Para Sean O’Connor[1]
a cláusula constitucional que garante a proteção aos autores e inventores de
seus textos e descobertas respectivamente (To promote the Progress of Science
and useful Arts, by securing for limited Times to Authors and Inventors the
exclusive Right to their respective Writings and Discoveries) para promover o
progresso das ciências e artes úteis, tem origem do projeto de Encyclopédie francês do século XVIII que da mesma forma tinha como proposta a promoção das
ciências e artes úteis. A IP Clause, contudo, não faz referência direta a patentes e copyright, embora conhecidos à
época pelos autores do texto, enquanto a referência a “artes úteis” parece pouco
clara. A Suprema Corte em decisão de 2012 afirmou que o sentido deste termos na
época é efetivamente oposto ao seu uso moderno.[2]
O termo “descobertas” sugere um escopo maior do que o usual, incluindo teorias
científicas e produtos tal qual encontrados na natureza como rochas e plantas. Por
que os autores do texto preferiram um texto ambíguo como “descobertas” quando
poderiam ter usado o termo “invenções” ?
Segundo Sean O’Connor a Constituição ao criar uma nova forma de
governo tinha como objetivo o de não replicar o sistema britânico e portanto
não há razões para supor que tenha sido inspirado no modelo inglês. A Encyclopédie de Diderot e d’Alembert descrevia a ciência e artes práticas como campos do conhecimento humano que podiam ser submetidos às formas objetivas de medição e
passível do conceito de progresso, ao contrário de outros campos sujeito a uma
avaliação subjetiva. Esta perspectiva de progresso do conhecimento, resultado
da Revolução Científica do século XVII, traz
a perspectiva de um conhecimento que se acumula e que pode ser quantificado e
catalogo de forma objetiva em uma grande enciclopédia. Neste sentido a obra
francesa se referia a “descobertas” como a “mais importante das invenções” que
não abrangia fatos já existentes tais como leis da natureza. Assim a Enciclopédia
francesa se refere ao “gênio inventivo” de Descartes na matemática e a Newton
como tendo “inventado o cálculo”, reservando o termos “descobertas” para as
mais importantes invenções que podem ser graduadas: “em geral, este nome (descoberta) pode ser dado a qualquer coisa nova
encontrada nas artes e ciências: contudo, o termo é raramente aplicado e não
deve ser aplicado, exceto para aquilo que seja não apenas novo, mas também
curioso, útil e difícil de se encontrar e que consequentemente tem um certo
grau de importância. As descobertas menos importantes são simplesmente chamadas
de invenções”. Tanto d’Alembert como Diderot ao codificar o conhecimento de
mestres artesãos e suas técnicas buscavam elevar o conhecimento das artes úteis,
trazendo este conhecimento para o domínio da ciência, o que segundo Sean Connor
está nas origens do conceito de tecnologia. Joel Mokyr observa que a publicação da Encyclopédie associada com o Iluminismo, a Enciclopédia francesa de D’Alembert possuía
numerosos artigos de matérias técnicas escritos
e ilustrados por artesãos altamente especializados e experientes em suas
áreas tecnológicas.[3]
Os patriarcas fundadores dos Estados Unidos como Thomas Jefferson
e Benjamin Franklin eram defensores incontestáveis da Encyclopédie e de seu
espírito iluminista. James Madison um dos
redatores da IP Clause não faz referência ao modelo inglês como inspiração para
a cláusula. Autores como Mario Biagioli apontam o papel do documento de patente
como informação tecnológica no sistema francês e norte americano na construção
da cidadania sem contudo fazer uma conotação direta com o movimento enciclopedista.
[4]
Para Sean Connor uma das razões para o distanciamento ideológico dos
legisladores e comentaristas da IP Clause à influência francesa foi o regime de
terror que se instaurou na França alguns anos após a Revolução. Outra razão, é
que superada a fase de independência norte americana já em 1790 se observam
cada vez mais uma aproximação dos Estados Unidos com a Inglaterra,
especialmente quando a França de Napoleão tornou-se a anátema do ideal de
democracia liberal compartilhado por ingleses e norte americanos.
Os primeiros tratados de patentes e decisões da Suprema Corte
tratam invenções e descobertas como sinônimos. Em Baker v. Selden por exemplo a
Suprema Corte[5] distingue as artes úteis
da ciência, esta representando apenas verdades contemplativas sobre o mundo. Em
1966 em Graham v. Deere se refere como passíveis de proteção por patentes
apenas as artes úteis. Nos anos 1970 durante a reforma do sistema de copyright
norte americano dois livros tiveram destaque em confirmar uma influência
britânica na IP Clause: o livro de Bruce Bugbee, Genesis of American Patent and
Copyright Law e o de Lyman Patterson, Copyright in Historical Perspective. Esta
perspectiva amplia o escopo do copyright. Na perspectiva francesa da Encyclopédie havia uma distinção entre autores e escritores (a IP clause refere-se
a autores) enquanto os escritores cuidam meramente da forma e estilo, cabem aos
autores o conteúdo substantivo do texto, em geral com conotação científica,
assim Voltaire são excelentes escritores enquanto Descartes e Newton autores
famosos.
Desta forma, para Sean Connor a IP Clause tinha em mente apenas a proteção
da parte substantiva da informação, o que remeteria obviamente a trabalhos de
cunho científico. Textos de ficção poderiam ser protegidos naquilo que
contivessem de cunho substantivo. Isso explica o porque dos termos autor e
inventor serem usados como sinônimos em muitos textos da época. A cláusula
constitucional ao se referir a progresso no sentido da Encyclopédie remeteria
apenas aquelas áreas do conhecimento quantificáveis, passíveis de um
conhecimento objetivo. As demais áreas não estariam garantidas no plano federal
mas poderiam ser protegidos pelas legislações estaduais como, por exemplo, foi o
caso das gravações de áudio de trabalhos não publicados que até 1970 era
protegidas apenas em alguns Estados. Se
intenção dos legisladores da cláusula constitucional fosse a de promover as criações como obras literárias e
músicas, de cunho subjetivo, teriam optado no texto por fazer uma referência á
promoção da cultura. Isto pode significar que partes importantes da lei de
copyright atual dos Estados Unidos podem ser inconstitucionais, na medida em que protegem a expressão
criativa de tais trabalhos.
Encyclopédie Francesa [6]
[1] CONNOR, Sean. The Overlooked French
Influence on the Intellectual Property Clause, University of Washington School
of Law Research Paper No. 2014-05, http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2409796
[2] Golan v. Holder, 132 S. Ct.
873 (2012).
[3] MOKYR, Joel. The European
enlightment and the origin of modern economic growth. In: HORN, Jeff;
ROSENBAND, Leonard; SMITH, Merritt Roe. Reconceptualizing the Industrial
Revolution, London:MT Press, 2010, p.70
[4] Mario Biagioli, Patent
Republic: Representing Inventions, Constructing Rights and Authors, 73 SOC.
RES. 1129 (2006).
[5] 101 U.S. 99, 100-101, 105
(1879)
[6] http://pt.wikipedia.org/wiki/Encyclop%C3%A9die
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