A Constituição de 1988 refere-se a questão ao tratar dos direitos individuais no
Artigo 5º inciso XXIX “a lei assegurará aos autores de inventos industriais
privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações
industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e outros signos
distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico
e econômico do País”. Este mesmo princípio está expresso no artigo 2º da
LPI: “A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial,
considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do
País, efetua-se mediante concessão de patentes de invenção e de modelo de
utilidade“. No PL 824/91
não constava a cláusula finalística. Em seu substitutivo (PL 824-A) o relator
do projeto Deputado Ney Lopes acolheu emenda de Ariosto Holanda (PSB/CE) ressaltando
que a proteção dos direitos relativos à propriedade industrial deva considerar
a sua função social e o interesse do desenvolvimento tecnológico e econômico do
país. Segundo o relator da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania do
Senado ao projeto que deu origem à LPI, Ney Suassuna: “Ou seja, a lei patentária brasileira
há que promover a proteção ao direito inafastável do inventor. Este escudo
legal, entretanto, em nome do interesse público pelo desenvolvimento social e
econômico de todos os brasileiros, deve satisfazer a outro imperativo, além do
mero atendimento ao reclamo individual. O comando constitucional, do ponto de
vista formal, como vimos no artigo 5o inciso XXIX, e do ponto de
vista material, pelo conjunto de princípios que inspira nossa Lei Maior,
impõe-nos a elaboração de um dispositivo legal que sirva, ao mesmo tempo, como
instrumento de política econômica, de indutor de desenvolvimento e de
crescimento social” [1].
O sistema de patentes deve, portanto, encontrar um equilíbrio
entre o interesse privado do titular da patente o interesse público da
sociedade, sendo estes dois interesses legítimos e constitucionais. O mesmo
capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos estabelece no inciso
xxii que é garantido o direito de propriedade e no inciso xxiii que a
propriedade atenderá a sua função social. Ao observar que o direito à
propriedade intelectual é um direito constitucional Gabriel Di Blasi conclui:
“isso significa dizer que o seu exercício não é um fim em si mesmo, mas
antes um meio de promover os valores sociais, cujo vértice central encontra-se
na própria pessoa humana” [2] Segundo Cláudio Barbosa: “A função social
é alcançada com a manutenção de um fluxo de criação e circulação de informação,
criando-se um valor econômico e social. Quando a proteção é excessiva, perde-se
a função de incentivo, estanca-se a criação e a circulação da informação, e,
consequentemente, constata-se que a proteção gera externalidades negativas,
acarretando um custo social”.[3] Para
Pontes de Miranda toda a propriedade só
se justifica por sua função social.[4] Segundo
o Ministro Celso Bandeira de Mello: “O
interesse social, quando em conflito com o indivíduo deve prevalecer, porque a
sociedade é o meio, em que o homem vive; não há homem fora da sociedade [...] O
princípio da supremacia do interesse
público sobre o interesse privado é princípio geral do Direito inerente a
qualquer sociedade”.[5]
Segundo Izabel Vaz “a propriedade intelectual cria, para o seu
titular, através dos instrumentos da patente e do registro, direitos morais e patrimoniais exclusivos, que funcionam como
recompensa pecuniária, mas a utilização dos bens produzidos pela criatividade
humana vincula-se à observância dos interesses sociais, à necessidade de
capacitação tecnológica nacional, ao progresso, e ao bem estar de toda a
comunidade. Aí vemos a conveniência de conciliar-se o legítimo interesse do
inventor ou do autor, enquanto criador de um bem socialmente útil e
economicamente valorável, com a necessidade de torná-lo acessível à sociedade” [6]. Segundo Lucas Rocha Furtado [7] “a propriedade privada, como posta na Constituição, vincula-se a um fim – a função social – não sendo garantida em
termos absolutos, mas apenas na medida em que atenda este fim”, ou seja, os direitos do inventor “não poderão sobrepor-se
aos interesses sociais e nem frustrar a realização da função social do direito
de propriedade industrial, sendo certo ainda que visarão sempre ao
desenvolvimento tecnológico e econômico do País”. Para Denis Barbosa a
proteção à propriedade industrial tendo em vista sua função não deve inibir por
completo o papel da cópia que também exerce um efeito propulsor do
desenvolvimento econômico: “Toda a missão
do direito no plano da imitação não é, assim, vedar a cópia, mas exercer um
balanceamento cuidadoso entre a eficiência da cópia e a eficiência de vedar a
cópia, quando essa vedação exerce uma
função social. E distinguir entre as duas hipóteses, segundo o que as normas
jurídicas prescrevem, é toda a arte”.[8]
Segundo o TRF3 “A
Constituição Federal protege a propriedade na medida em que atenda à sua função
social, ou seja, a propriedade não pode obstar à realização dos objetivos
públicos e do interesse social.”[9] Segundo
o Desembargador André Fontes: “não se pode olvidar a prevalência do interesse social
inerente às criações industriais (inciso XXIX do artigo 5.º da Constituição da
República), cuja proteção, como se sabe, é exceção à regra de que permaneçam em
domínio público, pois tal privilégio é sempre deferido por prazo limitado e se
submete à observância de diversos requisitos. É de interesse de toda
coletividade que não subsista a exclusividade sobre a exploração de determinado
invento” [10].
