TRIPs foi o
resultado de uma longa e acirrada negociação, que abortou um processo de
revisão da Convenção de Paris, que
vinha se desenvolvendo desde os anos 60, promovido pelos países em
desenvolvimento no sentido de se afrouxar as regras de propriedade intelectual
para tais países. Na negociação do GATT as concessões na área de proteção à
propriedade intelectual por parte dos países em desenvolvimento seriam feitas
em troca da redução das tarifas dos produtos agrícolas e têxteis por parte dos
países industrializados, o que não veio a acontecer [1]. Em
seu relatório de 1991 sobre as negociações do Acordo TRIPs Arthur Dunkel
observa que muitos dos impasses na redação do texto dependiam de compensações
em outras áreas como agricultura e têxteis. Para Peter Drahos há uma ironia
quanto a este aspecto uma vez que com TRIPs diante das tecnologias patenteadas
em agricultura na área de biotecnologia os países em desenvolvimento acabarm
também nesta área tendo de dispender mais recursos para o pagamento de
royalties, ou seja, exatamente na área em que esperavam que seriam
beneficiados. [2]
Segundo Michael Doane, da Georgetown University
Law Center “Com o objetivo de fazer avançar as negociações em todas as áreas
cobertas pela Rodada Uruguai, o diretor-geral do GATT apresentou o Texto Dunkel
como uma declaração integral da situação das negociações. O diretor-geral
apresentou esse documento como um acordo do tipo tudo ou nada, determinado a
impedir que os membros dividissem as várias seções para adotá-las separadamente.
Esta exigência comprovou-se útil para a obtenção do acordo TRIPs, pois os
Estados Unidos e outros países industrializados podiam combinar concessões
desejadas pelos países em desenvolvimento em áreas como agricultura e têxteis,
para a obtenção de um adequado acordo TRIPs” [3]. Na Índia o texto ficou
conhecido como DDT Dunkel Draft Text, sendo visto como excessivamente favorável
aos titulares de patentes e prejudicial ás políticas de saúde. [4]
Esta lógica de troca comercial, que
Joseph Stiglitz se refere como “a grande
barganha” [5]
permeou não somente TRIPs mas a criação da OMC. Segundo Ha Joon Chang os países ricos não
satisfeitos com a Rodada do Uruguai do GATT continuaram
pressionando por uma maior liberalização das economias em desenvolvimento. Em
troca de cortes nas tarifas industriais dos países em desenvolvimento os países
ricos se comprometiam a reduzir o subsídio agrícola de forma que os países
pobres pudessem aumentar suas exportações, assim como abolir o Multi-Fibre Arragement que restringia as
exportações de produtos têxteis dos países em desenvolvimento[6],
uma estratégia de negócio em que, segundo os países ricos, todos sairiam
ganhando [7].
Escrevendo em 1995 Michel Alaby, vice-presidente executivo
da Associação de Empresas Brasileiras para Integração no Mercosul estimava que
TRIPs traria um aumento do comércio mundial assim como uma redução das tarifas
sobre produtos industrializados brasileiros que deveriam atingir 45% na Europa
e 30% nos Estados Unidos, tendo como base a média do período 1986/1990 [8].
O Multi Fibre Arrangement (MFA) foi criado em 1974 e estabelecia aos
países em desenvolvimento cotas de exportação para os países desenvolvidos, e
foi utilizado com o intuito de proteger a indústria têxtil e de vestuário dos
Estados Unidos. Com a adoção da OMC o Acordo foi gradualmente desmontado até
que finalmente extinto em 2005. Segundo um estudo do FMI e Banco Mundial o
Acordo teve um custo de 27 milhões de empregos nos países em desenvolvimento e
40 bilhões de dólares anuais em exportações perdidas. Com o fim do acordo
previa-se que países como Bangladesh pudessem perder receitas, com a competição
dos produtos chineses, no entanto, suas exportações aumentaram em 2006 em cerca
de 500 milhões de dólares. [9]
O acordo ao long de trinta anos sofreu quatro revisões. Uma vez que os acordos
MFA eram estabelecidos de forma bilteral com tarifas diferenciadas poo país, de
modo que os benfícios conferidos a um país não se estendiam aos demais, isto
configurava uma clara violação ao princípio de nação mais favorecida conferido
pel GATT. O membros do GATT contudo reconheciam que uma exceção a este
princípio poderia ser estabelecido como forma de acomodar as necessidades dos
países em desenvolvimento[10].
