Antes da adoção da CUP, acordos
bilaterais entre alguns países já garantiam o tratamento igual aos nacionais de
seus parceiros. [1] Pelo
princípio de tratamento nacional da CUP, os países não são obrigados
a ter uma legislação de patentes, mas apenas a conceder ao nacional e ao
estrangeiro a mesma proteção. Conforme explica Bodenhausen a proteção de um
nacional em seu próprio país depende da
legislação interna desse país e não da CUP que é um instrumento destinado a
regular as situações internacionais [2]. Se
não quiserem conceder patentes, não poderão concedê-las nem ao estrangeiro, nem
ao nacional. Esse mecanismo permitiu que a Suíça, mesmo não concedendo patentes
aderisse a CUP [3].
Como a CUP abrangeu não somente patentes, mas marcas, isto permitiu que Holanda
e Suíça, mesmo sem Lei de patentes à época, aderissem ao acordo de 1884 [4].
Esta flexibilidade da CUP, foi
responsável pela grande adesão que recebeu, segundo Cícero Gontijo. A CUP não buscava a
uniformização das leis nacionais tampouco condicionava o tratamento nacional à
reciprocidade [5]. Portanto, pelo princípio de
tratamento nacional da CUP um estrangeiro, de um país que conceda patentes para
métodos cirúrgicos, ao realizar o depósito no Brasil terá sua patente
indeferida. O tratamento nacional da CUP prevê que o brasileiro que deposite
patente para esta mesma matéria no Brasil também terá seu pedido indeferido no
Brasil. Mas, do ponto de vista deste estrangeiro, não está havendo
reciprocidade porque o brasileiro que deposite uma patente de métodos cirúrgicos
neste país estrangeiro terá sua patente aceita. Na fundação da CUP o princípio
da reciprocidade proposto pelos Estados Unidos foi rejeitado para garantir a
adesão de Suíça e Holanda que não possuíam legislação de patentes em vigor na
época.[6]
A LPI em seu Artigo 3º inciso II prevê
sua aplicação aos nacionais ou pessoas domiciliadas em país que assegure aos
brasileiros ou pessoas domiciliadas no Brasil a reciprocidade de direitos
iguais ou equivalentes. Portanto considere um benefício que a LPI conceda ao
titular, por exemplo período de graça, mas que não esteja previsto na lei
estrangeira. A CUP garante tratamento para este estrangeiro igual aos
nacionais, portanto ambos terão direito a este benefício, no exemplo período de
graça, no Brasil, ainda que sem a reciprocidade dos mesmos direitos dos
nacionais brasileiros no estrangeiro.
Segundo Fábio Konder Comparato em
palestra proferida em 1982: “o princípio
do tratamento nacional [na Convenção de Paris] corresponde à aplicação da ideia
de igualdade dos agentes econômicos, nos mercados nacionais. Mas se, de fato a
proclamação de que todos são iguais perante a lei tnha sentido revolucionário,
no século XVIII,, como forma de abolição de monopólios e regalias pessoais, a
sua manutenção em países de economia totalmente desequilibrada, em que
acumulação de poder tecnológico é sempre feita nas empresas de controle
estrangeiro, corresponde à consolidação jurídica dessa desigualdade de fato”.
[7]
Como os Estados Unidos é
considerado como um dos países com legislação mais favorável aos titulares das
patentes, diversas críticas ao critério de tratamento nacional da CUP tem sido
levantados pelos norte americanos em fóruns internacionais em favor do critério
de reciprocidade pelo qual o titular viesse a desfrutar nos demais países da
União, e reciprocamente, do mesmo tratamento que lhe conferisse a lei de
patentes de seu país [8].
Nuno Carvalho
destaca que na discussão da CUP em 1883 a Câmara de Comércio da França
questionou o princípio de tratamento nacional em detrimento do requisito de
reciprocidade, que colocaria os seus inventores em desvantagem com os
inventores suíços, onde não havia legislação patentária: “os franceses não
poderão proteger-se nesses países [Suíça], enquanto que seus nacionais [os
suíços], esses, serão protegidos em França. É um escândalo, e, quando se
conhece a propensão dos suíços à cópia, todos [os franceses] trememos ! Por que
segundo as Câmaras, não se manteve o salutar princípio da reciprocidade? ” [9].
Nuno Carvalho explica que o conceito de tratamento nacional previsto da
CUP é diferente do conceito de tratamento nacional em TRIPs: “O parágrafo
primeiro do artigo 2 envolve, sim, o princípio do tratamento nacional, mas não
o tratamento nacional que se aplica às pessoas, nos termos das Convenções de
Paris e de Berna, mas sim o que se aplica às mercadorias, nos termos do Artigo
III, parágrafo 4°, do Acordo GATT 1994, que diz o seguinte: Os produtos do
território de toda a parte contratante importados no território de qualquer
outra parte contratante não deverão receber um tratamento menos favorável do
que o concedido aos produtos similares de origem nacional, no que diz respeito
a qualquer lei, regulamento ou prescrição que afete a venda, a oferta para a
venda, a compra, o transporte, a distribuição e o uso destes produtos no
mercado interno”. Durante as discussões de TRIPs três posições foram postas
em confronto: 1) o tratamento nacional definido no artigo III do GATT não se
aplicava à propriedade intelectual, 2) o tratamento nacional definido no artigo
III do GATT se aplicava à propriedade intelectual porém não seria necessário
TRIPs abordar esta questões, 3) o tratamento nacional definido no artigo III do
GATT se aplicava à propriedade intelectual e deveria ser expresso no texto de
TRIPs.
Esta terceira posição foi a adotada no texto final.
[1] BARBOSA, Denis Borges; MAIOR, Rodrigo
Souto; RAMOS, Carolina Tinoco, O contributo mínimo em propriedade intelectual:
atividade inventiva, originalidade, distinguibilidade e margem mínima. Rio
de Janeiro: Lumen, 2010. p. 120.
[2] BODENHAUSEN. Guia para La aplicacion
Del Convenio de Paris para La proteccion de La propriedad Industrial, revisado
em Estocolmo em 1967. BIRPI: Genebra, 1969. p. 33.
[3] in: REPICT. Políticas de Proriedade
Intelectual, Negociação, Cooperação e Comercialização de Tecnologia em
Universidades e Instituições de Pesquisa: Análise e Proposições, Rio de
Janeiro, nov. 1998, p. 22.
[4] CHANG, Ha Joon. O mito do
livre-comércio e o maus samaritanos: a história secreta do capitalismo. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 238.
[5] GONTIJO, Cícero. As transformações do
sistema de patentes: da Convenção de Paris ao Acordo de Trips, a posição
brasileira. Fundação Heinrich Boll, 2007, p. 16 http:
//www.fdcl-berlin.de/fileadmin/fdcl/Publikationen/C_cero-FDCL.pdf.
[6] SCHIFF, Eric.
Industrialization without national patents, Princeton University Press, 1971,
p.22
[7] MANSO, Eduardo Vieira. A informática e os
direitos intelectuais, São Paulo:Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p.242
[8] Di BLASI, Gabriel. A propriedade
Industrial: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais e
transferência de tecnologia, Rio de Janeiro: Ed. Forense: 2010, p. 53.
[9] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos
sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 352
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