Iván
Poli observa que a distinção entre uma forma útil e outra estética em que
apenas a primeira seria passível de proteção por modelo de utilidade tem sido
criticada por não envolver dois conceitos mutuamente excludentes. Iván Poli
reelabora esta distinção da seguinte maneira: “a forma a que se refere o modelo ou desenho industrial deve ser
arbitrária e individualizante e não pode ser necessária (no sentido de
imprescindível para a função do produto que a incorpore)” conforme decisão
na Itália da Corte di Cassazione, em sentença de 27 de maio de 1960.[1]
Nos
Estados Unidos a proteção fornecida pelo desenho industrial (design patent) se restringe às
características ornamentais do desenho e não inclui as características
essencialmente funcionais, pelo qual a natureza do desenho contribui para a
operação ou desempenho do artigo. Em Avia Group Int v. L.A.Gear Cal. Inc[2] o Federal Circuit conclui que a sola de um
tênis possuía características funcionais, contudo, diversos outros desenhos
poderiam proporcionar as mesmas funções, logo, é possível se dissociar a
funcionalidade do artigo (sola de tênis) com a funcionalidade de seu desenho.
Neste caso, a patente de desenho industrial (USD287301) foi concedida. Segundo
Janice Mueller a patente de desenho industrial adota um critério de não
funcionalidade análogo a doutrina de artigos úteis (useful article doctrine) presente na legislação de copyright (17 USC § 101) pelo qual o
desenho de um artigo útil pode ser objeto de copyright na medida em que incorpora características gráficas que
podem ser identificadas de forma separada de sua funcionalidade, ou seja, que
possam existir independente do aspecto utilitário do artigo.[3]
O
Manual de Exame do USPTO refere-se à decisão L. A. Gear Inc. v. Thom McAn Shoe
Co[4]
que estabelece que para ser patenteável como design patent um desenho deve ser principalmente ornamental (primarily ornamental): “na determinação se um desenho é
principalmente funcional ou principalmente ornamental o desenho reivindicado é
visto como um todo, pois a questão principal não é o aspecto funcional ou
decorativo de cada elemento característico separado, mas o resultado geral do
artigo, para se determinar se o desenho reivindicado é ditado por um propósito
utilitário do artigo”.
Em
decisão de 1954 a Suprema Corte em Mazer
v. Stein[5]
analisou a possibilidade de registro de um abajur em forma de uma escultura de
uma dançarina e entendeu que obras de arte, mesmo destinadas ao uso industrial,
poderiam receber proteção de direito de autor uma vez que o conceito de arte
não deve se restringir às formas tradicionais de arte pura.[6] A
Corte entendeu que nem a lei de patentes ou a de direitos autorais se refere a
que tais tipos de proteção são mutuamente exclusivos e, portanto, a patenteabilidade
de um objeto não impede que este mesmo objeto receba proteção de direito de
autor como obra de arte.[7] A
decisão seguiu a dicotomia ideia/expressão na qual a funcionalidade do abajur
foi separada de seu formato estético. Segundo Cláudio Barbosa: “se a função não está protegida, e a única
forma de acesso àquela função (informação) passa pelo uso daquela forma, o uso
da forma passa a ser permitido, independentemente da proteção conferida pelo
instituto jurídico. Esta é a dicotomia ideia-expressão”.[8]
Em Esquire v. Ringer o US District Court do Distrito de Columbia [9]
decidiu em 1976 que o desenho artístico de luminárias destinadas ao uso em
áreas de estacionamento e outras áreas externas poderia ser objeto de um
registro de direito de autor, apesar do propósito obviamente utilitário do
artigo. As luminárias da autora tanto serviam para decorar como para iluminar,
sendo durante o dia, exclusivamente decorativas.[10]
Vinte anos após a decisão Mazer v. Stein a CCPA analisou questão similar em In re Yardley[11]
que tratou de relógio dotado de uma figura em caricatura cujos braços e pernas
serviam de ponteiros para minutos e horas. O USPTO havia rejeitado a design patent com base em anterioridade
que apresentava figura distinta em que braços e ponteiros serviam à mesma
função como ponteiros do relógio. A Corte, contudo, reafirmou o entendimento de
Mazer v. Stein de que podem haver áreas de proteção superpostas entre o copyright e a patente de design quando
ao aspecto ornamental do desenho.[12]
Nos
Estados Unidos, patentes de utilidade (utility
patents) e patentes de desenho (design
patents) podem coexistir uma vez que protegem objetos distintos, enquanto o
primeiro se refere a funcionalidade do objeto o segundo diz respeito as seus
aspectos ornamentais. Nestes casos o inventor do pedido de patente insere um “terminal disclaimer” em seu pedido
concordando que as duas proteções se encerram na mesma data.[13]
Uma Suthersanen argumenta que nem sempre o critério ornamental versus funcional
é objetivo. Uma Suthersanen argumenta que o critério de não obviedade em
patentes de desenho é mais exigente que o observado em patentes de invenção.[14]
Há diversos exemplos de patentes de desenho relativas a objetos com
características funcionais tais como fontes de alimentação D298824 com
disposição de ventilação, asa de avião D566031 com efeitos aerodinâmicos,
impressora D350978 com disposição das bandejas de papel, encapsulamento de
dispositivo semicondutor D489695 com efeitos de dissipação de calor, cabo
coaxial D519076 com aspectos de conectividade.
