sábado, 12 de agosto de 2017

Tratamento nacional na CUP e em TRIPs

Antes da adoção da CUP, acordos bilaterais entre alguns países já garantiam o tratamento igual aos nacionais de seus parceiros. [1] Pelo princípio de tratamento nacional da CUP, os países não são obrigados a ter uma legislação de patentes, mas apenas a conceder ao nacional e ao estrangeiro a mesma proteção. Conforme explica Bodenhausen a proteção de um nacional em seu próprio país depende da legislação interna desse país e não da CUP que é um instrumento destinado a regular as situações internacionais [2]. Se não quiserem conceder patentes, não poderão concedê-las nem ao estrangeiro, nem ao nacional. Esse mecanismo permitiu que a Suíça, mesmo não concedendo patentes aderisse a CUP [3]. Como a CUP abrangeu não somente patentes, mas marcas, isto permitiu que Holanda e Suíça, mesmo sem Lei de patentes à época, aderissem ao acordo de 1884 [4].
Esta flexibilidade da CUP, foi responsável pela grande adesão que recebeu, segundo Cícero Gontijo. A CUP não buscava a uniformização das leis nacionais tampouco condicionava o tratamento nacional à reciprocidade [5]. Portanto, pelo princípio de tratamento nacional da CUP um estrangeiro, de um país que conceda patentes para métodos cirúrgicos, ao realizar o depósito no Brasil terá sua patente indeferida. O tratamento nacional da CUP prevê que o brasileiro que deposite patente para esta mesma matéria no Brasil também terá seu pedido indeferido no Brasil. Mas, do ponto de vista deste estrangeiro, não está havendo reciprocidade porque o brasileiro que deposite uma patente de métodos cirúrgicos neste país estrangeiro terá sua patente aceita. Na fundação da CUP o princípio da reciprocidade proposto pelos Estados Unidos foi rejeitado para garantir a adesão de Suíça e Holanda que não possuíam legislação de patentes em vigor na época.[6]
A LPI em seu Artigo 3º inciso II prevê sua aplicação aos nacionais ou pessoas domiciliadas em país que assegure aos brasileiros ou pessoas domiciliadas no Brasil a reciprocidade de direitos iguais ou equivalentes. Portanto considere um benefício que a LPI conceda ao titular, por exemplo período de graça, mas que não esteja previsto na lei estrangeira. A CUP garante tratamento para este estrangeiro igual aos nacionais, portanto ambos terão direito a este benefício, no exemplo período de graça, no Brasil, ainda que sem a reciprocidade dos mesmos direitos dos nacionais brasileiros no estrangeiro.
Segundo Fábio Konder Comparato em palestra proferida em 1982: “o princípio do tratamento nacional [na Convenção de Paris] corresponde à aplicação da ideia de igualdade dos agentes econômicos, nos mercados nacionais. Mas se, de fato a proclamação de que todos são iguais perante a lei tnha sentido revolucionário, no século XVIII,, como forma de abolição de monopólios e regalias pessoais, a sua manutenção em países de economia totalmente desequilibrada, em que acumulação de poder tecnológico é sempre feita nas empresas de controle estrangeiro, corresponde à consolidação jurídica dessa desigualdade de fato”. [7]
Como os Estados Unidos é considerado como um dos países com legislação mais favorável aos titulares das patentes, diversas críticas ao critério de tratamento nacional da CUP tem sido levantados pelos norte americanos em fóruns internacionais em favor do critério de reciprocidade pelo qual o titular viesse a desfrutar nos demais países da União, e reciprocamente, do mesmo tratamento que lhe conferisse a lei de patentes de seu país [8].
Nuno Carvalho destaca que na discussão da CUP em 1883 a Câmara de Comércio da França questionou o princípio de tratamento nacional em detrimento do requisito de reciprocidade, que colocaria os seus inventores em desvantagem com os inventores suíços, onde não havia legislação patentária: “os franceses não poderão proteger-se nesses países [Suíça], enquanto que seus nacionais [os suíços], esses, serão protegidos em França. É um escândalo, e, quando se conhece a propensão dos suíços à cópia, todos [os franceses] trememos ! Por que segundo as Câmaras, não se manteve o salutar princípio da reciprocidade? ” [9].
Nuno Carvalho explica que o conceito de tratamento nacional previsto da CUP é diferente do conceito de tratamento nacional em TRIPs: “O parágrafo primeiro do artigo 2 envolve, sim, o princípio do tratamento nacional, mas não o tratamento nacional que se aplica às pessoas, nos termos das Convenções de Paris e de Berna, mas sim o que se aplica às mercadorias, nos termos do Artigo III, parágrafo 4°, do Acordo GATT 1994, que diz o seguinte: Os produtos do território de toda a parte contratante importados no território de qualquer outra parte contratante não deverão receber um tratamento menos favorável do que o concedido aos produtos similares de origem nacional, no que diz respeito a qualquer lei, regulamento ou prescrição que afete a venda, a oferta para a venda, a compra, o transporte, a distribuição e o uso destes produtos no mercado interno”. Durante as discussões de TRIPs três posições foram postas em confronto: 1) o tratamento nacional definido no artigo III do GATT não se aplicava à propriedade intelectual, 2) o tratamento nacional definido no artigo III do GATT se aplicava à propriedade intelectual porém não seria necessário TRIPs abordar esta questões, 3) o tratamento nacional definido no artigo III do GATT se aplicava à propriedade intelectual e deveria ser expresso no texto de TRIPs. Esta terceira posição foi a adotada no texto final.




[1] BARBOSA, Denis Borges; MAIOR, Rodrigo Souto; RAMOS, Carolina Tinoco, O contributo mínimo em propriedade intelectual: atividade inventiva, originalidade, distinguibilidade e margem mínima. Rio de Janeiro: Lumen, 2010. p. 120.
 
[2] BODENHAUSEN. Guia para La aplicacion Del Convenio de Paris para La proteccion de La propriedad Industrial, revisado em Estocolmo em 1967. BIRPI: Genebra, 1969. p. 33.
 
[3] in: REPICT. Políticas de Proriedade Intelectual, Negociação, Cooperação e Comercialização de Tecnologia em Universidades e Instituições de Pesquisa: Análise e Proposições, Rio de Janeiro, nov. 1998, p. 22.
 
[4] CHANG, Ha Joon. O mito do livre-comércio e o maus samaritanos: a história secreta do capitalismo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 238.
 
[5] GONTIJO, Cícero. As transformações do sistema de patentes: da Convenção de Paris ao Acordo de Trips, a posição brasileira. Fundação Heinrich Boll, 2007, p. 16 http: //www.fdcl-berlin.de/fileadmin/fdcl/Publikationen/C_cero-FDCL.pdf.
 
[6] SCHIFF, Eric. Industrialization without national patents, Princeton University Press, 1971, p.22
[7] MANSO, Eduardo Vieira. A informática e os direitos intelectuais, São Paulo:Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p.242
[8] Di BLASI, Gabriel. A propriedade Industrial: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais e transferência de tecnologia, Rio de Janeiro: Ed. Forense: 2010, p. 53.
 
[9]  CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 352
 

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