; intentos que, se tivessem êxito, entronizariam o livre despojamento sob o nome prostituído de liberdade de comércio, e colocariam os homens de compreensão, mais ainda que na atualidade, sob a dependência dos homens de dinheiro”.[12] Para Antonio Figueira Barbosa: “Sem dúvida, Mill sabia do que estava falando. Caso o sistema capitalista não reconhecesse a propriedade da tecnologia, a organização da produção seria feita de forma diversa e, por consequência, não seria capitalista”.[13]

Os economistas ingleses clássicos não tinham uma noção clara das inovações na Revolução Industrial

Alguns autores questionam o conceito de Revolução Industrial alegando que o impacto das inovações na economia foi muito mais gradual do que comumente se supõe. Celso Furtado destaca que economistas contemporâneos à Revolução industrial não aponta o grande surto de inovações como algo que se integre ao corpo da ciência econômica[14]: “quando Ricardo formulou a teoria dos custos comparativos, que explica aumentos de produtividade gerados pelo intercâmbio internacional não necessitou apelar para o fator dos avanços na técnica”.[15] Fernand Braudel também aponta que Adam Smith aparece como um fraco observador da Revolução Industrial ao passo que David Ricardo mal introduz a máquina em sua teoria, e Jean Baptiste Say em 1828 irá afirmar enfaticamente, revelando um descrédito na evolução da tecnologia e sua importância para economia: “nunca uma máquina fará, como os piores cavalos, o serviço de levar as pessoas e as mercadorias pelo meio da multidão e dos obstáculos de uma grande cidade”.[16] Joel Mokyr observa que na época que Adam Smith escreve já havia motivos para um maior destaque em relação ao papel das inovações tecnológicas.[17] Apesar disso Adam Smith é um entusiasta da ideia de progresso termo que utiliza diversas vezes em seu livro A riqueza das nações[18]. Karl Marx observa que na obra de Adam Smith a maquinaria exerce uma função secundária, colocando um acento muito maior na divisão do trabalho, provocando em sua época polêmica com Lauderdale e Andrew Ure.[19] Ricardo por sua vez perde de vista o valor que a maquinaria confere ao produto tratando-a no mesmo plano das forças naturais: “Adam Smith jamais subestima os serviços que nos prestam as forças naturais e a maquinaria, porém diferencia muito corretamente a natureza do valor que elas adicionam às mercadorias [...] como realizam seu trabalho gratuitamente [...] a assistência que elas nos prestam não acrescenta nada ao valor de troca”.[20] O conceito de Adam Smith do capitalista que reiveste lucros na produção se fundamenta na confiança dos credores que terão seu investimento retornado, ou seja, há uma ligação direta entre crescimento econômico e progresso. O dinheiro total existente, portanto, não encontra lastro em moedas e notas reais físicas, mas na expectativa de retorno futuro. Segundo Yuval Harari, a inovação exerce esse papel de reforçar a confiança no crédito, base do sistema financeiro: “Nos últimos 500 anos, a ideia de progresso convenceu as pessoas a confiarem cada vez mais no futuro. Essa confiança gerou créditos; o crédito trouxe crescimento econômico real; e o crescimento fortaleceu a confiança no futuro e abriu caminho para ainda mais crédito”. [21]

A ineficiência do escritório de patentes

