Gama Cerqueira contrapõe os conceitos de invenção e
descoberta: “a ideia de criação e de aplicação de
forças naturais é essencial ao conceito de invenção [...] a invenção, de modo
geral, consiste na criação de uma coisa até então inexistente; a descoberta é a
revelação de uma coisa existente na natureza. Como criação, a invenção, no
dizer de Kohler, vem a ser a antítese da descoberta [...] a
invenção, como dissemos, apresenta-se como a solução de um problema técnico,
que visa à satisfação de fins determinados, de necessidades de ordem prática; a
descoberta, ao contrário, não visa a fins práticos pré-estabelecidos e apenas
aumenta a soma dos conhecimentos do homem sobre o mundo físico. Na invenção
predomina a aplicação das forças da natureza, ao passo que as descobertas
resultam da aplicação das faculdades intelectuais do homem na investigação dos
fenômenos e leis naturais” [1].
O vocábulo invenção
deriva de inventio, com o sentido de descobrimento, descoberta e talvez justamente por este motivo, desde
longa data encontramos as duas palavras empregadas como sinônimas [2]. Mario Biagioli destaca que o verbo em latim invenire [3]tanto
significa “achar” como “criar”, de modo que em sua versão
medieval patentes eram tanto concedidas para aquele que realizasse a invenção
na prática em determinado local[4].
Ruben Requião cita o jurista Mario Viari que remete ao significado etimológico
do latim invenire e se refere a
invenção como “atividade humana por meio
da qual são investigadas ou realizadas coisas que antes não existiam”.[5]
Christine MacLeod observa que na tradição judaico cristã, onde há a presença de
um único Criador, havia uma hostilidade a se referir a criatividade humana, de
modo que o o termo “inventar” era usado como significando “descobrir”. A
distinção explícita da diferenciação dos dois sentidos ocorre no trabalho de Joseph
Bramah escrito em 1797 ao criticar a patente de James Watt.[6]
Esta distinção entre descoberta e invenção aparece no livro “Elements of the philosophy” do filósofo
escocês Dugald Stewart que em 1829 escreve: “o objeto da invenção , como tem sido muito frequentemente observado, é
produzir algo até então não existente, enquanto a descoberta é trazer á luz
algo que existia, mas que estava oculto á observação comum. Assim Otto
Guerricke inventou a bomba de ar, Sanctorius inventou o termômetro, Newton e
Gregory inventaram o telescópio por reflexão, Galileu descobriu as manchas
solares e Harvey descobriu a circulação do sangue. Ao que parece , portanto,
aperfeiçoamentos na técnica são propriamente chamados invenções, e fatos
trazidos á luz por meio da observação, são propriamente chamados descobertas”.[7]
O uso indistinto entre inventos
e descobertas é uma repercussão do texto da Constituição norte americana
de 1787 [8]. A Constituição dos Estados Unidos de 1787 confere aos
autores e inventores o direito exclusivo a seus “escritos e descobertas”
(To promote the Progress of Science and
useful Arts, by securing for limited Times to Authors and Inventors the
exclusive Right to their respective Writings and Discoveries).[9]
Mesmo no recente caso KSR v. Teleflex de 2007 a Suprema Corte afirmou: “as
invenções na maioria, se não em todos os casos, dependem de blocos há muito
descobertos, e as descobertas reivindicadas quase que necessariamente serão
combinações do que, em algum sentido, já é conhecido” [10].
