quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Clonagem e a moral


Segundo as Diretrizes de Exame de Biotecnologia do INPI de 2015 no item 4.3.1 admite-se a possibilidade de se recusar patentes em invenções de biotecnologia com base em questões morais e de ordem pública, como por exemplo processos de clonagem do ser humano, processos de modificação do genoma humano que ocasionem a modificação da identidade genérica de células germinativas humanas e processos envolvendo animais que ocasionem sofrimento aos mesmos sem que nenhum benefício médico substancial para o ser humano ou animal resulte de tais processos. Segundo a Diretriz: “Em reivindicações de processo para clonagem de células de mamífero, entende-se que o termo “mamífero” inclui "seres humanos”. Assim, tal reivindicação poderia ser prejudicial à moral, ordem e a saúde pública, e, portanto, violaria o art. 18 (I) da LPI. Nesse caso, a exclusão dos mamíferos humanos do escopo de proteção seria uma limitação negativa (disclaimer) aceitável, mesmo se os seres humanos não estiverem excluídos no relatório descritivo original”.

A Lei de Biossegurança - a Lei n.º 11.105, de 24 de março de 2005 - tornou-se um marco na pesquisa médica brasileira, pois autoriza, para fins de pesquisa e de terapia, a utilização de células-tronco embrionárias, obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro. Antes da edição da Lei de Biossegurança, só eram permitidas a pesquisa e a utilização de células-tronco maduras, que são aquelas provenientes do cordão umbilical e da medula óssea e que possuem menor capacidade de formar tecidos humanos do que aquelas embrionárias. No entanto, de acordo com a nova Lei, a utilização de células-tronco embrionárias será permitida somente com o consentimento dos genitores e se restringindo a embriões inviáveis ou congelados há pelo menos três anos[1]. A Lei de biosegurança n°11105 de 24.03.2005[2] em seu artigo 6 inciso VII estabelece que fica proibido o patenteamento de tecnologias genéticas. O PI0412484 referente a variedade transgênica com alteração genética que induza à infertilidade da planta foi indeferida com base no artigo 18 inciso I da LPI e no artigo 6° inciso VII da Lei de Biossegurança.[3]

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1997 em seu artigo 11 estabelece que “não serão permitidas práicas contrárias á dignidade humana, tais como clonagem reprodutiva de seres humanos”.[4] Leo Pessini observa que “as manipulações genéticas em células germitinativas tem sido proibidas por todos os comitês de ética, em todos os países do mundo”.[5]

As células-tronco embrionárias humanas são mencionadas no art. 5° da Lei de Biossegurança n° 11.105/2005, que dispõe no § 3° é vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei n° 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. A Lei de Biossegurança considera no artigo 6° crime a clonagem humana, de modo que fica proibida a manipulação genética em óvulos, espermatozoides e embriões humanos bem com técnicas de clonagem para produzir embriões humanos, seja para obter células tronco (clonagem terapêutica) seja para produzir um ser humano (clonagem reprodutiva). [6]Segundo Diretriz de Exame  de Biotecnologia apresentada em Consulta Pública em janeiro de 2019: “Em resposta à consulta efetuada pela CGPAT II sobre a aplicação da Lei de Biossegurança aos pedidos de patentes com processos ou composições envolvendo células-tronco embrionárias humanas, a Procuradoria Federal Especializada junto ao INPI manifestou-se, por meio do Parecer nº 00037/2018/PROCGAB/PFEINPI/PGF/AGU, apontando que não identifica óbice legal ao patenteamento de produtos, processos de obtenção e aplicação de células-tronco embrionárias humanas. A Procuradoria esclareceu que as condições dispostas no art. 5º para fins de pesquisa e terapia não existem em igual medida para o patenteamento; e que a vedação de comercialização contida no art. 5º, § 3º, da Lei de Biossegurança não se estende ao patenteamento, pois comercialização e patenteamento são atividades distintas”.

A Congregação para a Doutrina da Fé da Igreja católica publicou em 1987 a Donnun Vitae que trata da instrução sobre o respeito à vida humana nascente e a dignidade da procriação bem como a Carta dos direitos da família, publicada pela Santa Sé, reafirmam: “A vida humana deve ser respeitada e protegida de modo absoluto, desde o momento da concepção”. Segundo o documento Donnun Vitae: “Uma intervenção estritamente terapêutica que se proponha como objetivo a cura de diversas doenças, como as que se devem a defeitos cromossômicos, como regra geral deve ser considerada desejável, suposto que tenda a realizar a verdadeira promoção do bem-estar pessoal do indivíduo, sem prejudicar a sua integridade ou deteriorar as suas condições de vida. Uma tal intervenção, de fato, insere-se na lógica da tradição moral cristã. A pesquisa médica deve abster-se de intervenções em embriões vivos, a menos que haja a certeza moral de não causar dano nem à vida nem à integridade do nascituro e da mãe e contanto que os pais tenham consentido na intervenção, de modo livre e informado. Disso segue-se que qualquer pesquisa, ainda que limitada à mera observação do embrião, tornar-se-ia ilícita sempre que, por causa dos métodos empregados ou pelos efeitos produzidos, implicasse um risco para a integridade física ou para a vida do embrião [...] Se estão vivos, viáveis ou não, eles devem ser respeitados como todas as pessoas humanas; a experimentação não diretamente terapêutica com embriões é ilícita. Nenhuma finalidade, ainda que nobre em si mesma, como a previsão de utilidade para a ciência, para outros seres humanos ou para a sociedade, pode, de modo algum, justificar a experimentação em embriões ou fetos humanos vivos, viáveis ou não, no seio materno ou fora dele”.[7]

Em 2009, o INPI divulgou em seu site, no número 19 da publicação "Alerta Tecnológico"[8] um relatório com os pedidos de patente sobre células-tronco publicados no mundo. Dentre os pedidos 381 possuem como país de prioridade os Estados Unidos. Em segundo lugar, aparece o Japão, com 70 pedidos. O relatório aponta apenas 2 pedidos com prioridade brasileira. Por ser tecnologia recente, a maioria dos pedidos de patente relacionados a células-tronco depositados e publicados no País ainda não teve seu exame de mérito concluído.


[1] JORNAL VALOR ECONÔMICO DATA: 27/06/2005 ON LINE As células-tronco e as patentes no Brasil Por Alice Rayol e Igor Simões
[2] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm
[3] MAGALHÃES, Ari. Manual prático de patentes, São Paulo:Schoba, 2016, p.39
[4] PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian. Problemas atuais de bioética, São Paulo:Centro Universitário São Camilo, Edições Loyola, 2008, p.387
[5] PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian. Problemas atuais de bioética, São Paulo:Centro Universitário São Camilo, Edições Loyola, 2008, p.381
[6] PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian. Problemas atuais de bioética, São Paulo:Centro Universitário São Camilo, Edições Loyola, 2008, p.404
[7] http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19870222_respect-for-human-life_po.html
[8] http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/informacao/alerta-tecnologico-1.html

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