Estudos das Universidades de Bristol e Birmingham[22] revelam que, durante o período em que nenhum exame era feito na Inglaterra, pelo menos metade das patentes emitidas eram inteiramente fraudulentas. A iniquidade do sistema especialmente para o inventor pobre foi objeto de um texto veemente de Charles Dickens, “A poor man’s tale of a patent” [23] escrito em 1850 em que retratou as dificuldades da época na Inglaterra para obtenção de uma patente.[24] No texto Dickens trata das desventuras de um infeliz inventor que aplica todas as suas economias para obter uma patente para seu invento e se envolve em um verdadeiro labirinto burocrático: “prefiro não falar do cansaço da vida que senti enquanto patenteava a minha invenção. Mas pergunto isso: é razoável fazer um homem sentir que, ao inventar um aperfeiçoamento criativo com o objetivo de ser útil, ele fez algo de errado?”. No conto o inventor leva seis semanas para ter sua patente[25]. Na época, a expedição de uma carta-patente era um processo excessivamente burocratizado, custoso[26] que exigia a assinatura do Home Secretary, do Lord Chancheller, do escritório de patentes além dos selos do Signet Office, Privy Seal[27] e finalmente o Great Seal, processo moroso e dispendioso, além do que a patente não tinha vigência na Escócia e Irlanda. O sistema era visto como sujeito a incertezas de interpretação e litígios[28]. A burocracia e custos envolvidos na concessão de uma patente levaram a muitos inventores a depositarem pedidos de proteção de suas invenções como desenhos industriais sobre a legislação de 1839 a 1843. [29] Um relatório de 1829 do Select Committee of Patents  não tratava o Estatuto dos Monopólios como fundamento da lei de patentes, algo que somente passou a ser assumido de forma retrospectiva a partir de 1870 quando os debates sobre o sistema de patentes já haviam se encerrado no Parlamento. As leis de proteção do desenho industrial pelo Design Registration Act de 1839 tinham maior importância abrangendo a proteção de invenções diante das dificuldades burocráticas para concessão de uma patente. Nos anos 1860 o Parlamento chegou a discutir a abolição do sistema, medida afastada com a reforma administrativa no sistema de patentes: “uma das mais importantes consequências desta nova confiança  no sistema de patentes foi que as pessoas não sentiam mais a necessidade de questionar, ao menos da maneira como haviam feito antes, das patentes concedidas pelo escritório de patentes. O fato que as pessoas agora podiam confiar nos títulos conferidos exerciam uma importante papel na mudança de como o sistema de patentes passou a ser visto".[30] A lei britânica, alvo de criticas especialmente após a exposição de inventos de Londres de 1851, viria a ser reformada em 1852, simplificando alguns dos procedimentos administrativos.[31] Thomas Webster em relatório de 1871 destaca a passagem de um sistema em que antes as patentes eram concedidas pela Coroa para um sistema mais efetivo de registro pelo Patent Act de 1852. A realização de exames por um corpo técnico seria estabelecida em 1883 mas ainda sem aferir novidade e atividade inventiva o que viria a ocorrer apenas com a lei de 1902.Brad Sherman argumenta que pelo Utility (or non ornamental) Designs Act de 1843 não estava clara a distinção do que poderia ser protegido por esta legislação e a de patentes de modo que formas de estribos, saca rolhas, lâmpadas e outros artigos domésticos eram protegidos pela legislação de desenho industrial muito embora melhor se ajustassem como patentes diante de sua funcionalidade[32].