O lobby da indústria norte
americana se concentrava em grupos como o American Cotton Manufactures
Institute (ACMI), American Textile Manufacturers Institute (ATMI), American
Apparel Manufacturers Association, American Yarn Spinners Association, entre
outras,bem como sindicatos de trabalhadores como Amalgamated Clothing Workers
of America e o International Ladies Garment Workers Union. As controvérsias
comerciais em torno da aplicação do MFA eram dirimidas no âmbito do GATT
Textile Committee (TC) e do Textiles Surveillance Body (TSB). A primeira
reforma no MFA ocorreu em 1977 por pressão da indústria européia, ineressad em
se defender da pressão contínua dos produtos importados, principalmente dos países
asiáticos Hong Kong, Coreia e Taiwan. Com a globalização produtos chineses eram
embarcados utilizando-se das quotas de países da América do Sul e Central numa
tática conhecdia como “quota hopping”.
Produtos de Taiwan eram embarcados a partir das Filipinas e Panamá em direção
ao mercado norte americano, tornando inócuas as medidas restritivas do Acordo.
Nos Estados Unidos os oficiaiis do U.S. Customs and Border Patrol (CBP)
confiscaram cerca de 20 bilhões de dólares de produtos ilegais obtido a parti
do uso indevido das quotas de Indonesia, Panamá, Columbia, Argentina, Malásia,
Peru, Portugal, Sri Lanka, Singapura, Tailândia e Turquia. Diante da
ineficiência do MFA, com a entrada em vigor da OMC, os psíses membros iniciaram
um processo gradual de desmonte do Acordo com a eliminação das quotas até 2005.
[11]
O embaixador Miguel Ozorio de
Almeida mostra que barganha similar, igualmente não cumprida esteve presente
quando da redefinição das regras econômicas do pós Segunda Guerra: "De acordo com a combinação, todos os países
se uniriam para organizar o mundo do após-guerra de uma forma justa e
equilibrada. Justa e equilibrada queria dizer: com os países desenvolvidos
podendo consumir, à vontade, toda a matéria prima dos países subdesenvolvidos.
A realidade que nós estamos vivendo [depoimento de 1987 em plena crise da
dívida....] hoje, do mundo subdesenvolvido totalmente endividado, é o resultado
de Bretton Woods, que aliás está deixando saudades não sei bem a quem.
certamente não deveria deixar a nós ! Porque não houve a menor tentativa, nem
na Carta do Atlântico[12],
nem depois em Bretton Woods[13],
de dar uma compensação aos países subdesenvolvidos. Todas as tentativas nesse
sentido, que foram feitas na Conferência de Comércio e Emprego de Havana foram
abandonadas. É engraçado ! Porque os capítulos correspondentes foram rejeitados
pelas duas potências, Inglaterra e Estados Unidos. Foram rejeitados. E a parte
correspondente à necessidade de fornecimento de matérias-primas, ao comércio de
matérias primas, etc, etc, foi resumido num capítulo especial e esse capítulo
foi posto para funcionar, provisoriamente, sob o título de Interim Agreement of
Commerce and Employment. Então o Interim Agreement foi posto para funcionar. Os
países desenvolvidos nunca ratificaram a parte correspondente a recursos para
industrialização dos países subdesenvolvidos. E nós, bestamente, deixamos que o
Interim Agreement funcionasse. E ele ficou funcionando, ficou para sempre. Foi
aquele provisório que eternizou e que hoje se chama GATT. O GATT é descendente
do Interim Agreement, que era o capítulo correspondente, compensatório, dentro
de Bretton Woods e da Carta do Atlântico, para a negligência em relação aos
países subdesenvolvidos"[14]
Roberto Simonsen embora reconheça
que o Plano Marshall abra oportunidades de negócios para o Brasil observa que “Na adoção de um plano dessa natureza e de
tal magnitude, deve-se evitar a criação de um ambiente artificial de trabalho,
para a América Latina, que redunde em seu enfraquecimento econômico futuro e na
manutenção de seu atual estado de pauperismo. A América Latina deve pleitear,