O termo “função social da
propriedade” foi utilizado por Augusto Comte, em 1851, fundador da teoria
positivista, onde condenou os excessos capitalistas e as utopias socialistas,
defendendo uma função social da propriedade[11]: “O
positivismo está duplamente empenhado em sistematizar o princípio da função
social, que trata da natureza social da propriedade e sobre a necessidade de
regulá-la”[12].
Coube ao francês Leon Duguit, desenvolver a tese de que o direito do
proprietário é limitado pela missão social que possui. [13] Na
doutrina francesa Renouard e Nicolas Binctin destacam que uma criação
tecnológica tem uma função muito importante quanto ao progresso social e ao bem
estar, tal progresso deve beneficiar uma grande parte da população.[14]
Auguste Comte [15]
[1] BARBOSA, Denis. Usucapião de patentes e outros estudos de
propriedade industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 84
[2] Di BLASI, Gabriel. A propriedade Industrial: os sistemas de
marcas, patentes, desenhos industriais e transferência de tecnologia.Rio de
Janeiro: Forense, 2010. p. 46.
[3] BARBOSA,
Cláudio. Propriedade Intelectual:
introdução à propriedade intelectual como informação. Rio de Janeiro:Elsevier,
2009, p.53
[4]
MIRANDA,
Pontes. Tratado do Direito Privado,
Rio de Janeiro:Borsoi, tomo XVI, 1956, p.256
[5]
MELLO, Celso Bandeira . Curso de direito administrativo, São Paulo: Malheiros,
2011, p. 96 cf. BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Direito Civil da propriedade
intelectual: o caso da usucapião de patentes. Rio de Janeiro, Lumen Juris,2012,
p.8
[6] VAZ, Izabel. Direito Econômico da Propriedade.Rio de
Janeiro: Forense, 1993. p. 420
[7] FURTADO, Lucas Rocha. Sistema de Propriedade Industrial no
Direito brasileiro. Brasília: Brasília Jurídica, 1996. p. 22
[8]
BARBOSA, Denis. A propriedade industrial e a sua vertente parasitária. Revista da
ABPI – nº 116 – Jan/Fev 2012, p.21
[9]
TRF3 Processo: AMS 10245 SP 2003.61.00.010245-5 Relator(a): DESEMBARGADOR
FEDERAL MAIRAN MAIA Julgamento: 06/05/2010
Órgão Julgador: SEXTA TURMA
http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/9222998/apelacao-em-mandado-de-seguranca-ams-10245-sp-20036100010245-5-trf3
[10] TRF2 AÇÃO RESCISÓRIA 2007.02.01.006831-6, RELATOR: ANDRÉ FONTES,
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL – INPI, PROCURADOR: ANDRE
LUIS BALLOUSSIER ANCORA DA LUZ, REU: WARNER-LAMBERT COMPANY, ADVOGADO: JOAQUIM
EUGENIO GOULART E OUTROS, ORIGEM: SEXTA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
(9800257675)
[11]
GRAU, Eros Roberto. Função Social da Propriedade (Direito econômico).
Enciclopédia do Direito. vol. 39, p. 17-27, São Paulo: Saraiva, 1979
[12]
COMTE, Auguste. Teoria Positivista: Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural,
1989.
[13]
DUGUIT, Leon. Fundamentos do Direito. São Paulo: Ícone, 1996
[14]
BINCTIN, Nicolas. Droit de la
propriété intellectuelle, LGDJ:Paris, 2012, p.41; RENOUARD, Augustin. Du droit
industriel dans sés reports avec les principes du droit civil sur les personnes
et sur les choses. Guillaumin, Paris, 1860, p.406
[15] http://pt.wikipedia.org/wiki/Auguste_Comte
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