No Brasil o liberal Visconde de Cairu defendia um sistema de patentes

Para Visconde de Cairu a industrialização deveria ser gradual de acordo com o princípio da “franqueza da indústria”[33] e lista entre os fatores que promovem a indústria de um país a disponibilidade de capitais, mão de obra, livre concorrência, disponibilidade de matérias primas, existência de um mercado, uma demanda pelos produtos. O sistema de patentes atua com um elemento deste processo mas incapaz de por si só alavancar a indústria no país: “os privilégios, prêmios e favores aos inventores nas artes e ciências é o requisito que completa os meios de fazer avançar a geral indústria para o auge de que é suscetível, havendo a discrição conveniente e nas devidas proporções, em conformidade aos objetos e méritos dos indivíduos. Mas este último expediente só tem ótimos resultados, onde ocorrem os outros requisitos que explanei. Aliás por si só, ou injudiciosamente empregados, pouco valem, e até produzem o efeito contrário ao destino [..]Em geral (bem o demonstra Smith) todo o privilégio exclusivo dá um monopólio, e todo monopólio particular (que não provém dos dons da natureza, e direitos da propriedade) é público malefício, e vem a ser, em fim de conta, contra o próprio estado que o concedeu.”.[34] Baseado nas teses de Jean Baptiste Say, Visconde de Cairu defende a proteção das invenções novas por patentes: “quem poderia racionalmente queixar-se de semelhante privilégio ? Ele não destrói, nem grava rama algum da indústria precedentemente conhecida. As despesas na compra do novo porto não são pagas senão por quem as quer; e quanto aos que não querem fazê-las, as suas carências, de necessidades ou de agrado, não são menos completamente satisfeitas do que antes”.[35] Na perspectiva de Visconde de Cairu, não convém dar privilégios exclusivos aos que não são inventores e introdutores de novas máquinas, mas dar-se auxílios especiais e favores aos primeiros introdutores das grandes máquinas. Segundo Mônica Martins, na defesa dessa doutrina, Cairu demonstrava sua preocupação com o desenvolvimento da indústria no Brasil.
O Alvará de 1809 em seu artigo 6o refere-se a proteção concedida aos “inventores e introdutores de alguma nova máquina”. Na interpretação de Visconde de Cairu um mínimo de inventividade é necessário para a concessão: “é sem questão que não se deve dar privilégio exclusivo ao inventor de insignificante novidade e simples alteração de forma nas obras das artes ordinárias, que não manifesta engenhosa combinação ou lavor difícil [...] Seria absurdo e indecente concedê-los por objetos notoriamente públicos, e já sem privilégio no país dos inventores[36]. Algumas das concessões sob o alvará de 1809 foram negadas por falta de novidade. Antonio Gustavo Byurberg teve negado pedido de invenção para moinho a vapor para moagem de trigo. O parecer da Real Junta de 1822 justifica o indeferimento “visto não ser de invenção nova e aplicação da potência comum do vapor ao moinho de trigo, achando-se introduzida semelhante inovação aos moinhos de cana sem o requerido privilégio”.[37] Ainda sob o Alvará de 1809 são concedidas patentes para João Miers para máquina para purificar e clarear açúcar em 1829, moenda de engenho de moer cana e roda motora aplicável a qualquer engenho para Fernando Joaquim de Mattos em 1830. Na Revista O Analista de 11 de novembro de 1828 o inventor descreve o sucesso de seu invento a intenção de usar parte dos ganhos para subscrever quotas de capitalização da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional que caso lucrasse com aquelas apólices repassaria parte dos lucros ao inventor.[38] Fernando Joaquim de Mattos escreveu “Memória para instrução do plano de sociedade” em 1828 relativo aos inventos de melhoramentos da indústria e da lavoura.[39]
Ao não discriminar entre inventores e introdutores de máquinas protegidas em outros países, com a clara intenção de proteger os industriais ingleses que trouxessem maquinário para o Brasil, o dispositivo antecipava o tratamento nacional da Convenção da Paris, cerca de oitenta anos após. Visconde Cairu, contudo, alinhado com as teses liberais de Adam Smith e Jean Baptiste Say manifestava-se contra o exame prévio por entender ser uma ação inconveniente do Estado despreparado em avaliar tais solicitações de patentes e ao risco de avaliação injusta de uma burocracia estatal[40]. Segundo Jean Baptiste Say: “Não é de modo algum necessário que a autoridade pública discuta a utilidade de processo, ou a sua novidade. Se não é útil, tanto pior é para o inventor. Se não é novo, todo mundo é admitido a provar que ele era conhecido, e que cada um tinha direito de se servir dele; e isso também é péssimo para o que se disse inventor; pois que lhe é tirado o privilégio, e fica prejudicado por pagar inutilmente as despesas da chamada patente de invenção”.[41] Visconde de Cairu faz referência ao preconceito dos sábios para auxílio no julgamento das patentes na medida em que estes, sábios em teoria, tendem a ter preconceito contra os inventores dotados de um conhecimento muito mais prático e cita o exemplo de Adam Smith que um dos maiores melhoramentos em bombas a vapor foi obtido por um rapaz servente. Segundo Visconde de Cairu: “se a invenção é quimérica, ou sem efeito útil, o inventor nada lucra, e não se agrava a pessoa alguma com o exclusivo: se é alheia, seu dono a reclamará, ou o público: se está já manifesta por generosidade do inventor, ou por ter expirado o prazo de seu privilégio, qualquer um tem a faculdade de requerer a revogação contra quem se disse o inventor ou o introdutor de invenção nova”. [42] Para Leandro Malavota o fato de Visconde de Cairu não defender o exame é uma indicação que ao contrário do que Clóvis da Costa Rodrigues afirma, não teria sido ele o autor do Alvará de 1809.