A lei de patentes
francesa de 7 de janeiro de 1791 em seu artigo 1º estabelece que “toda descoberta ou invenção nova sobre todos
os gêneros da indústria serão de propriedade de seu autor – Toute découverte ou nouvelle invention, dans
tous les genres d’ industrie, esta la proprieté de son auteur”.[11]
Nouguier observa que a invenção produz “alguma
coisa nova que não existia antes; a descoberta põe luz em algo que já existia,
mas que até então havia escapado á observação”, no entanto, Pouillet
observa de que do ponto de vista jurídico as duas palavras são utilizadas de
forma indiferente uma da outra.[12]
Da mesma forma não se observa nesta época distinção entre “autores” (les auteurs) e “inventores” (les inventeurs).[13]
No século VI o termo em
latim inventio significa descoberta,
como a “invenção da cruz” ao se
referir a descobertas de lascas de madeira que supostamente compunham a cruz de
Cristo. Na língua francesa o termo “inventeur”
surge em 1431 no feminino ao se referir à Joanna D’ Arc “mentirosa perniciosa, inventora de revelações e de aparições”, ou
seja, está vinculado ao conceito de alguém que inventa histórias falsas ou
fabulosas.[14] Nicolas Binctin observa
que a descoberta se refere a ação de fazer conhecer um objeto , um fenômeno
escondido ou ignorado porém pré existente, de forma que não constitui um bem
intelectual uma vez que a ausência de atividade criativa intelectual impede esta
qualificação.[15]
Picard observa que a lei
belga de 1854 não distingue descoberta (découverte)
de invenção (invention), o que o
autor sugere ter ocorrido por uma imprecisão terminológica da lei.[16]
Para Picard a descoberta ocorre quando alguém percebe uma coisa já existente,
mas que ainda não havia sido constatada sua existência, assim Cristóvão Colombo
descobriu a América, Harvey descobriu a circulação sanguínea, Galileu descobriu
as manchas solares, ao passo que a invenção ocorre quando alguém concebe ou
realiza uma coisa a qual acredita não existir, ou não ter existido até então,
assim Gutemberg inventou a imprensa, Otto de Guéricke inventou a bomba
pneumática, como fruto de suas pesquisas, ainda que possa se caracterizar uma
invenção ainda que fruto do acaso. A invenção distingue-se da descoberta por
dois aspectos. Em primeiro lugar por trata-se da concepção de algo até então
inexistente. Em segundo lugar por a invenção exigir que sempre haja a
participação do homem para sua realização.[17]
Para Pouillet a tais descobertas como a circulação do sangue, o mecanismo de
funcionamento da voz humana ou a eletricidade, falta a aplicação industrial (une aplication dans l’ industrie)
exigida por uma patente. [18]
Por outro para as aplicações industriais de tais princípios poderá haver
patente.
A Constituição brasileira de 1824 ao tratar no Artigo 179 inciso
XXIV da proteção por patentes considera como descobertas as criações dos
inventores: “os inventores terão a propriedade de suas descobertas ou das
suas produções”, porém, desde então todas as leis subsequentes discriminam
as descobertas como algo não patenteável e distinto de uma invenção. A
Constituição de 1891 no Artigo 72 adotou terminologia em que se elimina a
referência a descobertas: “os inventos industriais pertencerão a seus
autores, aos quais ficará garantido por lei um privilégio temporário”. Com
o Decreto lei 7903/45 desapareceu daí por diante o termo “descoberta” das leis de patentes como sinônimo de invenção. A
Constituição de 1946 em seu Artigo 141 estabelece que “os inventos
industriais pertencem aos seus autores, aos quais a lei garantirá um privilégio
temporário”. No Brasil, embora já presente nos textos constitucionais desde
1891, o Código Civil de 1916 no Artigo 603 referia-se como invenção [19] a “coisa alheia perdida”, terminologia
corrigida no Novo Código Civil de 2002, que nos artigos correspondentes (art.
1233 e seguintes) já se refere à “descoberta” e não mais à “invenção” [20].
Segundo Pontes de Miranda [21] “Inventar é achar, mas aqui o sentido é
mais restrito: não é o mesmo que achar a coisa perdida, ato em que nada há de
criação, nem sequer o de criar aparelho ou processo que se possa considerar de
mérito para a civilização: é o de invenção que possa ser industrializada”.
Segundo Luiz Guilherme de Loureiro [22]: “inventar é criar o que ainda não existe.
