O vocábulo invenção deriva de inventio, com o sentido de descobrimento, descoberta e talvez justamente por este motivo, desde longa data encontramos as duas palavras empregadas como sinônimas.[1] Mario Biagioli destaca que o verbo em latim invenire tanto significa “achar” como “criar”, de modo que em sua versão medieval patentes eram tanto concedidas para aquele que realizasse a invenção na prática em determinado local[2]. Ruben Requião cita o jurista Mario Viari que remete ao significado etimológico do latim invenire e se refere a invenção como “atividade humana por meio da qual são investigadas ou realizadas coisas que antes não existiam”.[3]
O uso indistinto entre inventos e descobertas é uma repercussão do texto da Constituição norte americana de 1787[4]. A Constituição dos Estados Unidos de 1787 confere aos autores e inventores o direito exclusivo a seus “escritos e descobertas” (To promote the Progress of Science and useful Arts, by securing for limited Times to Authors and Inventors the exclusive Right to their respective Writings and Discoveries).[5] Mesmo no recente caso KSR v. Teleflex de 2007 a Suprema Corte afirmou: “as invenções na maioria, se não em todos os casos, dependem de blocos há muito descobertos, e as descobertas reivindicadas quase que necessariamente serão combinações do que, em algum sentido, já é conhecido”.[6]
Picard observa que a lei belga de 1854 não distingue descoberta (découverte) de invenção (invention), o que o autor sugere ter ocorrido por uma imprecisão terminológica da lei.[7] Para Picard a descoberta quando alguém percebe uma coisa já existente, mas que ainda não havia sido constatada sua existência, assim Cristóvão Colombo descobriu a América, Harvey descobriu a circulação sanguínea, ao passo que a invenção ocorre quando alguém concebe ou realiza uma coisa a qual acredita não existir, ou não ter existido até então, assim Gutemberg inventou a imprensa, Otto de Gerincke inventou a bomba pneumática, como fruto de suas pesquisas, ainda que possa se caracterizar uma invenção ainda que fruto do acaso. A invenção distingue-se da descoberta por dois aspectos. Em primeiro lugar por trata-se da concepção de algo até então inexistente. Em segundo lugar por a invenção exigir que sempre haja a participação do homem para sua realização.[8]
Esta distinção entre descoberta e invenção aparece no livro “Elements of the philosophy” do filósofo escocês Dugald Stewart que em 1829 escreve: “o objeto da invenção , como tem sido muito frequentemente observado, é produzir algo até então não existente, enquanto a descoberta é trazer á luz algo que existia, mas que estava oculto á observação comum. Assim Otto Guerricke inventou a bomba de ar, sanctorius inventou o termômetro, Newton e Gregory inventaram o telescópio por reflexão, Galileu descobriu as manchas solares e Harvey descobriu a circulação do sangue. Ao que parece , portanto, aperfeiçoamentos na técnica são propriamente chamados invenções, e fatos trazidos á luz por meio da observação, são propriamente chamados descobertas”.[9]
A Constituição brasileira de 1824 ao tratar no Artigo 179 inciso XXIV da proteção por patentes considera como descobertas as criações dos inventores: “os inventores terão a propriedade de suas descobertas ou das suas produções”, porém, desde então todas as leis subsequentes discriminam as descobertas como algo não patenteável e distinto de uma invenção. A Constituição de 1891 no Artigo 72 adotou terminologia em que se elimina a referência a descobertas: “os inventos industriais pertencerão a seus autores, aos quais ficará garantido por lei um privilégio temporário”. Com o Decreto lei 7903/45 desapareceu daí por diante o termo “descoberta” das leis de patentes como sinônimo de invenção. A Constituição de 1946 em seu Artigo 141 estabelece que “os inventos industriais pertencem aos seus autores, aos quais a lei garantirá um privilégio temporário”. No Brasil, embora já presente nos textos constitucionais desde 1891, o Código Civil de 1916 no Artigo 603 referia-se como invenção[10] a “coisa alheia perdida”, terminologia corrigida no Novo Código Civil de 2002, que nos artigos correspondentes (art. 1233 e seguintes) já se refere à “descoberta” e não mais à “invenção”.[11]
[1] DOMINGUES, Douglas Gabriel. Direito Industrial – patentes, Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 29.
[2] BIAGIOLI, Mario. From print to patents: living on instruments in early modern Europe. Hist. Sci., xliv, 2006, p. 151 http://innovation.ucdavis.edu/people/publications/Biagioli%202006%20From%20Print%20to%20Patents.pdf
[3] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. São Paulo, Saraiva, 19ª ed, 1º vol., 1989, p. 223
[4] U.S. Constitution Article 1 Section 8 http: //www.usconstitution.net/xconst_A1Sec8.html.
[5] http://www.usconstitution.net/xconst_A1Sec8.html
[6] BARBOSA, Denis Borges; MAIOR, Rodrigo Souto; RAMOS, Carolina Tinoco. O contributo mínimo em propriedade intelectual: atividade inventiva, originalidade, distinguibilidade e margem mínima. Rio de Janeiro: Lumen, 2010. p. 101.
[7] PICARD, Edmond; OLIN, Xavier, Traité des brevets d'invention et de la contrefaçon industrielle, précédé d'une théorie sur les inventions industrielles, 1869, p. 133
[8] PICARD, Edmond; OLIN, Xavier, Traité des brevets d'invention et de la contrefaçon industrielle, précédé d'une théorie sur les inventions industrielles, 1869, p. 134
[9] BEHAR, Gabriel Galvez. The propertisation o science: suggestions for na historical investigation. In: LOHR, Isabella; SIEGRIST, Hannes. Global Governance of Intellectual Property Rights, v.21, n.2, 2011, p.80-97 tp://hal.archives-ouvertes.fr/docs/00/63/37/86/PDF/GGB_FINAL.pdf
[10] http: //www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L3071.htm.
[11] http: //www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm.
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