O Estatuto da Rainha Anne[1]
na Inglaterra de 1710 estabeleceu a propriedade intelectual dos autores em
contraposição ao copyright perpétuo detido pelo editores. Como resultado da
desregulamentação a produção anual de livros aumentou em quatro vezes no último
quartel do século XVIII. Em cinco anos Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, vendeu
mais cópias do que nos primeiros sessenta anos após sua publicação em 1719. [2]
Johns Adrian analisa a disputa judicial pela Câmara de Lordes em 1774 no caso Donaldson
v. Becket que se decidiu contrária a direitos perpétuos de copyright sobre
obras literárias, no que se tornou a decisão mais definitiva em matéria de
copyright na Inglaterra.[3]
Com a invenção da prensa de tipos móveis de Gutenberg em 1450 as cópias antes
feitas à mão tornaram-se baratas tendo em vista a competição entre os
operadores de prensas.Na Inglaterra os operadores de prensas organizaram-se na
Corporação dos Papeleiros (Stationers Guild) de modo a reter o direito de
impressão apenas para os membros da guilda. Isto aumentava os lucros das
editoras além de atender aos interesses dos soberanos em ter maior controle
da censura. Com o fim dos privilégios seus membros se mobilizaram por uma nova
lei que os protegesse da competição e neste contexto que nasceu a lei de
direito autoral de 1710.[4]
De um lado os defensores do copyright
perpétuo alegavam que o copyright se distinguia das patentes na medida em que
enquanto um livro exigia da criatividade do autor as invenções exigiam um
esforço meramente mecânico, numa época em que as invenções da Revolução
Industrial eram muito mais o resultado do esforço de artesãos laboriosos do que
produto da ciência. Enquanto a cópia de um livro poderia ser feita servilmente,
sem o copiador sequer compreender o conteúdo do livro copiado, a cópia de uma
invenção necessariamente exigiria um nível de conhecimento muito mais elevado
do contrafator, o que revela a natureza distinta dos dois casos.[5]
Se o Estatuto dos Monopólios conferia proteção temporária as patentes, caberia
proteção perpétua ao copyright por seu maior conteúdo intelectual. As patentes
eram um privilégio e não um direito, por isso teriam uma vigência temporária.
De outro lado os defensores do
copyright temporário alegavam que a criação de um livro ou de uma invenção
tinham mesma natureza e portanto ambos teriam de ter caráter temporário. Donaldson
destacava que “patentes são incompatíveis com a hipótese de um direito anterior
do inventor ou descobridor [...] Um livro é uma combinação de ideias, da mesma
forma que uma máquina. Ambos são resultado de uma invenção e qualquer
tentativa de distingui-los será ininteligível”. Ambos podem ser mantidos em
segredo, mas uma vez revelados, naturalmente estarão abertos para todos. A
decisão final conclui pelo caráter temporário do copyright, uma vez que que
entende a criação de um livro como equivalente ao de uma invenção. Com a
decisão o inventor de uma máquina, artesão e em geral de pouca cultura passa a
ser admitido no mesmo nível que o autor de um livro. Desta forma Johns Adrian
destaca que a emergência da cultura da propriedade intelectual em obras
literárias foi acompanhada de um maior interesse na proteção por patentes de
mecanismos industriais.[6]
Christine MacLeod também destaca o impacto das discussões do século XVIII sobre
copyright perpétuo e suas implicações com o direito de patentes e conclui no
mesmo sentido de que a justificação das patentes como um direito natural nunca
foi comum na Inglaterra e caiu em desuso no início do século XIX.[7]
John Howard escrevendo em 1869 destaca as similaridades do processo de criação
literário e das invenções: “dois homens jamais escreverão o mesmo livro ao
mesmo tempo [...] mas frequentemente ocorre de dois autores escreverem quase
simultaneamente precisamente as mesmas
ideias, embora não utilizando a mesma linguagem. Exatamente da mesma forma, se
dois homens inventam duas máquinas simultaneamente, nunca ocorre dos dois
implementarem suas ideias precisamente da mesma forma mecânica [...] O inventor
faz uso das leis da natureza tal como o autor de um livro usa a linguagem comum
da humanidade”.[8]
Stationers guild - Guilda dos papeleiros na Inglaterra [9]
JOHNS,
Adrian. Piracy: the intellectual property wars from Gutenberg to Gates. The
University Chicago Press, 2009, p.114
[2]
LYONS, Martyn. Livro: uma história viva. São Paulo, Senac, 2011, p.116
[3] JOHNS, Adrian. Piracy: the
intellectual property wars from Gutenberg to Gates. The University Chicago
Press, 2009, p.502
[4] MORRIS, Julian, Ideal Matter: a globalização
e o debate sobre a propriedade intelectual. Rio de Janeiro:instituto Liberal,
2003 p.24
[5] JOHNS, Adrian. Piracy: the
intellectual property wars from Gutenberg to Gates. The
University Chicago Press, 2009, p.134
[6] JOHNS, Adrian. Piracy: the
intellectual property wars from Gutenberg to Gates. The University Chicago Press,
2009, p.1852/8003
[7] MacLEOD, Christine. Inventing the
industrial revolution: the english patent system, 1660-1800,
Cambridge:Cambridge University Press, 1988 p.198
[8] MacLEOD, Christine. Heroes of
invention. technology, liberalism and british identity 1750-1914, Cambridge
University Press, 2007, p.273
[9] http://rodneymackay.com/Writing/html%20files/Torry/torryimages/stationers-guild-hall.jpg
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