Um
novo tipo de pastel ou nova receita de bolo pode ser patenteado, embora o
efeito alcançado não deve se limitar ao aspecto de ser mais gostoso. Na
subclasse A23L referente a alimentos, a maior parte das patentes refere-se a
modos de preparação de alimentos, formas, etc, e não o alimento propriamente
dito. Algumas patentes referentes a alimentos/bebidas concedidas pelo INPI,
são: PI9802202 referente a composição nutritiva à base de fibras, compreendendo
pelo menos uma mistura de fibras internas de ervilha, fibras do envoltório
externo de ervilha e inulina; e PI9702648 referente a Refrigerante Gaseificado
a Base de Xarope de Cola com Sabor de Limão constituído por 88% de Água
potável; 9,976% de Açucar; 2,0% de Gás Carbônico e 0,024% de Xarope de Cola.
Nos
dois casos é importante se destacar algum efeito técnico tal como maior
conservação, estabilidade ou consistência. Neste caso, o processo de fabricação
de tal alimento seria objeto de patente. O argumento de que o alimento é mais
gostoso que o encontrado no estado da técnica não é tomado em consideração para
análise de atividade inventiva visto se tratar de critério subjetivo e,
portanto, destituído de aplicação industrial. O USPTO tem concedido patentes
para receitas culinárias entre as quais US7125576 para tortilhas, US7264841
para alimentos sem glúten e US6004596 para sanduíche de geléia[1], para
bolo de mandioca US4451491. Na Itália em 2013 uma decisão do Tribunal de Milão
concluiu que receitas de alimentos podem ser protegidas como obras literárias,
porém Davide Mondin da International
School of Italian Cooking tem dúvidas quanto a possibilidade de extensão
desta proteção para os ingredientes e o método de fabricação uma vez que na
doutrina de dicotomia entre ideia/expressão apenas a receita como texto literário
poderia ser protegida pelo direito autoral. [2]
Em
Síbaris, antiga cidade da Lucânia, na Magna Grécia, na confluência dos rios
Crátis e Síbaris, no século V a.C. eram concedidas privilégios sobre receitas
culinárias que fossem extraordinárias, conforme relata Ateneu no livro “Banquete dos sofistas”[3]
escrito no no século III:[4] “se um dos cozinheiros ou chefs de cozinha
criar um prato original e elaborado, nenhuma pessoa poderá utilizar esta
receita antes que um ano tenha decorrido, exceto o inventor da mesma, afim de
que aquele que a criou primeiro aproveite desta invenção durante este período e
que os outros se apliquem também, possam se distinguir por invenções do mesmo
gênero”[5].
O gentílico sibarita, reflexo desta tradição, diz-se de ou pessoa dada aos
prazeres físicos, à voluptuosidade. [6] Nuno
Carvalho destaca que as patentes de Síbaris tinham natureza ritual, pois os
banquetes eram uma das principais instituições da região. A proposta era de
conferir tais patentes apenas a uma elite especializada em servir os bancos que
asism ocupariam uma hierarquia no culto aos deuses. O interesse comercial de
auferir lucros com tais receitas era incidental. Mostra disso era que a
proibição ao trabalho de carvoeiros, ferreiros, carpinteiros, como reflexo de
seu desprezo pelas atividades manuais. Nuno Carvalho entende tais receitas como
expressões literárias de fórmulas químicas e, portanto, passíveis de
patenteamento pela legislação atual. O critério de julgamento em princípio deve
ser feito com base no sabor inesperado que ela irá gerar. [7]
Karin
Grau-Kuntz relata um exemplo da jurisprudência alemã. A dona de casa Ruth
Köhler tentou patentear em 1966 na Alemanha a sua sopa de cogumelos. O pedido
foi recusado, pois a receita da sopa não estava vinculada a nenhum avanço técnico.
A dona de casa argumentou que a sua receita sopa era diferente das receitas
comuns, que usavam farinha e cebolas refogadas. Na sua receita, ao invés de
usar farinha, ela fritava as cebolas envolvidas em grãos, que deixava por dias
amolecerem em água. Esse processo, de acordo com a dona de casa, que era casada
com um agente de propriedade industrial, melhoraria o sabor da sopa, logo ela
seria passível de ser patentada.