Assim, invenção é uma operação do pensamento referente a qualquer coisa que
aparece pela primeira vez. É uma obra do espírito que busca uma novidade”.
[1] CERQUEIRA, op. cit., p. 154.
[2] DOMINGUES, Douglas Gabriel. Direito
Industrial – patentes, Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 29.
[3] Cf. POLLAUD-DULIAN, Frédéric ,
Propriété intellectuelle. La propriété industrielle, Economica:Paris,
2011, p.110
[4] BIAGIOLI, Mario. From print to
patents: living on instruments in early modern Europe. Hist. Sci., xliv, 2006,
p. 151 http://innovation.ucdavis.edu/people/publications/Biagioli%202006%20From%20Print%20to%20Patents.pdf
[5]
REQUIÃO, Rubens. Curso de
Direito Comercial. São Paulo, Saraiva, 19ª ed, 1º vol., 1989, p. 223
[6] MacLEOD, Christine. Heroes of
invention. technology, liberalism and british identity 1750-1914, Cambridge
University Press, 2007, p.46
[7] BEHAR, Gabriel Galvez. The
propertisation o science: suggestions for na historical investigation. In:
LOHR, Isabella; SIEGRIST, Hannes. Global Governance of Intellectual Property
Rights, v.21, n.2, 2011, p.80-97 tp://hal.archives-ouvertes.fr/docs/00/63/37/86/PDF/GGB_FINAL.pdf
[8] “the
congress shall have power to promote the progress of science and useful arts,
by securing for limited times to authors and inventors
the exclusive right to their respective writings and discoveries” U.S. Constitution – Article 1 Section 8 http:
//www.usconstitution.net/xconst_A1Sec8.html.
[10] BARBOSA, Denis Borges; MAIOR, Rodrigo Souto; RAMOS, Carolina
Tinoco. O contributo mínimo em propriedade intelectual: atividade inventiva,
originalidade, distinguibilidade e margem mínima. Rio de Janeiro: Lumen,
2010. p. 101.
[11]
RENOUARD, Augustin. Traité des brevets d’invention, de perfectionnement et d’
importation, Paris, 1825, p.424
[12]
POUILLET, Eugène. Traité Theorique et Pratique des Brevets d'Invention et de la
Contrefaçon. Marchal et Bilard:Paris, 1899, p.9
[13]
BERTRAND, André. La propriété intellectuelle, Livre II, Marques et Breves Dessins
et Modèles, Delmas:Paris, 1995, p.79
[14] BELTRAN, Alain; CHAUVEAU,
Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire de la propriété
industrielle, Fayard, 2001, p. 136
[15] BINCTIN, Nicolas. Droit de la
propriété intellectuelle, LGDJ:Paris, 2012, p.32, 44
[16] PICARD, Edmond; OLIN, Xavier,
Traité des brevets d'invention et de la contrefaçon industrielle, précédé d'une
théorie sur les inventions industrielles, 1869, p. 133
[17] PICARD, Edmond; OLIN, Xavier,
Traité des brevets d'invention et de la contrefaçon industrielle, précédé d'une
théorie sur les inventions industrielles, 1869, p. 134; cf. POUILLET, Eugène. Traité
Theorique et Pratique des Brevets d'Invention et de la Contrefaçon. Marchal et
Bilard:Paris, 1899, p.9
[18]
POUILLET, Eugène. Traité Theorique et Pratique des Brevets d'Invention et de la
Contrefaçon. Marchal et Bilard:Paris, 1899, p.10
[19] http: //www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L3071.htm.
[20] http: //www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm.
[21] MIRANDA, Pontes de. Tratado do Direito Privado. Rio de
Janeiro: Borsoi, 1956. Tomo XVI, p. 272.
[22] LOUREIRO, Luiz Guilherme de. A Lei de propriedade industrial
comentada. São Paulo: Lejus, 1999. p. 43.
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