Conforme Ladas explica: “O
registro de modelo de utilidade é concedido para um artigo que serve a uma
finalidade prática. [...] Não é apropriado invalidar um desenho porque
basicamente um ou outro aspecto menor serve a uma finalidade prática,
utilitária. Mas é indicado invalidar se os aspectos individuais estão presentes
para atender, basicamente, a uma finalidade funcional que pode claramente ser
entendida como dominante, no sentido de que eles estão no principal, destinados
a contribuir com as características do novo, original, ornamental e não óbvio
para o desenho como um todo”.
José
Lastres observa que enquanto o modelo industrial protege unicamente a forma do
objeto, o modelo de utilidade protege a forma em que se executa e se produz um
resultado industrial. José Lastres descarta como errônea a interpretação que
toda a forma que cumpra uma função técnica não possa ser protegida como modelo
industrial. Se assim fosse, praticamente reduzir-se-iam consideravelmente as possibilidades
de proteção por modelo industrial visto que invariavelmente na maioria das
vezes alguma funcionalidade, ainda que de menor importância, estará presente.
Para autor não poderá ser protegido por modelo industrial a criação cuja forma
esteja inseparavelmente unida ao resultado técnico produzido pela mesma.
Portanto, a forma poderá cumprir uma função técnica e ainda assim poderá ser
protegida por modelo industrial, haverá, portanto, que se averiguar se existe
separabilidade entre forma e função, ou seja, a forma não seja necessária para
produzir o correspondente efeito técnico.
Segundo
decisão do Supremo Tribunal espanhol em sentença de 9 de junho de 1970 “Para que uma criação de forma seja protegida
como modelo industrial não é preciso que cumpra uma função técnica. O resultado
técnico é considerado assim, irrelevante para os modelos industriais. Os
modelos industriais são suscetíveis de registro sempre que sua forma possa ser
descrita por sua estrutura, configuração, ornamentação ou representação, sem
necessidade de se reportar a qualquer função ativa”. Para resolver o
problema da determinação da separabilidade entre forma e função José Lastres
recorre ao direito francês em Marcel Plaisant em que se destaca o conceito de
multiplicidade das formas: “se um objeto
pode adotar múltiplas formas sem deixar de produzir por isso o mesmo resultado
técnico, existe separabilidade entre a forma do objeto e o resultado industrial
que a mesma produz. Dito de outra forma, quando é possível obter um mesmo
resultado utilizando várias formas, estas são independentes do resultado
técnico alcançado”.[15]
Eugène
Pouillet também elabora critério semelhante ao determinar que não haverá
separabilidade entre forma e resultado “se
o resultado industrial é inerente à forma, deste inseparável, de modo que não
possa ser obtido este resultado industrial sem que se modifique esta forma”
e neste caso a proteção será a conferida por uma patente. Pouillet cita como
exemplo um porta-moedas no qual o fecho é localizado no meio de uma cavidade
cujas bordas o protegem: “é claro que
mesmo que este dispositivo contribua para dar um aspecto especial ao porta
moeda, não se trata de um modelo industrial mas de uma invenção, uma vez que
tem como efeito evitar a abertura intempestiva do porta moedas” [16].