O
pedido foi negado em todas as instâncias. Os tribunais argumentaram que a melhora
do sabor que diferencia a sopa comum da sopa da Sra. Köhler, é algo subjetivo,
ou seja, algo que depende do paladar de cada um que prove a sopa. E então o
tribunal dá um exemplo de uma receita que poderia ser objeto de patente: se a
dona de casa tivesse inventado uma receita que transformasse cogumelos amargos
em saborosos (o processo seria capaz de tirar o amargo dos cogumelos), então
teria havido um avanço no estado da técnica. Esse resultado não seria medido
por critérios meramente subjetivos.[8] Na China
no caso de invenções cujo efeito técnico exijam o julgamento de órgãos
sensoriais humano como paladar e cheiro, tais efeitos devem ser comprovados com
referência a dados experimentais médios obtidos a partir de uma avaliação
estatística dos mesmos. [9] O
guia de exame cita que pratos e métodos de fazer comida que não posam ser
feitos de orma industrial e impementados de forma repetida não possuem
aplicabilidade prática e não podem ser patenteados por exemplo um método de
fazer comida que dependa de fatores incertos como a perícia e criatividade do
cozinheiro.[10]
A Corte de Cassações da França em decisão de 1855 considerou patenteável a
combinação de duas substâncias alimentares, por exemplo, o chocolate e o
glúten.[11]
Denis
Barbosa ao discutir a atividade inventiva de patentes de seleção cita como
patenteável a combinação de tipos específicos de massa e queijo que resultem em
melhor efeito gustativo “numa combinação
sem precedente e surpreendentemente agradável ao palato”. Por outro lado,
não haveria invenção na combinação que envolvesse uma combinação de massa e
queijo esperados, que um cozinheiro de forno e fogão prepararia, ou seja,
crucial para decisão seria a existência de um número significativo de espécies
de massa e queijo de forma que a seleção designada, alcançasse um efeito
diferenciado e que um cozinheiro não fosse naturalmente conduzido a mesma
seleção. [12]
[1]
JAFFE, Adam; LERNER, Josh. Innovation and its discontents: how our broken
patent system is endangering innovation and progress, and what to do about it.
Princeton University Press, 2007, p. 531/5128 (kindle version)
[2]
ROSATI, Eleonora. A big meal or a big deal? The subtle line, 13/03/2016
http://ipkitten.blogspot.com.br/2016/03/a-big-meal-or-big-deal-subtle-line.html
[3]
BELTRAN, Alain; CHAUVEAU, Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques:
une histoire de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 44
[4]
FRUMKIN, Max, The Origin of Patents, Journal of the Patent Office Society,
v.27, n.3, março 1945, p.143-149
http://www.compilerpress.ca/Library/Frumkin%20Origin%20of%20Patents%20JPOS%201945.htm
[5]
POLLAUD-DULIAN, Frédéric , Propriété intellectuelle. La propriété industrielle,
Economica:Paris, 2011, p.90
[6]
O contributo mínimo em propriedade intelectual: atividade inventiva,
originalidade, distinguibilidade e margem mínima. Denis Borges Barbosa, Rodrigo
Souto Maior, Carolina Tinoco Ramos, Rio de Janeiro:Lumen, 2010, p.116
[7]
CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado.
presente e futuro. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2009, p.138, 140
[9]
Guidelines for examination, 2006, SIPO, Intellectual Property Publishing House,
parte II, cap. 2, parag. 2.2.4, p.137
[10]
Guidelines for examination, 2006, SIPO, Intellectual Property Publishing House,
parte II, cap. 10, parag. 7.1, p.331
[11]
ALLART, Henri. Traité théorique et pratique des brevets d'invention. 1911,
Paris:Arthur Rousseau, p.568
[12]
Tratado da propriedade intelectual: Patentes, Denis Borges Barbosa, Tomo II,
Rio de Janeiro: Lumen, 2010, p.1280
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