domingo, 20 de abril de 2014

Visconde de Cairu e as patentes

Com o Alvará de 1809 ficava revogado o Alvará de 1785 que extinguira e proibira as indústrias e manufaturas brasileiras [1]. O Alvará de 1809 em seu artigo 6o refere-se a proteção concedida aos “inventores e introdutores de alguma nova máquina”. Ordenava o Alvará que se fizesse “uma exata revisão dos [privilégios] que se achavam concedidos, revogando-se os que, por falsa alegação ou sem bem fundadas razões, obtiveram semelhantes concessões” [2]. Para Visconde de Cairu ao conceder também privilégio aos introdutores de tecnologias estrangeiras no país “penso que a intenção do legislador é conceder igual benefício aos ditos introdutores, quando façam importar máquinas e invenções de países estranhos, durante o tempo das respectivas patentes. Essa lei é evidentemente política para atrair, quanto antes, ao estado os artistas eminentes e novos inventos”.[3] Visconde de Cairu lista entre os fatores que promovem a indústria de um país a disponibilidade de capitais, mão de obra, livre concorrência, disponibilidade de matérias primas, existência de um mercado, uma demanda pelos produtos. O sistema de patentes atua com um elemento deste processo mas incapaz de por si só alavancar a indústria no país: “os privilégios, prêmios e favores aos inventores nas artes e ciências é o requisito que completa os meios de fazer avançar a geral indústria para o auge de que é suscetível, havendo a discrição conveniente e nas devidas proporções, em conformidade aos objetos e méritos dos indivíduos. Mas este último expediente só tem ótimos resultados, onde ocorrem os outros requisitos que explanei. Aliás por si só, ou injudiciosamente empregados, pouco valem, e até produzem o efeito contrário ao destino”.[4]

Na interpretação de Visconde de Cairu um mínimo de inventividade é necessário para a concessão: “é sem questão que não se deve dar privilégio exclusivo ao inventor de insignificante novidade e simples alteração de forma nas obras das artes ordinárias, que não manifesta engenhosa combinação ou lavor difícil [...] Seria absurdo e indecente concedê-los por objetos notoriamente públicos, e já sem privilégio no país dos inventores” [5]. Ao não discriminar entre inventores e introdutores de máquinas protegidas em outros países, com a clara intenção de proteger os industriais ingleses que trouxessem maquinário para o Brasil, o dispositivo antecipava o tratamento nacional da Convenção da Paris, cerca de oitenta anos após. Visconde Cairu, contudo, alinhado com as teses liberais de Adam Smith e Jean Baptiste Say manifestava-se contra o exame prévio por entender ser uma ação inconveniente do Estado despreparado em avaliar tais solicitações de patentes e ao risco de avaliação injusta de uma burocracia estatal[6]. Visconde de Cairu faz referência ao preconceito dos sábios para auxílio no julgamento das patentes na medida em que estes, sábios em teoria, tendem a ter preconceito contra os inventores dotados de um conhecimento muito mais prático e cita o exemplo de Adam Smith que um dos maiores melhoramentos em bombas a vapor foi obtido por um rapaz servente. Segundo Visconde de Cairu: “se a invenção é quimérica, ou sem efeito útil, o inventor nada lucra, e não se agrava a pessoa alguma com o exclusivo: se é alheia, seu dono a reclamará, ou o público: se está já manifesta por generosidade do inventor, ou por ter expirado o prazo de seu privilégio, qualquer um tem a faculdade de requerer a revogação contra quem se disse o inventor ou o introdutor de invenção nova”. [7]

Visconde de Cairu [8]



[1] DOMINGUES, Douglas Gabriel. Direito Industrial – patentes, Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 17. 
[2] GNOCCHI, Alexandre. Propriedade Industrial: licenças & roialtes no Brasil, São Paulo: Rev. dos Tribunais, 1960, p. 130. 
[3] LISBOA, José da Silva. Observações sobre a fraqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil, Brasília:Senado Federal, 1999, p.74
[4] LISBOA, José da Silva. Observações sobre a fraqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil, Brasília:Senado Federal, 1999, p.67
[5] CARVALHO, Nuno. As origens do sistema brasileiro de patentes – o Alvará de 28 de abril de 1809 na confluência de políticas públicas divergentes. Revista da ABPI, n.91, nov.dez. 2007, p. 12; LISBOA, José da Silva. Observações sobre a fraqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil, Brasília:Senado Federal, 1999, p.113 
[6] MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 60; LISBOA, José da Silva. Observações sobre a fraqueza da indústria e estabecimento de fábricas no Brasil, Brasília:Senado Federal, 1999, p.114
[7] LISBOA, José da Silva. Observações sobre a fraqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil, Brasília:Senado Federal, 1999, p.114
[8] http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_da_Silva_Lisboa

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