Pouillet aqui trata de invenção, porém sua argumentação tratando da
separabilidade entre funcionalidade e ornamentação aplica-se à presente
discussão de modelos de utilidade. “Mas
pode ocorrer que a forma não esteja indissoluvelmente associada a um resultado
industrial, na qual uma forma confira ao objeto um aspecto característico, se
apresente primeiro ao espírito do criador, ou foi por ele escolhida, tal forma
não é de modo algum indispensável para a realização do mesmo propósito, e que
um outro objeto de mesma forma e aspecto inteiramente diferente possa ser
estabelecido sob os mesmos princípios (établi sur lês mêmes principes) e
alcançar os mesmos resultados. Neste caso podemos ter uma situação de dupla
proteção e o criador invocar [a lei de patentes] para os princípios em jogo,
para a combinação de meios conhecidos que conduz a um resultado industrial, por
exemplo, e o modelo industrial para a proteção da forma escolhida para o mesmo”.
Eugéne
Pouillet destaca que se para cada variação de forma ou dimensão fosse obter uma
nova patente, muito fácil seria se tornar um inventor, por outro lado se esta
mudança de forma ou dimensão produz um resultado novo, de modo a criar um
produto industrial novo, existirá uma invenção no sentido da lei francesa de
1844, citando como exemplo, um novo formato de lente para telescópio; um
aparelho de torrefação de café em formato esférico ao invés da forma elíptica
encontrada no estado da técnica; um novo formato de arado que retira com uma
paleta a terra retida no instrumento facilitando seu uso. Como exemplo de
formas não passíveis de proteção por patentes são citados novos formas em
vestidos de saias e molduras de madeira usadas para quadros de pinturas[17].
O
belga Edmond Picard nota que o que distingue desenhos de fábrica das invenções
é o fato das primeiras se referirem a conjunto de linhas e cores aplicadas à
uma superfície plana de impressão, um tecido, um bordado, ao passo que as
invenções podem ser concedidas à combinação de linhas e cores aplicadas ao
relevo de uma matéria qualquer destinada à reprodução na indústria. [18]
Não há, portanto, a clivagem entre aspectos estéticos e industriais. A lei
belga de 1886 em seu artigo 21 ao tratar da proteção de obras de arte por
direito autoral, de forma análoga, sancionava que a obra de arte reproduzida
por processos industriais permanece sempre sujeita à lei sobre direitos de
autor, ou seja, adota a doutrina de unidade da arte (l’unité de l’art) que viria a ser defendida por Eugène Pouillet no
Congresso Artístico Internacional de Veneza em 1905 para o qual não se pode
fazer qualquer distinção entre as obras de arte propriamente ditas e as obras
de arte de emprego industrial, desde que a arte é única em sua essência, não
havendo como traçar uma fronteira entre o artístico (protegido pelo direito
autoral) e o industrial (protegido por patentes e desenhos industriais).[19]
Albert
Chavanne e Jean Burst comentam o critério da multiplicidade de formas: “segundo este critério se o mesmo resultado
pode ser obtido com uma forma diferente deve-se decidir que a forma é
dissociável deste efeito técnico. Se ao contrário, o mesmo resultado somente
pode ser obtido por esta única forma, a mesma não é mais dissociável deste
efeito técnico. Dito de outra maneira, a forma é inseparável da função quando esta
não pode ser obtida a partir de uma outra forma”. Os autores observam que
embora este princípio seja citado em muitos julgamentos pelas Cortes, há casos
em que um objeto e suas variantes construtivas apresentam o mesmo efeito
técnico e a proteção por modelos industriais seja possível. Chavanne e Burst
observam que para se excluir um objeto da proteção por modelo industrial pelo
fato do mesmo apresentar características predominantemente funcionais não é
necessário que esta criação atenda a todos os critérios de patenteabilidade.
Sempre que a forma tende a obter uma vantagem quanto ao conforto, comodidade ou
permitir a realização de certas economias, esta forma tem uma característica
utilitária e está excluída da proteção por modelos industriais. Por sua vez, se
tais criações não atendem às condições de patenteabilidade, as mesmas ficarão
sem proteção na França, o que tem mobilizado autores como Marie-Angele Perot
Morel a defender a introdução dos modelos de utilidade na França.[20]
As
proteções de desenho industrial e modelo de utilidade são distintas. O desenho
industrial protege os elementos artísticos e o modelo de utilidade os técnicos.