na elaboração final e execução desse Plano, que seus países sejam colocados em
igualdade de condições com os países europeus, na obtenção, por parte dos
Estados Unidos e do Canadá, de bens de produção de que necessitam para o seu
reequipamento econômico [...] As nações latino-americanas devem pleitear a
organização de uma Comissão de Cooperação Econômica que estude os meios para
tornar mais eficiente uma efetiva cooperação dessa natureza entre os países
americanos e a obtenção de auxílio norte-americano, para os seus planos de
desenvolvimento econômico”. Na tese apresentada por Roberto Simonsen em
1943 como contribuição da Fiesp à Conferência Internacional de Rye, acentua: “Delineia-se um grande movimento de caráter
internacional para auxiliar a rápida reconstrução das zonas devastadas pela
guerra. Não existe, porém, o mesmo anseio em socorrer muitos povos, em imensas
regiões do globo, onde também milhões dc indivíduos perecem anual e
precocemente, vitimados pela miséria, pela ignorância, pela subnutrição e pelas
enfermidades daí decorrentes. Por que não colocar no mesmo plano de atenção a
recuperação da prosperidade dos países destroçados pela guerra e a outorga às
nações pobres de um grau mínimo de conforto, a que devem fazer jus? Se, nos
congressos políticos internacionais, se reconhece para o estudo e aplicação de
medidas fundamentais, a diferenciação existente quanto à capacidade bélica
entre os vários povos, por que não diferenciar as medidas e providências de que
cada nação necessita, de acordo com o grau de desenvolvimento da sua estrutura
econômica?”.[15]
Miguel Ozorio de Almeida
[1] GANDELMAN, Marisa Gandelman. Poder e
conhecimento na economia global. Rio de Janeiro: Ed. Civilização
Brasileira, 2004, p. 246, BRINDEIRO, Otávio. Direitos de Propriedade
Intelectual, Boletim da Diplomacia Econômica, n.18, 1994, p. 81-84.
[2] DRAHOS, Peter;
BRAITHWAITE, John. Information feudalism: who owns the knowledge economy ? The New Press: New York, 2002, p.11, 143
[3] GONTIJO, Cícero. As transformações do
sistema de patentes: da Convenção de Paris ao Acordo de Trips, a posição
brasileira, Fundação Heinrich Boll, 2007, p. 22 http:
//www.fdcl-berlin.de/fileadmin/fdcl/Publikationen/C_cero-FDCL.pdf.
GONTIJO, Cícero. Propriedade
intelectual no GATT traz implicações para o Brasil. http://fmauriciograbois.org.br/portal/cdm/revista.int.php?id_sessao=50&id_publicacao=135&id_indice=683.
[4] DRAHOS, Peter;
BRAITHWAITE, John. Information feudalism:
who owns the knowledge economy ? The New Press: New York, 2002, p.146;
DHAR, Biswajit, RAO, Niranjan, Dunkel
Draft on TRIPS: Complete Denial of Developing Countries' Interests,
Economic and Political Weekly v. 27, n 6 (Feb. 8, 1992), p. 275-278
[5] STIGLITZ, Joseph. Globalização como dar
certo. São Paulo: Cia das Letras, 2007. p. 159, 463.
[6] MAY, Christopher; SELL,
Susan. Intellectual Property Rights: a critical history. Lynne Rjenner Publishers: London, 2006,
p.155
[7] CHANG, Ha Joon. O mito do
livre-comércio e o maus samaritanos: a história secreta do capitalismo. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 75.
[8] ALABY, Michael. Acordo do GATT
promoverá aumento do comércio mundial. Panorama de Tecnologia, n.13, fev.
1995, p. 16.
[11] MATT, Svetlana, The
Evolution and Demise of the Multi-Fibre Arrangement: Examining the Path of
Institutional Change in the Textile and Apparel Quota Regime, 2006
htttp://www.pugetsound.edu/files/resources/1359_TheEvolutionAndDemise.doc
[14] Miguel Ozorio de Almeida: um depoimento,
Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009, p.20, 28
[15]
SIMONSEN, Roberto. Evolução industrial do Brasil e outros estudos. Brasiliana,
n.349, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1973, p.342, 246 http://www.brasiliana.com.br/obras/evolucao-industrial-do-brasil-e-outros-ensaios/pagina/347/texto
Nenhum comentário:
Postar um comentário