[1] SHERMAN, Brad; BENTLY, Lione. The making of modern intellectual property law, Cambridge Inv. Press, 1999, p.149
[2] MACHLUP, Fritz; PENROSE, Edith; The Patent Controversy in the Nineteenth Century, The Journal of Economic History, Vol. 10, No. 1 (May, 1950), p. 18
[3] ROSEN, William. The most powerful idea in the world: a story of steam, industry and invention. Randon House, 2010, p. 1259/6539 (kindle edition)
[4] MacLEOD, Christine. Inventing the Industrial Revolution: the english patente system 1660-1800, London:Cambridge University Press, 1992, p.197
[5] MACHLUP, Fritz. An economic review of the patent system. Study of the Subcommittee o patents, trademarks, and copyrights of the Committee on de Judiciary United States Senate, Washington 1958
[6] MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 60; LISBOA, José da Silva. Observações sobre a franqueza da indústria e estabecimento de fábricas no Brasil, Brasília:Senado Federal, 1999, p.114
[7] MACHLUP, Fritz; PENROSE, Edith; The Patent Controversy in the Nineteenth Century, The Journal of Economic History, Vol. 10, No. 1 (May, 1950), p. 1-29
[8] PLANT, Arnold. The Economic Theory Concerning Patents for Inventions, New Series, Vol. 1, No. 1 (Feb., 1934), p. 30-51
[9] PLANT, Arnold. The Economic Theory Concerning Patents for Inventions, New Series, Vol. 1, No. 1 (Feb., 1934), p. 30-51
[10] KING. John. Biografia de David Ricardo. London:MacMillan, 2013, p.211
[11] MILL, John Stuart. Principles of political economy, Londres, 1862, cf. JOHNS.op.cit.p.275; MacLEOD, Christine. Heroes of invention. technology, liberalism and british identity 1750-1914, Cambridge University Press, 2007, p.265
[12] JOHNS, Adrian. Piracy: the intellectual property wars from Gutenberg to Gates. The University Chicago Press, 2009, p.275
[13] BARBOSA, Antonio Figueira. Propriedade e quase-propriedade no comércio de tecnologia, v.2, Brasília:CNPq, 1981, p. 36
[14] FURTADO, Celso. Teoria e política do desenvolvimento econômico, São Paulo:Abril Cultura, 1983, p.20
[15] FURTADO, Celso. O capitalismo global, Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1999, p.59
[16] BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII o tempo do mundo, São Paulo;Martins Fontes, 2009, p.500
[17] MOKYR, Joel. The lever of riches, New York:Oxford University Press, 1990, p. 243
[18] NISBET, Robert. História da ideia do progresso. Brasília:UNB, 1980, p. 198
[19] MARX, Karl. O capital, livro I: o processo de produção do capital,São Paulo:Boitempo, 2013, p.422
[20] MARX, Karl. O capital, livro I: o processo de produção do capital,São Paulo:Boitempo, 2013, p.461
[21] HARARI, Yuval. Sapiens: Uma breve história da humanidade, Porto Alegre, L&PM, 201, p.321
[22] MacLEOD, Christine; TANN, Jennifer; ANDREW, James; STEIN, Jeremy. The Price of Invention: counting the cost of patents in Victorian Britain, a case study from steam engineering. XIII International Economic History Congress of the International Economic History Association, Argentina, 1999.