Portanto, no modelo de utilidade não poderão ser pleiteados elementos
ornamentais na reivindicação assim como no desenho industrial não poderão ser
pleiteados os elementos técnicos. Se, contudo um mesmo elemento é ao mesmo
tempo ornamental e técnico, devemos analisar qual dos dois predomina e o
requerente em tese deveria proteger sua criação como modelo de utilidade caso neste
objeto predominem os aspectos técnicos ou como desenho industrial caso
predominem os elementos ornamentais. Caso o requerente pleiteie as duas
proteções para o mesmo elemento, em tese caberia a nulidade de uma das
proteções. Como o enfoque de modelos de utilidade e desenho industrial é
diferente, salvo os casos em que o depósito é feito na natureza incorreta pelo
requerente, não será necessário buscas nos registros de desenhos industrial
para o exame de um modelo de utilidade. Poderá, contudo, ocorrer poucas
situações em que o elemento técnico serve apenas de suporte para o padrão
ornamental protegido pelo registro de desenho industrial e neste caso, ainda
que o enfoque seja distinto, este documento de desenho industrial poderia ser
relevante em uma busca de anterioridades para modelo de utilidade.
[1]
Riv.Dir.Ind, 1960, v.II, p.131. cf. POLI, Iván Alfredo. El modelo de utilidad. Buenos Aires: Ed. Depalma, 1982, p.39
[2] 853 F.2d.
1557 (Fed. Circ. 1988)
[3] MUELLER,
Janice. Patent Law. New York:Aspen
Publishers, 2009, p.290
[4] 988 F.2d
1117, 1123, 25 USPQ2d 1913, 1917 (Fed. Cir. 1993) cf.
http://mpep.info/1500_1504_01_c
[5] 347 US
201, 100 USPQ 325 (1954) cf. LUNDBERG, Steven; DURANT, Stephen; McCRACKIN, Ann.
Electronic and software patents. The
Bureau of National Affairs, 2005, p.2-26
[6]
http://www.conservapedia.com/Mazer_v._Stein; REICHMAN, Jerome. Design protection in domestic and foreign
copyright law: from the Berne Revision of 1948 to the copyright Act of 1976.
Duke Law Journal, v.1983, December, n.6
http://scholarship.law.duke.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1074&context=faculty_scholarship
[7] LUNDBERG, Steven, DURAT, Stephen, McCRACKIN, Ann. Electronic and Software Patents, Law and Practice, The Bureau of
National Affairs, Washington, 2005, p. 2-26
[8]
BARBOSA, Cláudio. Propriedade
Intelectual: introdução à propriedade intelectual como informação. Rio de
Janeiro:Elsevier, 2009, p.198
[9]
414 Fed.Sup. 939-942
[10]
SILVEIRA, Newton. O design – proteção e
interface com outros direitos: direito de autor no desenho industrial. XXII
Seminário Nacional da Propriedade Intelectual: o redesenho dos direitos
intelectuais no contexto do comércio mundial, São Paulo, agosto 2003, p.34;
SILVEIRA, Newton. Direito de autor no design. São Paulo:Saraiva, 2012, p.153
[11]
493, F.2d 1389, 181 USPQ 331 (CCPA 1974) cf. LUNDBERG, Steven; DURANT, Stephen;
McCRACKIN, Ann. Electronic and
software patents. The Bureau of National Affairs, 2005, p.2-26
[12]
http://www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/s1512.html
[13] BOUCHOUX,
Deborah. Intellectual Property for
Paralegals: the Law of trademark, copyrights, patents and trade secrets,
West Law Studies, Canada:Thomson, 2005, p.310
http://www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/documents/2700_2701.htm
[14]
SUTHERSANEN, Uma. Utility Models and
Innovation in Developing Countries, UNCTAD-ICTSD Project on IPRs and
Sustainable Development, 2006, p. 28
http://www.unctad.org/en/docs/iteipc20066_en.pdf
[15]
LASTRES, José Manuel Otero. Modelo
industrial y creaciones que cumplen una funcion tecnica. Actas de derecho
industrial y derecho de autor, Tomo 2, 1975, p. 437-446
[16]
POUILLET, Eugene. Traité thèorique et
pratique dês Dessins et Modèles, Paris, 1911, p.123-124
[17]
POUILLET, Eugène. Traité Theorique et
Pratique des Brevets d'Invention et de la Contrefaçon. Marchal et
Bilard:Paris, 1889, p.92
[18] PICARD,
Edmond; OLIN, Xavier, Traité des brevets
d'invention et de la contrefaçon industrielle, précédé d'une théorie sur les
inventions industrielles, 1869, p. 305
[19]
SILVEIRA, Newton. Direito de autor no
design. São Paulo:Saraiva, 2012, p.134
[20]
CHAVANNE, Albert; BURST, Jean-Jacques. Droit
de la propriété industrielle. Paris:Dalloz, 1990, p.430-433
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