[23] DICKENS, Charles. A poor man’s tale of a patent http: //www.denisBarbosa.addr.com/poor.htm BARBOSA, Denis. Usucapião de patentes e outros estudos de propriedade industrial . Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 362; VOJÁCEK, Jan. A survey of the principal national patent systems. New York:Prentice Hall, 1936, p.99; MacLEOD, Christine. Heroes of invention. technology, liberalism and british identity 1750-1914, Cambridge University Press, 2007, p.184; CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 318
[24] JAFFE, Adam; LERNER, Josh. Innovation and its discontents: how our broken patent system is endangering innovation and progress, and what to do about it. Princeton University Press, 2007, p. 1548/5128 (kindle version); BELTRAN, Alain; CHAUVEAU, Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 47
[25] http://ipkitten.blogspot.com.br/2011/12/past-historic-8-charles-dickens-and.html
[26] MacLEOD, Christine. Inventing the industrial revolution: the english patent system, 1660-1800, Cambridge:Cambridge University Press, 1988 p.76
[27] MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 16
[28] SHERMAN, Brad; BENTLY, Lione. The making of modern intellectual property law, Cambridge Inv. Press, 1999, p.82
[29] SHERMAN, Brad; BENTLY, Lione. The making of modern intellectual property law, Cambridge Inv. Press, 1999, p.61
[30] SHERMAN, Brad; BENTLY, Lione. The making of modern intellectual property law, Cambridge Inv. Press, 1999, p.133
[31] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 319.
[32] SHERMAN, Brad; BENTLY, Lione. The making of modern intellectual property law, Cambridge Inv. Press, 1999, p.88
[33] HOLANDA, Sérgio Buarque. O Brasil monárquico: declínio e queda do império, t.II, v.4, São Paulo:Difusão, 1971, p.31
[34] LISBOA, José da Silva. Observações sobre a franqueza da indústria e estabecimento de fábricas no Brasil, Brasília:Senado Federal, 1999, p.67
[35] MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 57; LISBOA, José da Silva. Observações sobre a franqueza da indústria e estabecimento de fábricas no Brasil, Brasília:Senado Federal, 1999, p.71
[36] CARVALHO, Nuno Pires. 200 anos do sistema brasileiro de patentes, Rio de Janeiro:Lumen, 2009, p. 24; CARVALHO, Nuno. As origens do sistema brasileiro de patentes – o Alvará de 28 de abril de 1809 na confluência de políticas públicas divergentes. Revista da ABPI, n.91, nov.dez. 2007, p. 12; LISBOA, José da Silva. Observações sobre a franqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil, Brasília:Senado Federal, 1999, p.113; http://www.brasiliana.usp.br/bbd/bitstream/handle/1918/02948700/029487_COMPLETO.pdf
[37] CARVALHO, Nuno Pires. 200 anos do sistema brasileiro de patentes, Rio de Janeiro:Lumen, 2009, p. 94
[38] CARVALHO, Nuno Pires. 200 anos do sistema brasileiro de patentes, Rio de Janeiro:Lumen, 2009, p. 102
[39] BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Dicionário Bivliographico Brazileiro, Segundo Volume, Rio de Janeiro:Imprensa Nacional, 1893, https://pt.scribd.com/document/317475171/000011472-02-pdf
[40] MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 60; LISBOA, José da Silva. Observações sobre a franqueza da indústria e estabecimento de fábricas no Brasil, Brasília:Senado Federal, 1999, p.114
[41] MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 59
[42] LISBOA, José da Silva. Observações sobre a franqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil, Brasília:Senado Federal, 1999, p.114